REl - 0600743-16.2020.6.21.0050 - Voto Relator(a) - Sessão: 18/12/2020 às 14:00

VOTO

Do exame dos autos, observa-se que as razões recursais não atacam os fundamentos da análise de mérito da sentença, trazendo uma mera reprodução dos argumentos tecidos na petição inicial.

Inicialmente, verifica-se que a sentença extinguiu o feito sem resolução do mérito quanto à Coligação Pra Continuar Crescendo, dado o entendimento consolidado de que as pessoas jurídicas não são legitimadas para figurar no polo passivo de Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE, uma vez não serem alcançadas pelas sanções aplicáveis: inelegibilidade e cassação do registro ou diploma.

A decisão também foi correta ao extinguir o processo sem resolução do mérito no tocante à apuração de crime eleitoral, uma vez que a AIJE constitui uma ação cível, e quanto à prática de condutas vedadas e de captação ilícita de sufrágio.

A sentença também adotou o entendimento assentado no âmbito do TSE segundo o qual “O termo inicial do período de incidência do preceptivo contido no art. 41-A da Lei nº 9.504/97 é a data da formalização do registro de candidatura, não se podendo falar em compra de votos antes disso” (RO n. 796337, Ac. de 03.5.2016, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Rela. designada Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Data: 30.6.2016).

A Corte Superior Eleitoral também se orienta no sentido de que "o fato ocorrido em período em que os representados não ostentavam a condição de candidatos não pode ser analisado sob a ótica da configuração de conduta vedada prevista no art. 73, incisos I e IV, da Lei nº 9.504/1997” (RO 77728482720066100000, Relator: Min. Gilmar Ferreira Mendes, Data de Julgamento: 19.02.2015, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico - 12.3.2015 - pp. 5-9).

E ao analisar os fatos sob a ótica do abuso de poder, concluiu a magistrada pela improcedência da ação porque os fatos narrados na inicial não foram confirmados por prova robusta e incontroversa, não têm a capacidade de ferir a normalidade e legitimidade das eleições, e foram demonstrados por prova documental que nada comprova (prints de conversa de Facebook), e por testemunha única e exclusiva, a eleitora Tamara Eliandra Serpa da Silva, “que se trata de pessoa que buscava benefício pessoal, seja da atual gestão, seja na do Representante, pois é o que restou demonstrado dos prints”.

Não foi atacado o principal fundamento da improcedência ressaltado pelo juízo a quo, consistente na prova de estar isoladamente concentrada em depoimento de pessoa “com evidente interesse em se beneficiar do jogo político, que sequer restou confirmada em juízo, não pode ser aceita como prova suficiente, a teor, inclusive, do disposto no artigo 368-A, do Código Eleitoral”.

O dispositivo legal referido na sentença recorrida dispõe: “Art. 368-A. A prova testemunhal singular, quando exclusiva, não será aceita nos processos que possam levar à perda do mandato”.

Desse modo, a sentença merece ser mantida por seus próprios fundamentos, cujas razões cumpre reproduzir:

No mérito, a ação merece ser julgada improcedente.

As situações relatadas na petição inicial, que ensejaram o ajuizamento da presente AIJE, no cotejo com a prova coligida nos autos, não indicam prática de ato de abuso de poder político ou de autoridade, na forma do artigo 14, parágrafo 9°, da Constituição Federal, a ferir a normalidade e legitimidade das eleições, a ser apreciada na forma do artigo 22, da Lei Complementar n° 64/90.

Segundo Rodrigo López Zilio1, p. 441, “O abuso de poder é conceituado como qualquer ato, doloso ou culposo, de inobservância das regras de legalidade, com consequências jurídicas negativas na esfera do direito. O que a lei proscreve e taxa de ilícito é o abuso de poder, ou seja, é a utilização excessiva – seja quantitativa ou qualitativamente – do poder, já que, consagrado o estado democrático de Direito, possível o uso de parcela do poder, desde que observado o fim público e não obtida vantagem ilícita”.

O abuso do poder político ou de autoridade é a forma indireta de captação do voto; induz a necessidade de comprovação robusta e incontroversa do vício a inquinar a liberdade do voto e, por consequência, a legitimidade e normalidade do processo eleitoral; o seu reconhecimento impõe grande prudência, diante da gravidade das suas sanções.

Assim, diante do contexto probatório judicializado na presente ação, não é possível afirmar que os ora candidatos à reeleição, Evandro Agiz Heberle, Júlio César Prates Cunha e Amaro Jerônimo Vanti de Azevedo tenham se utilizado da Administração Pública Municipal objetivando favorecimento eleitoral, porquanto não se comprovou que a candidatura de Rosalina Serpa da Silva - Rosa Serpa - e a nomeação em cargo em comissão de Tamara Eliandra Serpa da Silva, tenham sido direcionados para fins de campanha eleitoral dos Representados e desequilíbrio no pleito municipal que se aproxima.

Inexiste, na prova coligida, qualquer conduta que se possa inferir acerca do uso da máquina administrativa em benefício da campanha eleitoral.

Depreende-se da prova oral coligida, que esta sustenta a tese defensiva, ou seja, que em março de 2020, em busca de filiados ao partido, representantes do PDT (presidente e tesoureiro do partido, acompanhados do Representado Amaro, vereador do PDT) procuraram a senhora Rosalina Serpa da Silva - que, pelo visto é considerada liderança local e, até eleições passadas, ela e sua família (“grande”) eram apoiadores do candidato Marcelo, ora Representante - visando apoio político, busca de candidatura para fechamento da cota de gênero e visando, com isto, atrair votos da localidade do interior, Gramal, o que se sabe que é a época tais atos eram praticados, pois a filiação era só até o dia 04/04/2020 e o tão difícil ainda é a candidatura de mulher; Dona Rosa, como é chamada, aceitou filiar-se ao PDT, firmou a ficha de filiação partidária em 15/03/2020 e lançou seu nome à pré candidatura como vereadora e pelo referido partido.

Em momento algum se verificou – ou se verifica - que sua candidatura foi de fachada, ou “laranja”, como referido na inicial, e em sua oitiva afirmou que está fazendo campanha, negando que tivesse recebido qualquer benefício em troca da referida filiação ou posterior candidatura, tampouco que naquela reunião lhe foi prometido o cargo em comissão, que após sua filha para ele foi nomeada.

No que se refere ao cargo em comissão de assessor administrativo na Secretaria do Interior, no qual houve a nomeação da sua filha, Tamara, em 06/05/2020, como dito, não se fez prova que houve o apoio político em troca do referido cargo; depreende-se dos depoimentos é que tal oferecimento veio a posteriori, quando houve necessidade por parte da Secretaria de Saúde do provimento do cargo e foi consulta a senhora Rosalina – pois filiada a partido que integra a base do governo e líder na comunidade – sobre se conhecia alguém na região para indicar, o que indicou a sua filha, por estar desempregada e já ter estagiado no referido local da nomeação; que tal procura e indicação ocorreu no final do mês de abril, em momento algum se fazendo prova que foi na reunião ocorrido em março, quando da filiação.

Já quanto a pessoa de Tamara Eliandra Serpa da Silva, depreende-se que é fato incontroverso que não estava presente na referida reunião que houve na residência da sua genitora; o que se extrai do seu depoimento em confronto à conversa pelo aplicativo Messenger com o Representante Marcelo – ocorrida em 23/03/2020 - é que se trata de pessoa que buscava benefício pessoal, seja da atual gestão, seja na do Representante, pois é o que restou demonstrado dos prints; vê-se que apoiou Marcelo no último pleito e diante da filiação partidária da sua mãe ao partido opositor e, portando, seu apoio agora a partido diverso, e também a repercussão que se deu perante a comunidade em virtude da tal troca de apoio, resolveu dar uma justificativa e também ver o que melhor poderia aproveitar da situação.

Depreende-se que da conversa refere que o Representado Amaro foi até a sua casa e que lhe fez a proposta de CC2 no Centro Administrativo (mas em data diversa da reunião na casa da sua mãe, que menciona que foi “na semana passada”); mas que não aceitou sem antes saber se Marcelo ia “precisar de nós” (só que sua mãe já estava filiada ao PDT, desde 15/03/2020); explicitamente diz que tem interesse em trabalhar na gestão de Marcelo no próximo ano, se ganhar as eleições, e Marcelo, implicitamente, deixa a entender que isso ocorrerá, momento que Tamara afirma que poderá esperar para Marcelo lhe ajudar depois.

Depreende-se que prova alguma foi realizada quanto a oferta de cargo público e esta realizada pelo vereador Amaro, como referido na conversa, e Tamara não a ratifica em juízo.

Considerando o evidente interesse de Tamara – seja na atual gestão, seja em eventual gestão de Marcelo - não há como considerar, seja seu depoimento em juízo, seja a conversa que teve com o Representante, pois eivada de parcialidade, não merecendo a credibilidade que se faz necessária, diante da gravidade do fato que está sendo analisado.

A referida conversa, única prova produzida, na qual não houve participação dos Representantes, mas de pessoa, como acima referido, com evidente interesse em se beneficiar do jogo político, que sequer restou confirmada em juízo, não pode ser aceita como prova suficiente, a teor, inclusive, do disposto no artigo 368-A, do Código Eleitoral.

Logo, não há como considerar os fatos narrados como abuso de poder de político e de autoridade, ou uso da máquina pública para sancionar o atual Prefeito de São Jerônimo e candidato à reeleição, e o vice-prefeito, assim como a vereador, nas penas previstas na Lei Complementar n.º 64/90.

(…)

Por fim, no presente, não conseguiram os Representantes provar o alegado, ônus que era seu; assim, na lição de Moacyr Amaral Santos (Comentários ao Código de Processo Civil , § 18), o onus probandi é uma consequência do ônus de afirmar, enquanto afirma deve naturalmente provar as alegações que faz, ou justificar a impossibilidade de fazê-lo, e, assim, não procederam os Representantes, e, ao contrário, demonstraram os Representados fatos modificativos à versão dos Autores, cujo corolário lógico é a improcedência dos pedidos.

Cabe referir citação do à época Ministro CELSO DE MELLO, em voto proferido nos Embargos de Declaração do Recurso Especial Eleitoral n. 21.264- AP, j. de 02/09/2004, pois sempre atual:

“(..) não elasteço nem dou essa dimensão excessiva ao postulado constitucional da não-culpabilidade. Apenas entendo que esse postulado, hoje, impõe, de maneira muito clara e de modo bastante expressivo, a quem acusa, o ônus material de provar, além de qualquer dúvida razoável, a imputação feita, notadamente quando, do acolhimento de tal acusação, puder resultar ou uma condenação penal, se se tratar de processo penal condenatório, ou uma restrição de direitos, se se cuidar, como no caso, de processo de natureza eleitoral”.

Em face de todo o exposto, julgo o processo, com resolução do mérito, para rejeitar os pedidos formulados por PARTIDO PROGRESSISTA DE SÃO JERÔNIMO, representado por seu presidente, e MARCELO LUIZ SCHREINERT, candidato a Prefeito Municipal, contra EVANDRO AGIZ HEBERLE, Prefeito de São Jerônimo, JÚLIO CÉSAR PRATES CUNHA, Vice-Prefeito de São Jerônimo, AMARO JERÔNIMO VANTE DE AZEVEDO, Vereador (CPC/2015, art. 487, I), julgando improcedente a “Ação de Investigação Judicial Eleitoral”, Processo n. 0600743-16.2020.6.21.0050; e declarar extinta a ação com relação a COLIGAÇÃO PRA CONTINUAR CRESCENDO, em face da ilegitimidade passiva (CPC, art. 485, inciso VI) e reconhecer a inépcia da inicial, declarando extinta a ação quanto aos pedidos formulados com base no artigo 299, do Código Eleitoral, e nos artigos 41-A e 73, da Lei n° 9.504/97 (CPC, art. 485, incisos I e VI).

Não foi infirmada a conclusão da sentença no sentido de que não há como considerar os fatos narrados como abuso de poder econômico, político ou de autoridade, ou uso da máquina pública em favor da candidatura à reeleição do Prefeito de São Jerônimo.

Conforme leciona José Jairo Gomes, “É preciso que o abuso de poder seja hábil a comprometer a normalidade e a legitimidade das eleições, pois são esses os bens jurídicos tutelados pela ação em apreço. Deve ostentar, em suma, a aptidão ou potencialidade de lesar a higidez do processo eleitoral. Por isso mesmo, há mister que as circunstâncias do evento considerado sejam graves (LC n. 64/90, art. 22, XVI), o que não significa devam necessariamente alterar o resultado das eleições” (Direito Eleitoral. 12ª ed. São Paulo: Juruá, 2016, p. 663).

No caso em tela, considerando que as provas dos autos não indicam a prática de ato abusivo, deve ser mantida a sentença.

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.