PC - 0602586-40.2018.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 18/12/2020 às 14:00

VOTO

A UNIÃO interpôs agravo interno com o intuito de ver reformada decisão deste Relator que, em sede de cumprimento de sentença destinado ao recolhimento da quantia de  R$ 3.295,88 ao Tesouro Nacional por IVAN SÉRGIO FELONIUK, considerou impenhoráveis os valores encontrados em contas bancárias pertencentes ao EXECUTADO – os quais, somados, totalizavam R$ 6.762,90, com respaldo no art. 833, inc. X, do Código de Processo Civil, que, segundo orientação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, abarca valores inferiores a 40 (quarenta) salários-mínimos depositados em caderneta de poupança, conta-corrente e fundos de investimento, assim como guardados em papel moeda.

Em suma, a argumentação recursal cinge-se à existência de divergência jurisprudencial quanto à amplitude da norma contida no art. 833, inc. X, do Código de Processo Civil, temática que voltaria a ser debatida pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp n. 1660671/RS, na sessão de 16.9.2020, e, ainda, à violação do procedimento previsto no art. 854, §§ 2º e 3º, inc. I, do Diploma Processual Civil.

Adianto que a irresignação não comporta provimento. Isso porque a agravante não traz argumentos suficientes para modificar o entendimento da decisão agravada.

Inicialmente, registro que, segundo consulta ao site do Superior Tribunal de Justiça, o julgamento do REsp n. 1660671/RS, de relatoria do Ministro HERMANN BENJAMIN, segue suspenso e sem definição de nova data até o momento, motivo pelo qual, reiterando posição adotada por ocasião do julgamento dos aclaratórios (ID 7162983), a alegada divergência jurisprudencial relativa à abrangência do art. 833, inc. X, do Código de Processo Civil, não integrará a fundamentação da presente decisão.

Prossigo reportando-me aos fundamentos expendidos em sede de embargos declaratórios (ID 7162983), os quais integram a decisão ora agravada, de modo que, evitando desnecessária repetição, deles me valho para indeferir o presente recurso:

(...)

No mérito, a EMBARGANTE suscita que a decisão recorrida omitiu o fundamento legal utilizado para considerar impenhorável a quantia de R$ 6.762,90, localizada em contas bancárias do EXECUTADO e inobservância do procedimento previsto no art. 854, §§ 2º e 3º, inc. I, do Diploma Processual Civil.

Inicialmente, registro que, segundo consulta ao site do Superior Tribunal de Justiça, realizada em 29.9.2020, o REsp n. 1660671/RS, de relatoria do Ministro HERMANN BENJAMIN, que havia sido incluído na pauta da sessão da Corte Especial do dia 16.9.2020, teve seu julgamento adiado, motivo pelo qual não integrará a fundamentação da presente decisão, no que respeita à alegada divergência jurisprudencial relativa à abrangência do art. 833, inc. X, do Código de Processo Civil, com base no qual deixei de determinar a indisponibilidade do valor anteriormente citado, embora não o tenha citado expressamente como razão de decidir.

O dispositivo em comento tem a seguinte redação:

Art. 833. São impenhoráveis:

(...)

X - a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos;

(...).

De acordo com a interpretação literal extraída desse artigo, somente as reservas financeiras depositadas em caderneta de poupança até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos são impenhoráveis, escolha legislativa fundada no interesse governamental de custear as operações de financiamento habitacional, uma vez que parcela expressiva desses valores é direcionada a operações ligadas ao Sistema Financeiro de Habitação, segundo normativa do Banco Central.

Todavia, o Superior Tribunal de Justiça, atento à injustificável diferenciação do tratamento conferido à caderneta de poupança dentro da sistemática processual das impenhorabilidades, já no ano de 2014, em decisão paradigmática proferida pela sua 2ª Seção, decidiu que as quantias até o patamar de 40 (quarenta) salários mínimos são impenhoráveis, ainda que se encontrem depositadas em fundos de investimento e conta corrente ou guardadas em papel-moeda, desde que constituam a única reserva monetária disponível em nome do devedor, enquanto pessoa física, ressalvada eventual comprovação de abuso, má-fé ou fraude, como se denota da ementa do acórdão:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. IMPENHORABILIDADE. ARTIGO 649, IV e X, DO CPC. FUNDO DE INVESTIMENTO. POUPANÇA. LIMITAÇÃO. QUARENTA SALÁRIOS MÍNIMOS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. A remuneração a que se refere o inciso IV do art. 649 do CPC é a última percebida, no limite do teto constitucional de remuneração (CF, art. 37, XI e XII), perdendo esta natureza a sobra respectiva, após o recebimento do salário ou vencimento seguinte.

Precedente.

2. O valor obtido a título de indenização trabalhista, após longo período depositado em fundo de investimento, perde a característica de verba salarial impenhorável (inciso IV do art. 649). Reveste-se, todavia, de impenhorabilidade a quantia de até quarenta salários mínimos poupada, seja ela mantida em papel-moeda; em conta-corrente; aplicada em caderneta de poupança propriamente dita ou em fundo de investimentos, e ressalvado eventual abuso, má-fé, ou fraude, a ser verificado caso a caso, de acordo com as circunstâncias da situação concreta em julgamento (inciso X do art. 649).

3. Recurso especial parcialmente provido.

(STJ, 2ª Seção, REsp n. 1.230.060/PR, Relatora Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, DJe de 29.8.2014.) (Grifei.).

Essa linha interpretativa, fundada na proposição de que a impenhorabilidade constitui mecanismo de proteção da dignidade do devedor e de sua família contra excessos da via executiva na satisfação do crédito, vem sendo reiteradamente reafirmada em julgamentos daquela Corte Superior, como colho dos seguintes arestos:

TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. AUSÊNCIA DE COMBATE A FUNDAMENTOS AUTÔNOMOS DO ACÓRDÃO. APLICAÇÃO DO ÓBICE DA SÚMULA N. 283/STF. QUANTIA DE ATÉ 40 SALÁRIOS MÍNIMOS.

IMPENHORABILIDADE. CADERNETA DE POUPANÇA. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO.

I – Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015.

II – A falta de combate a fundamento suficiente para manter o acórdão recorrido justifica a aplicação, por analogia, da Súmula n. 283 do Supremo Tribunal Federal.

III – É pacífico o entendimento no Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a impenhorabilidade da quantia de até quarenta salários mínimos poupada alcança não somente a aplicação em caderneta de poupança, mas, também, a mantida em fundo de investimento, em conta-corrente ou guardada em papel-moeda, ressalvado eventual abuso, má-fé ou fraude.

IV – Em regra, descabe a imposição da multa, prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015, em razão do mero improvimento do Agravo Interno em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação, o que não ocorreu no caso.

V – Agravo Interno improvido.

(AgInt no REsp 1858456/RO, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15.06.2020, DJe 18.06.2020.) (Grifei.)

 

AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. IMPENHORABILIDADE DE VALOR DE ATÉ 40 (QUARENTA) SALÁRIOS MÍNIMOS MANTIDO EM CONTA BANCÁRIA OU FUNDOS DE INVESTIMENTO. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.

1. A Segunda Seção desta Corte Superior pacificou o entendimento de que "é possível ao devedor poupar valores sob a regra da impenhorabilidade no patamar de até quarenta salários mínimos, não apenas aqueles depositados em cadernetas de poupança, mas também em conta-corrente ou em fundos de investimento, ou guardados em papel-moeda" (EREsp 1.330.567/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, DJe de 19/12/2014).

2. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt nos EDcl no REsp 1453468/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, 4ª TURMA, DJe de 25.3.2020). (Grifei.)

Porém, a regra de impenhorabilidade estabelecida no inc. X do art. 833 do Código de Processo Civil, conforme o § 2º desse mesmo artigo, não alcança as hipóteses de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente da sua origem, ou importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários mínimos mensais, mínimo patrimonial a ser resguardado como forma de equacionar o direito ao recebimento de tutela jurisdicional capaz de dar efetividade, na medida do possível e do proporcional, aos direitos materiais do credor, e o direito à subsistência do executado e de seus dependentes (REsp n. 1.747.645/DF, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, 3ª Turma, DJe 10.8.2018).

Desse modo, nada obstante a possibilidade de o Superior Tribunal de Justiça rediscutir essa temática por ocasião do julgamento do REsp n. 1660671/RS, entendo que, em face do panorama atual da jurisprudência consolidada por aquela Corte Superior, que, indiscutivelmente norteia as decisões de órgãos regionais eleitorais, torna-se inviável acolher a pretensão da EMBARGANTE de que seja expedida ordem de indisponibilidade e penhora parcial dos bens do EXECUTADO, bloqueando-se o valor de R$ 3.295,88 dos R$ 6.762,90, depositados em contas correntes de sua titularidade, porquanto quantia inferior a 40 (quarenta) salários mínimos.

No que diz respeito à alegada inobservância do art. 854, §§ 2º e 3º, inc. I, do Código de Processo Civil, não desconheço corrente doutrinária e jurisprudencial, que, sugerindo temperamentos ao caráter absoluto das impenhorabilidades – admitindo, inclusive, a possibilidade de renúncia, na hipótese de disponibilidade do bem impenhorável –, entende que, uma vez encontrados valores depositados em nome do EXECUTADO junto a instituições financeiras, por meio de consulta ao Sistema BACENJUD, o magistrado deve determinar a indisponibilidade das quantias e a intimação da parte executada para, no prazo de 5 (cinco) dias, comprovar a impenhorabilidade ou o excesso da constrição judicial, sob pena de preclusão, ordenando, na sequência, a penhora, na hipótese de silêncio do interessado (MARINONI, Luiz Guilherme et alii. Curso de Processo Civil, vol. 2, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 922-923; STJ, EAREsp n. 223.196/RS, Relatora Ministra ELIANA CALMON, Relatora para o acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, Corte Especial, DJe de 18.02.2014; STJ, REsp n. 1800272/RS, Relator Ministro HERMAN BENJAMIN, 2ª TURMA, DJe de 29.5.2019).

No entanto, a impenhorabilidade prevista no art. 833, inc. X, do Código de Processo Civil se reveste de natureza absoluta, constituindo, assim, matéria de ordem pública que pode ser analisada de ofício pelo órgão julgador em qualquer fase do processo executivo, justamente para atender à diretriz fixada no art. 8º do mesmo diploma processual, de que as decisões judicias atendam às finalidades sociais do processo e às exigências do bem comum – previsão também contida no art. 5º da LINDB –, concretizando o acesso a uma ordem jurídica justa, que resguarde a dignidade da pessoa humana, e observe a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.

Partindo de tais premissas e sob a ótica dos precedentes do Superior Tribunal de Justiça, que conferiram interpretação extensiva ao art. 833, inc. X, do Código de Processo Civil, entendo que o caráter alimentar dos valores até 40 (quarenta salários mínimos) é presumido, o que, por consequência, autoriza o órgão julgador a reconhecer, de ofício, a sua impenhorabilidade, independentemente da sua comprovação pelo EXECUTADO, assim como a ordenar a sua liberação ou desbloqueio automático, dispensando-se a intimação da parte adversa (STJ, REsp n. 1880586/SP, Relator Ministro GURGEL DE FARIA, DJ de 28.8.2020.)

Registro, por oportuno, que, em casos concretos que versam sobre as questões ora debatidas, submetidos a julgamento no âmbito do Tribunal de Justiça deste Estado, tenho adotado essa mesma vertente principiológica, como se depreende da leitura da ementa de acórdão a seguir colacionada:

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. CONTA BANCÁRIA. BLOQUEIO DE VALORES. IMPENHORABILIDADE. LIMITE DE ATÉ 40 SALÁRIOS MÍNIMOS. ARTIGO 833, X, CPC/15. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. CABIMENTO.

A impenhorabilidade de valores em conta bancária é assegurada tanto para aqueles de natureza salarial, assim como até o limite de 40 salários mínimos, previsto no artigo 833, X, CPC/15, independentemente de estarem depositados em conta corrente, caderneta de poupança ou fundos de investimento, de acordo com entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça.

Tratando-se de impenhorabilidade absoluta, envolvendo matéria de ordem pública, cabível o reconhecimento de ofício.

AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.

(TJRS, AI n. 70084011287, 21ª Câmara Cível, Relator Des. Arminio José Abreu Lima da Rosa, DJe n. 160/2020, de 30.6.2020). (Grifei.)

Dessa forma, conheço e acolho parcialmente os embargos declaratórios opostos pela UNIÃO, com fundamento no art. 1.022, inc. II, do Código de Processo Civil, para o fim de suprir as omissões relativas à incidência dos arts. 833, inc. X, art. 854, §§ 2º e 3º, inc. I, do Código de Processo Civil na hipótese, nos termos da fundamentação supra, sem, entretanto, conferir-lhes efeitos infringentes.

(...)

Da leitura do texto acima reproduzido, observa-se que a matéria foi devidamente apreciada, tendo a decisão atacada se manifestado de forma expressa e suficiente sobre o tema. 

Dessa forma, e considerando que a petição de recurso não traz nenhum subsídio apto a alterar os fundamentos da decisão ora agravada, impõe-se manter o entendimento nela assentado.

 

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do agravo interno interposto pela UNIÃO, nos termos da fundamentação.