REl - 0600257-52.2020.6.21.0043 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/12/2020 às 10:00

VOTO

O recurso é tempestivo e adequado, de modo que passo ao exame do mérito.

No mérito, a controvérsia está adstrita à análise da existência de propaganda de cunho alegadamente negativo, veiculada nos perfis digitais dos recorridos, em possível desacordo com o art. 57–D da Lei n. 9.504/97.

O recorrente informou a URL da nominada página onde, supostamente, constou publicação ofensiva, atendendo ao disposto no art. 17, inc. III e § 2º, da Resolução TSE n. 23.608/19.

Observe-se que foi dito na publicação, conforme constou na petição inicial, que haveria um “golpe do patella” fazendo referência a um possível processo que redundaria na cassação do candidato “paulinho”. Pois bem, observo que, na contestação (ID 9711933), foi juntada notícia que, supostamente, embasaria a postagem realizada na página do Facebook.

O art. 57-D da Lei n. 9.504/97, c/c os arts. 10 e 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.610/19 assegura o exercício da liberdade de expressão na propaganda eleitoral por meio da internet, regulamentando o afastamento dos excessos.

Vejamos:

Lei n. 9.504/97

Art. 57-D. É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da rede mundial de computadores - internet, assegurado o direito de resposta, nos termos das alíneas a, b e c do inciso IV do § 3o do art. 58 e do 58-A, e por outros meios de comunicação interpessoal mediante mensagem eletrônica.

§ 1o (VETADO)

§ 2o A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais).

§ 3o Sem prejuízo das sanções civis e criminais aplicáveis ao responsável, a Justiça Eleitoral poderá determinar, por solicitação do ofendido, a retirada de publicações que contenham agressões ou ataques a candidatos em sítios da internet, inclusive redes sociais.

 

Resolução TSE n. 23.610/2019

Art. 10. A propaganda, qualquer que seja sua forma ou modalidade, mencionará sempre a legenda partidária e só poderá ser feita em língua nacional, não devendo empregar meios publicitários destinados a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais (Código Eleitoral, art. 242, e Lei nº 10.436/2002, arts. 1º e 2º).

 

Art. 27. É permitida a propaganda eleitoral na internet a partir do dia 16 de agosto do ano da eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 57- A).

§ 1º A livre manifestação do pensamento do eleitor identificado ou identificável na internet somente é passível de limitação quando ofender a honra ou a imagem de candidatos, partidos ou coligações, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos.

§ 2º O disposto no § 1º deste artigo se aplica, inclusive, às manifestações ocorridas antes da data prevista no caput, ainda que delas conste mensagem de apoio ou crítica a partido político ou a candidato, próprias do debate político e democrático. (grifo nosso)

 

No caso concreto, como constou na sentença,  não se trata de extrapolação do regular exercício da liberdade de expressão. Veja-se o trecho que reproduzo da sentença (ID 9712683):

Cuida-se de analisar Representação instaurada pelo Partido dos Trabalhadores de Santa Vitória do Palmar em desfavor do Partido Trabalhista Brasileiro e Coligação “União por Dias Melhores”, pela imputada veiculação de propaganda eleitoral irregular, mediante a publicação e divulgação de notícia inverídica na página oficial do Representado, na Rede Social Facebook.

De acordo com o relatado na inicial, somado ao print da postagemonde se verificam as afirmações alegadamente injuriosas e inverídicas,o Representado teria veiculado notícia qualificada como “Fake News” direcionada ao candidato ao cargo de prefeito, Sr. Paulo da Rosa Giudice Filho com a finalidade única de macular sua reputação perante o eleitorado. Aduzem, em síntese, que o Representado teria disseminado postagem falsa, ao afirmar que Paulo da Rosa Giudice Filho seria cassado tão logo eleito, se o fosse, por processo pendente de julgamento, assumindo o cargo de Prefeito o seu candidato a vice, Sr. Volmair Barreto, com os votos destinados ao Partido dos Trabalhadores, mas filiado ao Partido Socialista Brasileiro. Ademais, suscitam tratar-se de golpe conjecturado pelo atual Presidente do Partido Socialista Brasileiro de Santa Vitória do Palmar, Sr. José Luís Marzullo Patella, finalizando a postagem com o jargão “ este não bota prego sem estopa”. Por fim, afirmam que as informações veiculadas são “inverídicas, difamatórias e injuriantes, sem qualquer legitimidade ou fundamento, constituindo-se em um verdadeiro manifesto político que agride o partido representante, sem qualquer possibilidade de contraditório, contraponto ou debate”.
Em resposta, o Partido Trabalhista Brasileiro argumentou a inexistência de falsidade ou injúria no material divulgado. Ter-se-ia limitado, conforme aduz,ao desenvolvimento de uma linha de raciocínio, considerada a hipótese de vitória eleitoral por parte do Partido Representante, demonstrando uma sucessão de acontecimentos que envolvem o desfecho de ação judicial ainda não submetida a julgamento. Ainda, para a elaboração do material publicado, ter-se-ia utilizado de informações públicas retiradas do sítio do Ministério Público Eleitoral, onde consta processo judicial não sentenciado até o presente momento, aludindo que a postagem refletiria pensamento de conteúdo político e, portanto, de acordo com o ordenamento vigente.
Em análise acurada do quanto relatado pelo requerente na inicial, acerca da disseminação de informação injuriosa ou sabidamente inverídica, somada ao pedido de concessão do direito de resposta em respeito ao art. 58 da Lei nº 9.504/97, não vislumbro a ocorrência da conduta ora impugnada.

 

As manifestações contrárias a ideologias ou gestões administrativas, bem como a reprodução de notícias que constaram em páginas de jornais, órgãos públicos e outras fontes de informação, não constituem, em si mesmas, propaganda eleitoral negativa, incluindo-se no permissivo legal do art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.610/19.

A respeito da liberdade de expressão e do espaço público de debate, José Jairo Gomes leciona:

A liberdade de expressão apresenta uma relevante interface com o Direito Eleitoral.

A livre circulação de ideias, pensamentos, valorações, opiniões e críticas promovida pela liberdade de expressão e comunicação é essencial para a configuração de um espaço público de debate, e, portanto, para a democracia e o Estado Democrático. Sem isso, a verdade sobre os candidatos e partidos políticos pode não vir à luz, prejudicam-se o diálogo e a discussão públicos, refreiam-se as críticas e os pensamentos divergentes, tolhem-se as manifestações de inconformismo e insatisfação, apagam-se, enfim, as vozes dos grupos minoritários e dissonantes do pensamento majoritário.

Depois de lembrar que o direito eleitoral constitui um importante campo de incidência da liberdade de expressão, Aline Osório (2017, p. 129) assinala que

“Durante períodos eleitorais, a importância da liberdade de expressão é amplificada. Partidos e candidatos devem prestar contas de suas ações passadas e expor suas opiniões, propostas e programas futuros. Os meios de comunicação devem funcionar como canais de disseminação de informações, críticas e pontos de vista variados. Os cidadãos precisam de plena liberdade não só para acessarem tais informações, mas para manifestarem livremente as suas próprias ideias, críticas e pontos de vista na arena pública. Nesse processo, é necessário que todas as questões de interesse público – incluindo, é claro, a capacidade e a idoneidade dos candidatos e a qualidade de suas propostas – sejam abertas e intensamente discutidas e questionadas. A efetividade das eleições como mecanismo de seleção de representantes e o próprio funcionamento do regime democrático dependem de um ambiente que permita e favoreça a livre manifestação e circulação de ideias. [...]. Em regimes representativos, o voto e a liberdade de expressão configuram dois importantes instrumentos de legitimação da democracia, permitindo que os interesses e as opiniões dos cidadãos sejam considerados na formação do governo e na atuação dos representantes.

[...]”.

Por outro lado – no âmbito do direito de informação –, os cidadãos têm direito a receber toda e qualquer informação, positiva ou negativa, acerca de fatos e circunstâncias envolvendo os candidatos e partidos políticos que disputam o pleito;

sobretudo acerca de suas histórias, ideias, programas e projetos que defendem. Só assim estarão em condições de formar juízo seguro a respeito deles e definir seus votos de forma consciente e responsável.

É, pois, fundamental que todo cidadão seja informado acerca da vida política do país, dos governantes e dos negócios públicos.

(Direito Eleitoral, 16. ed. – São Paulo: Atlas, 2020, edição eletrônica).

 

Destaco, ademais, que a jurisprudência desta Corte Eleitoral firmou-se no sentido de que posicionamentos pessoais, ainda que contundentes, desde que não importem ofensa à honra pessoal, fazem parte do jogo político:

RECURSO. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. ELEIÇÕES 2018. IMPROCEDÊNCIA. PEDIDO LIMINAR PARA REMOÇÃO DO MATERIAL INDEFERIDO. INTERNET. VEICULAÇÃO DE VÍDEO. FACEBOOK. ALEGADO CONTEÚDO INVERÍDICO. CRÍTICAS DIRIGIDAS A FIGURA PÚBLICA. VEDADO CERCEAMENTO. IMPROCEDÊNCIA. DESPROVIMENTO.

Alegada postagem de mensagem na internet com conteúdo tendencioso e inverídico. O pedido liminar de remoção do material da internet foi indeferido com fundamento na garantia do exercício da liberdade de expressão.

Verificada a presença de forte crítica política com relação a atuação do candidato como chefe do poder executivo, no período de 2009 até 2016, em relação a obras realizadas no hospital municipal. Não evidenciada agressão à honra pessoal do candidato ou da agremiação. Críticas dirigidas a postura de homem público, exposto à análise do eleitor, o que não pode ser objeto de cerceamento, sob pena de violação ao princípio democrático.

Esta corte assentou entendimento de que o exercício da liberdade de expressão é especialmente amplificado no período eleitoral, uma vez que a discussão sobre a capacidade e idoneidade dos candidatos é de interesse público, sendo necessária ao debate eleitoral, prevalecendo o disposto no art. 33 da Resolução TSE n. 23.551/17, que impõe a atuação da Justiça Eleitoral com a menor interferência possível no debate democrático.

Desprovimento.

(Rp 0601991-41.2018.6.21.0000. Rel. Des. El. Aux. Jorge Alberto Schreiner Pestana. Julgado em 04.10.2018, unânime.)

 

Analisando a inicial, verifico que não há nenhuma explicação precisa sobre de que modo e em que termos o conteúdo impugnado não corresponderia à verdade, havendo tão somente inúmeras adjetivações.

Ainda, o recorrente não nega a premissa fática subjacente à mensagem postada na rede social (existência de um “processo”). Por outro lado, os recorridos, mediante menção a conteúdo publicado no site do Ministério Público, aludem à existência de processo promovido pelo Parquet que, se julgado procedente, poderá efetivar a hipótese aventada, isso é, a cassação do titular da chapa e, como consequência, o candidato a vice assumindo o cargo.

Dessa forma, não observo a veiculação de informação sabidamente falsa envolvendo candidatos no pleito em disputa no município em questão, tampouco que ofenda à honra ou à imagem.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo a sentença em sua íntegra.