REl - 0600511-40.2020.6.21.0135 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/12/2020 às 10:00

VOTO

Conforme já referi de forma monocrática, a ação foi ajuizada somente quanto ao candidato reeleito como prefeito, Jorge Cladistone Pozzobom, e ao candidato a vereador classificado como suplente João Alair Azevedo Klaus, não tendo sido dirigida a demanda ao vice-prefeito, o qual não integra a lide e não foi citado nos autos.

Ocorre que, de acordo com o TSE: “Nas ações eleitorais em que se cogita de cassação de registro, de diploma ou de mandato, há litisconsórcio passivo necessário entre os integrantes da chapa majoritária, considerada a possibilidade de ambos os integrantes serem afetados pela eficácia da decisão” (AgR-REspe n. 955944296/CE, Rel. Min. Arnaldo Versiani, DJe de 16.8.2011).

A matéria está consolidada no enunciado da Súmula n. 38 do TSE: “Nas ações que visem à cassação de registro, diploma ou mandato, há litisconsórcio passivo necessário entre o titular e o respectivo vice da chapa majoritária”.

Este também é o entendimento deste Tribunal, consoante se verifica do seguinte acórdão, da lavra do ilustre Desembargador Silvio Ronaldo Santos de Moraes:

Recurso. Ação de investigação judicial eleitoral. Abuso de poder. Conduta vedada. Litisconsórcio passivo necessário. Eleições 2016. Preliminar de ofício. Ação ajuizada somente contra o candidato a prefeito, sem estar dirigida ao candidato a vice-prefeito. A Súmula n. 38 do Tribunal Superior Eleitoral consolidou entendimento de formação de litisconsórcio passivo necessário entre os integrantes da chapa majoritária nas ações visando à cassação do registro, do diploma ou do mandato. A ausência de sua formação é causa de nulidade, conforme art. 115, inc. I, do Código de Processo Civil. Todavia, a considerar que a ação deve ser ajuizada até a data da diplomação, sob pena de implemento da decadência do direito, e a cerimônia de diplomação dos candidatos deve ocorrer até 19.12.2016, reconhecida, desde logo, a decadência do direito, visto não mais ser possível à autora emendar a inicial. Extinção do feito com resolução do mérito.

(TRE-RS - RE: 44449 GRAVATAÍ - RS, Relator: DR. SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Data de Julgamento: 19.12.2016, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Data: 23.01.2017.)

 

Na hipótese dos autos, também foi reeleito o candidato a vice-prefeito, Rodrigo Décimo, que integra a chapa encabeçada por Jorge Cladistone Pozzobom e pode, eventualmente, ser considerado beneficiário da conduta narrada nos autos.

Desse modo, é manifesta a necessidade de emenda à petição inicial para a correção do polo passivo da ação, devendo ser declarada a nulidade do processo.

Nesse ponto, a Procuradoria Regional Eleitoral salienta que a nulidade do processo é apenas parcial, pois o litisconsórcio formado com o candidato recorrido João Alair Azevedo Klaus não é unitário, e que é válido o capítulo da sentença que analisa o mérito da ação relativamente à sua conduta, por força da regra do art. 117 do CPC:

Art. 117. Os litisconsortes serão considerados, em suas relações com a parte adversa, como litigantes distintos, exceto no litisconsórcio unitário, caso em que os atos e as omissões de um não prejudicarão os outros, mas os poderão beneficiar.

 

Assiste razão ao órgão ministerial, pois o vício (e consequente invalidade) não contamina o julgamento dos pedidos condenatórios em relação aos representados considerados legitimados, na esteira dos ensinamentos de Dinamarco, segundo o qual, as regras para o confinamento das nulidades evitam que se comprometam todos os efeitos de um ato, “sempre que seja suficiente a anulação parcial” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. II vol. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 599-600).

Dinamarco também ensina que são capítulos da decisão “as partes em que ideologicamente se decompõe o decisório de uma sentença ou acórdão, cada uma delas contendo o julgamento a uma pretensão distinta” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Capítulos de sentença. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 16).

Esse entendimento prestigia os princípios da celeridade e da economia processual, aproveitando-se o que já foi decidido e que não se relaciona com a nulidade processual, evitando-se gerar confusão e incerteza aos litigantes quanto àquilo que já foi julgado.

Portanto, na hipótese dos autos, deve ser declarada a nulidade parcial da sentença tão somente quanto ao recorrido Jorge Cladistone Pozzobom por falta de pressuposto de desenvolvimento válido e regular do processo (art. 485, inc. IV, do CPC), em razão da ausência de direcionamento da ação contra o vice-prefeito e candidato à reeleição, enquanto litisconsorte passivo necessário.

Além disso, importa ressaltar que a cerimônia de diplomação dos candidatos eleitos em Santa Maria nas eleições de 2020 está marcada para 17.12.2020, sendo esta data o marco decadencial para a propositura da ação ou realização da emenda à petição inicial, na forma do § 12 do art. 73 da Lei n. 9.504/97.

Com esses fundamentos, tendo em vista a ausência de citação do litisconsorte necessário, declaro, preliminarmente, a nulidade parcial do feito desde o recebimento da petição inicial, tão somente contra o candidato Jorge Cladistone Pozzobom, devendo os autos serem baixados para que se intime a parte autora a emendar a inicial no prazo decadencial previsto no § 12 do art. 73 da Lei n. 9.504/97, cabendo ao juízo de primeiro grau, na hipótese de a emenda ser realizada após o prazo legal, o pronunciamento a respeito de eventual decadência.

 

No mérito, analiso o pedido de reforma da sentença quanto à condenação do candidato a vereador João Alair Azevedo Klaus, e adianto que não prospera.

Conforme refere a Procuradoria Regional Eleitoral, a imputação de abuso de poder e de captação ilícita de sufrágio está baseada na divulgação de atos administrativos municipais na rede social Facebook e em áudios e vídeos realizados nos eventos referidos na inicial, mas “não se verifica a incidência de provas robustas seja da captação ilícita de sufrágio, seja do aventado abuso de poder político e econômico, especialmente em relação ao demandado JOÃO ALAIR AZEVEDOKAUS, ainda que como beneficiário de ato ilícito praticado por outrem”.

Ademais, o candidato participou dos atos porque desempenhou a função de Superintendente de Habitação no período de 18.5.2020 a 15.8.2020, não havendo provas de que tenha atuado no referido cargo público após o afastamento da função.

E, nos termos da conclusão alcançada pela Procuradoria Regional Eleitoral, sequer “há nos autos elementos suficientes para concluir que houve comprometimento das eleições a partir de tais fatos, de modo a atrair a incidência das graves sanções previstas em lei”.

Além disso, os fatos narrados não se amoldam à conduta vedada de realização de publicidade institucional, não se evidenciando ilicitude na divulgação de entrega das certidões de regularização fundiária no perfil do candidato no Facebook.

Durante a instrução, foram ouvidos como testemunhas até mesmo candidatos opositores ao recorrido, tendo a integralidade da prova oral colhida sido uníssona em assentar a falta de menção ao voto ou à campanha eleitoral quando da entrega das escrituras e da concessão de canteiros para administração de empresas.

O juízo a quo, na sentença, apontou que a entrega de escrituras aos moradores da invasão existente na localidade de Nova Santa Marta refere-se a pleito antigo, previsto em projeto de governo estadual há muito tempo em andamento, ponderando que os atos estavam acontecendo há meses, e que o candidato a vice-prefeito que concorreu pela coligação representante, ora recorrente, também participou dos eventos.

Embora inegável que, de fato, os candidatos da situação tenham feito uso político, concluiu o magistrado pela ausência de excessos ou de desequilíbrio no pleito, porquanto se tratou de execução de projeto em andamento, não tendo sido demonstrada a prática de abuso de poder ou de captação ilícita de sufrágio alegada na inicial.

De igual modo, não se mostrou desvio ou abuso mediante entrega de termos de concessão para manutenção dos canteiros públicos por empresas privadas, pois o fato foi divulgado de forma transparente, tendo o procedimento de concessão transcorrido dentro da legalidade.

Com esse entendimento, colho nas razões da sentença recorrida:

Improcede a representação.

Inexistiu exercício abusivo de poder político ou econômico na espécie.

O que se figurou, em verdade, fora o desdobramento de escolha que a classe política fez há alguns anos: a possibilidade de reeleição.

Enquanto o instituto da reeleição existir, a igualdade absoluta nas disputas políticas inexistirá.

E tanto Representante, Vice-Prefeito, quanto Representado, Prefeito, tem disso pleno conhecimento.

Aos atos.

Entrega de escrituras (especialmente Nova Santa Marta).

Cuida-se de porventura um dos pleitos mais antigos e conhecidos da Comarca. Invasão antiga.

Reduto eleitoral ancestral – especialmente da oposição.

Projeto de Estado.

Projeto de Governos.

Muitos.

Há muito tempo em andamento.

Isso é notório em Santa Maria.

As entregas de escrituras vêm sendo feitas há meses.

Inclusive com a presença do Vice-Prefeito, ora Representante, como se colheu da prova oral.

E com uso político dos atos, sem dúvida.

Porque, para quem habita o Mundo da Política, todo ato é político.

E isso é do jogo.

Veja-se que, como se apurou da prova oral, até Vereador do PT lá esteve.

Bem recebido.

Com fala.

Colhendo frutos do ato.

Ato político.

Sem abuso, porém.

Tratou-se de ato transparente, com conhecimento público dos beneficiários (lista divulgada no site da Prefeitura, legitimamente reproduzido pelo co-Representado Kaus, observo), dentre os quais pessoas que não constituem eleitorado do Prefeito.

E a explicação para que os documentos fossem ali entregues é lógica: o caráter educativo do ato - facilitando-se o acesso dos moradores beneficiados, ademais.

Alio-me à leitura lançada no parecer do Parquet, da lavra do Promotor Eleitoral Gustavo Ramos Vianna – que há mais de vinte anos exerce suas funções nesta Santa Maria:

"Os depoimentos das testemunhas ouvidas rechaçam a ocorrência das condutas arguidas pela representante, ou seja, não restou caracterizado que os atos de entrega das CDRUs e dos termos de concessão para manutenção dos canteiros tenham sido utilizados para propaganda eleitoral e para angariar votos.

É o que se depreende inclusive dos depoimentos de adversários políticos dos candidatos representados, ou seja, Daniel Diniz (vereador do PT) e Maria Elizabete Rezenda Pinheiro (líder comunitária também filiada ao PT).

Os depoimentos das testemunhas são unânimes em afirmar que não houve menção às eleições ou pedido de voto. O representado Jorge Pozzobom, Prefeito Municipal, manifestou-se, mas o vereador do PT também. Ao que consta, as manifestações não infringiram as vedações eleitorais.

As postagens e áudios trazidos com a petição inicial não demonstram a prática de abuso de poder político ou de conduta vedada.

É verdade que o representado Jorge Pozzobom fez uma rápida referência a outros assuntos da Administração e a proibições, segundo ele, da Justiça Eleitoral, mas tratou-se de uma rápida alusão, sem relevância para que se reconheça a ocorrência de alguma das práticas sustentadas na petição inicial e para que lhe sejam aplicadas as sanções pretendidas.

Neste ponto, em verdade, não se pode deixar de destacar que o mais lamentável foi a atitude demagógica do representado em atribuir à Justiça Eleitoral vedações que decorrem da lei, aprovada pelo Congresso Nacional (e, a propósito, a lei até deveria ser mais severa, no entendimento do signatário). E, ainda, em dizer que “roubar pode, trabalhar não pode”. Não, as vedações não impedem que se trabalhe e, se “roubar pode”, quem o permite não é a Justiça, mas sim estruturas de nossa República que ainda precisam ser modernizadas.

Isto, porém, não é suficiente para que se reconheçam as violações sustentadas na petição inicial, tratando-se apenas de infelizes observações que ainda fazem parte dos comportamentos populistas”.

Ausente violação à paridade de armas.

No que se refere à entrega de canteiros para adoção, a situação é ainda mais serena.

Inexistiu ato político abusivo.

Inexistiu pedido de votos.

O que houve, repito-me, é o jogo da política, por quem busca a reeleição.

Entrega de termos de doação, feito na sede das empresas, divulgada por rede social, em nada se confunde com condutas proibidas ou abuso de poder político ou econômico. Trata-se do Administrador prosseguindo com suas funções e usando do meio moderno para divulgar as ações da Prefeitura (e suas ações, em desdobramento).

Em suma: as regras do jogo não foram violadas.

O jogo segue.

Isso posto, julgo improcedente a representação.

 

Como se vê, não se verifica nenhuma irregularidade na atuação do recorrido, impondo-se a manutenção da sentença.

ANTE O EXPOSTO, tendo em vista a ausência de citação do litisconsorte necessário, DECLARO, preliminarmente, a nulidade parcial do feito desde o recebimento da petição inicial exclusivamente em relação ao candidato JORGE CLADISTONE POZZOBOM e, no mérito, VOTO pelo desprovimento do recurso quanto ao recorrido JOÃO ALAIR AZEVEDOKAUS.

Determino a baixa dos autos para que seja intimada a parte autora a emendar a inicial no prazo decadencial previsto no § 12 do art. 73 da Lei n. 9.504/97, cabendo ao juízo de primeiro grau, na hipótese de a emenda ser realizada após o prazo legal, o pronunciamento a respeito de eventual decadência.