REl - 0600146-81.2020.6.21.0071 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/12/2020 às 10:00

VOTO

Recurso: adequação e tempestividade

O recurso é tempestivo.

Inicialmente, gizo que a decisão exarada pelo juízo de origem tem nítido caráter terminativo (ID 10383883), circunstância que demonstra o acerto da recorrente ao apresentar recurso eleitoral. Não se trata, dito de outro modo, de decisão interlocutória, aliás espécie de manifestação jurisdicional que, modo geral, é irrecorrível no âmbito desta Especializada (vide, v.g., AgRG no RESPE n. 779-62.2012.6.14.0057, Rel. Ministro João Otávio Noronha, j. em 16.9.2014).

Contudo, e em que pese ao referido acerto, o deferimento do pedido de concessão de efeito suspensivo é inviável, exatamente porque a legislação determina a sua não incidência – art. 257, caput, do Código Eleitoral, reforçado por interpretação sistêmica do referido artigo (e contrario sensu do § 2º daquele comando). Ou seja, se a sentença, na origem, tivesse proferido decisão de cassação de registro, impunha-se a concessão de efeito suspensivo ope legis; não tendo havido cassação, o efeito suspensivo não deve ser concedido.

De todo modo, a irresignação está a merecer conhecimento.

Preliminar

Do rito e da capitulação dos fatos

Em decisão interlocutória (ID 10382883), a magistrada da origem manifestou-se como segue:

ausente qualquer indício de abuso de poder ou outra ilegalidade, INDEFIRO O PEDIDO LIMINAR e rejeito o pedido de processamento da ação pelo rito disposto no art. 22 da Lei Complementar 64/90, devendo ser adotado aquele previsto na Resolução TSE 23.608/2019.

 

Na sequência, os representados (recorridos) foram citados, ofereceram contestação (ID 10383333), e o Ministério Público Eleitoral apresentou parecer (ID 10383833) antes da prolação da sentença (ID 10383883).

A recorrente entende equivocada a adoção do rito da Resolução TSE n. 23.608/19, em detrimento daquele previsto pela Lei Complementar n. 64/90, art. 22.

De fato, ainda que a circunstância não acarrete nulidade.

Explico.

O verbete (n. 62) de Súmula do TSE indica que as demandas possuem limites “demarcados pelos fatos imputados na inicial, dos quais a parte se defende, e não pela capitulação legal atribuída pelo autor”.

De tal modo, ao considerar a demanda in status assertionis, o rito a ser seguido haveria de ser aquele do art. 22 da LC n. 64/90 – o qual é, inclusive, previsto na própria Resolução TSE n. 23.608/19, citada pela magistrada, em seu art. 44.

E o processo, como indicado, tramitou em rito diverso.

Contudo, não há prejuízo. Do exame do iter, nota-se tão somente a ausência de abertura de prazo para alegações finais - art. 22, inc. X, da LC n. 64/90, pois não houve pedido de produção de prova testemunhal e/ou arrolamento de testemunhas.

Mais: ausentes invocações de prejuízo, quer nas razões recursais, quer nas contrarrazões. Ao contrário: a recorrente pugna exatamente pelo aproveitamento processual, a evitar-se o refazimento da fase instrutória ou alegação de nulidade. Requereu apenas a manifestação das partes perante este Tribunal, situação que entendo satisfeita, exatamente com o efetivo oferecimento de combativas contrarrazões, de maneira que entendo atendido o previsto no art. 219 do Código Eleitoral.

Assim, ausente causa que dê ensanchas à nulidade, passa-se ao exame do mérito, com a devolução da matéria, em sua totalidade, a este Tribunal.

Ao mérito.

A COLIGAÇÃO TODA FORÇA PARA GRAVATAÍ recorre da sentença que julgou improcedente a representação por ela apresentada contra COLIGAÇÃO GRAVATAÍ NÃO PODE PARAR, FACEBOOK SERVIÇOS ON LINE DO BRASIL LTDA., MARCO AURÉLIO SOARES ALBA, LUIZ ARIANO ZAFFALON e LEVI LORENZO MELO, por alegada prática de abuso de poder, viés político, e prática de conduta vedada a agente público.

Os fatos, incontroversos, são os seguintes.

O recorrido MARCO AURÉLIO SOARES ALBA, prefeito de Gravataí na gestão 2016-2020, aparece em duas postagens, nas redes sociais Facebook e Instagram, enaltecendo feitos de sua gestão e, cumulativamente, expressando apoio à candidatura majoritária da situação, composta pelos recorridos LUIZ ARIANO ZAFFALON e LEVI LORENZO MELO, candidatos da COLIGAÇÃO GRAVATAÍ NÃO PODE PARAR.

A primeira fala tem 1 minuto e 36 segundos de duração e enaltece a chegada, a Gravataí, de uma empresa do ramo da logística. Cita os valores do investimento e dá relevo à gestão em curso, cujas características atrairiam empresas, com a geração de empregos e demais benefícios. Ao final, MARCO ALBA apresenta o seu candidato a prefeito, LUIZ ZAFFALON, e exalta as qualidades pessoais deste último. A página em que foi veiculado o vídeo é o perfil pessoal, no Facebook, de MARCO ALBA.

A segunda postagem, com duração de 1 minuto e 44 segundos, traz MARCO ALBA noticiando a “entrega” de uma nova Unidade de Pronto Atendimento (UPA) que servirá a algumas localidades do Município de Gravataí. Enaltece a melhoria no atendimento da saúde. Indica que a continuidade do trabalho seria dada por “ZAFFA e LEVI”. O candidato a vice-prefeito, Levi Lorenzo Melo, finaliza o vídeo, ao relatar sua trajetória profissional e intimidade com o setor da saúde. O perfil no qual ocorreu a veiculação do vídeo foi, novamente, aquele pessoal de MARCO ALBA.

Em que pese às aguerridas razões, adianto que os fatos não podem ser configurados como abuso de poder, e sim se encontram na esfera do legítimo exercício da liberdade de expressão. Dito de outro modo, MARCO ALBA expressou apoio político à chapa da situação.

Isso porque em ambos os vídeos, ele se coloca na condição de atual gestor municipal e enaltece os feitos da administração que comanda. Note-se, contudo, que tal proceder não é vedado pela legislação de regência – o que se veda é o abuso , pois apto a atingir a normalidade e a legitimidade do pleito.

E abuso não houve.

Veja-se o modo de propagação – página pessoal de redes sociais – maneira acessível, portanto, a qualquer pessoa – candidato ou apoiador. Não foi utilizado, por exemplo, canal oficial, no Facebook, Instagram ou similares, da administração municipal de Gravataí.

Identifique-se a estrutura utilizada: filmagem comum, ao ar livre, em local público, de acesso a qualquer pessoa. MARCO ALBA não fala de um gabinete, uma dependência governamental. Não usa uma identificação do cargo que ocupa.

Ao que tudo indica, as combativas razões recursais rebelam-se, na realidade, contra o capital eleitoral do recorrido MARCO ALBA, ao indicar que as postagens receberam alto número de visualizações, curtidas, compartilhamentos – só que tal circunstância não pode ser trazida como fundamento para a imposição de sanções, mormente as graves como aquelas previstas para as irregularidades alegadas.

Claro – ali está a falar o atual prefeito da cidade, noticiando o que entende como boas práticas de gestão. Todavia, importa frisar aqui que o comportamento é permitido, faz parte do debate eleitoral – para concluir não ter havido malferimento à paridade de armas, à quebra da igualdade de chances. Basta notar que qualquer apoiador da coligação recorrente poderia ter divulgado vídeo idêntico, apenas destacando eventuais defeitos, tanto da chegada de nova empresa de logística, quanto da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) entregue a determinada região da cidade.

Os vídeos sob testilha encontram-se absolutamente dentro do debate da competição eleitoral, portanto.

A jurisprudência da Corte Superior tem admitido a aplicação do princípio da proporcionalidade para afastar a configuração do ilícito, porquanto não se configura a quebra da igualdade de chances entre os candidatos na disputa eleitoral. Seria antinatural do próprio embate que as candidaturas da situação, ou os agentes públicos a ela alinhados, não pudessem noticiar aquelas obras ou feitos que entendem como benéficos à comunidade, sob pena de limitação indevida à liberdade de expressão.

O que cabe às candidaturas de oposição? Com espírito crítico exatamente sobre a gestão em curso, estabelecer, de forma propositiva, uma campanha eleitoral que convença os cidadãos que uma mudança na administração será proveitosa à cidade.

Portanto, trata-se de simples divulgação de informações sobre as obras públicas da gestão à qual se alinham os candidatos, pondo-se ao escrutínio da população para a continuidade de gestão, divulgada em espaço permitido de apoio eleitoral, razão pela qual é inviável caracterizá-la como publicidade institucional ou ato abusivo.

Nesse sentido, colho o seguinte julgado, que vai grifado por se amoldar, à perfeição, para a circunstância do caso posto.

DIREITO ELEITORAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. CONDUTA VEDADA. PUBLICIDADE INSTITUCIONAL. REDE SOCIAL. PERFIL PESSOAL. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE EMPREGO DA MÁQUINA PÚBLICA. PROMOÇÃO PESSOAL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. DESPROVIMENTO.

1. Agravo interno interposto contra decisão monocrática que negou seguimento a recurso especial eleitoral.

2. Não há privilégio ou irregularidade na publicação de atos praticados durante o exercício do mandato; especificamente, porque veiculados sem utilização de recursos públicos em meio acessível a todos os candidatos e apoiadores, como é o caso das mídias sociais.

3. Além disso, a promoção pessoal realizada de acordo com os parâmetros legais não caracteriza conduta vedada, constituindo exercício da liberdade de expressão no âmbito da disputa eleitoral.

4. O emprego da máquina pública, em qualquer de suas possibilidades, é a essência da vedação à publicidade institucional prevista no art. 73, VI, b, da Lei nº 9.504/1997, objetivando assegurar a igualdade de oportunidades entre os candidatos. No caso, a moldura fática do acórdão regional não apresenta indícios de que houve uso de recursos públicos ou da máquina pública para a produção e divulgação das postagens de responsabilidade do agravado.

5. Agravo interno a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 151992, Acórdão, Relator Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 28.6.2019.) (Grifei.)

A título de desfecho, impõe-se esclarecer que, em si mesmas, as premissas, doutrinárias e jurisprudenciais, colocadas nas razões de recurso, são verdadeiras – mas elas não servem como paradigmáticas ao caso dos autos, pois os elementos de fato são diversos.

Nessa linha, gizo que:

(1) a lição da Fávila Ribeiro, transcrita, refere-se a “celebrações oficiais de obras concentradas, com as publicidades que a acompanham”– o que não é, nem de longe, o caso, pois não demonstrada celebração oficial ou publicidade realizada pela administração;

(2) é cediço que as condutas do art. 73 da Lei n. 9.504/97 se dão com práticas de atos a serem subsumidas àquelas hipóteses previstas na lei, entretanto, aqui, os fatos não sofrem incidência do referido art. 73, exatamente porque, da prova dos autos, não há comprovação do emprego da máquina pública;

(3) os precedentes mencionados, AgR-REspe n. 142.184 e AgR-REspe n. 142.269, ambos de relatoria do Ministro João Otávio Noronha, não se prestam como precedentes porque tratam de práticas de publicidade institucional em período vedado (art. 73, inc. VI, al. “b”, da Lei n. 9.504/97), situação que se encontra distante da posta neste feito, exatamente porque realizada em páginas e/ou perfis oficiais.

 

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.