REl - 0600214-06.2020.6.21.0047 - Voto Relator(a) - Sessão: 15/12/2020 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, considerando a exceção contida no art. 22 da Resolução TRE/RS, pela qual os feitos submetidos ao procedimento da Lei Complementar n. 64/90  se suspendem nos sábados, domingos e feriados. Preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

No mérito, trata-se de Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE proposta pela COLIGAÇÃO COMPROMISSO COM VOCÊ por suposto abuso de poder político e econômico, consubstanciado nos atos de (a) uso da assessoria de servidor público em entrevista do candidato à reeleição para o cargo de chefe do executivo, (b) publicações de servidores municipais no Facebook e (c) matérias e fotos do candidato veiculadas no Jornal Folha de São Borja, que mantém contrato com o município.

A AIJE foi extinta pelo magistrado de origem, que indeferiu a inicial ante a falta de interesse de agir.

Em suas razões de recurso, a coligação argumenta que os requisitos do art. 22, caput, da Lei Complementar n. 64/90 estão presentes, como demonstram os documentos colacionados ao feito: capturas de tela do portal transparência com lista de nomes de servidores, print de tela de Facebook, fotos de matérias e imagens publicadas em jornal.

Da análise das condutas trazidas aos autos não se depreende a gravidade necessária para configuração do abuso de poder político ou econômico, como pretende a coligação recorrente.

Essa mesma percepção dos fatos gerou a extinção da ação, motivo pelo qual, para evitar tautologia, transcrevo a fundamentação da bem-lançada sentença:

Indefiro, de plano, a inicial, nos termos do art. 22, I, "c" da Lei Complementar 64/90.

A Coligação representante aponta a prática de 04 (quatro) fatos que consistiriam abuso do poder político e econômico.

De início é importante destacar o que a doutrina considera como "abuso do poder político e econômico".

Segundo Rodrigo López Zílio, na obra Direito Eleitorail, 7. ed. rev. ampl. e atual. - Salvador: Editura JusPodivm, 2020, página 652, "caracteriza-se o abuso de poder econômico, na esfera eleitoral, quando o uso de parcela do poder financeiro é utilizada indevidamente, com o intuito de obter vantagem, ainda que indireta ou reflexa, na disputa do pleito. Vale dizer, abuso de poder econômico consiste no emprego de recursos financeiros em espécie ou que tenham mensuração econômica para beneficiar determinado candidato, partido ou coligação, interferindo indevidamente no certame eleitoral." Traz, ainda que o TSE tem entendido que "o abuso de poder econômico ocorre pelo uso exorbitante de recursos patrimoniais, sejam eles púbicos ou privados, de forma a comprometer a isonomia da disputa eleitoral e a legitimidade do pleito em benefício de determinada candidatura" (AgRg-REspe n.º 105717/TO - jh. 22.10.2019).

Com a devida vênia, da simples leitura da representação não se extrai nenhum ato que configure o alegado abuso de poder econômico.

No tocante ao abuso do poder político/de autoridade, Zílio (idem, pág. 653) assim disciplina: "o abuso de poder de autoridade indica a prática de um ato, cometido por pessoa vinculada à administração pública, mediante desvio de finalidade e com o objetivo de causar interferência no processo eleitoral. O exemplo mais evidenciado de abuso de poder de autoridade se encontra nas condutas vedadas previstas nos artigos 73 a 77 da LE. Enquanto o abuso de poder de autoridade pressupõe a vinculação do agente do ilícito com a administração pública mediante investidura em cargo, emprego ou função pública, o abuso de poder político se caracteriza pela vinculação do agente do ilícito mediante mandato eletivo. Para o TSE, "o abuso de poder político, de que trata o art. 22, caput, da LC 64/90, configura-se quando o agente público, valendo-se de sua condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, compromete a igualdade da disputa e a legitimidade do pleito em benefício de sua candidatura ou de terceiros" (R) n.º 172365/DF - j. 07.12.2017). Da mesma sorte, ainda, "o abuso de poder político decorre da utilização da estrutura da administração pública em benefício de determinada candidatura ou, ainda, como forma de prejudicar adversário" (TSE - RO n.º 763425/RJ - j. 09.04.2019).

No mesmo sentido, não se vislumbra abuso de poder político.

Em relação ao primeiro fato, cabia à Coligação apresentante - não só juntar cópia da gravação - demonstrando a efetiva participação da Servidora Pública Municipal Kátia Figueiredo, bem como de que naquele horário - das 13h às 14h, tratava-se de horário normal de expediente, à intelligentia do art. 73, III, da LE.

No tocante à publicação na página do Facebook do Secretário, uma simples leitura da cartilha "Pode-não-pode" revela que "A livre manifestação do pensamento do eleitor identificado ou identificável na internet somente é passível de limitação quando ofender a honra ou a imagem de candidatos, partidos ou coligações, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos. A manifestação espontânea na internet de pessoas naturais em matéria político eleitoral, mesmo que sob a forma de elogio ou crítica a candidato ou partido político, não será considerada propaganda eleitoral."

É o que afirma o art. 27, §1º da Resolução Nº 23.610/2019.

Tratando-se de página pessoal, cujo acesso ao conteúdo se dá somente a quem manifesta interesse em segui-lo ou possui algum tipo de amizade, não há que se falar em propaganda eleitoral irregular, muito menos em abuso de poder político.

O terceiro fato, "entrevista à Rádio Cultura AM/Fronteira FM", consoante se extrai da postagem de Kátia Figueiredo, colacionada pela Coligação representante, trata-se de "Programa do SIMUSB, que realiza entrevistas com os candidatos à Prefeitura de São Borja", de sorte que a Justiça Eleitoral não presta para limitar ou censurar a plataforma eleitoral de quem quer que seja, uma vez que não se trata de conteúdo ofensivo.

Por fim, no tocante à publicação do colunista "Zé Dubal", cujo teor sequer aportou aos autos, o TSE tem anotado que "a mídia impressa pode posicionar-se favoravelmente a determinada candidatura sem que isso caracterize de per si uso indevido dos meios de comunicação social, devendo ser punidos pela Justiça Eleitoral os eventuais excessos" (AgRg-RO n.º 250310/PA - j 12.02.2019).

Tratando-se de jornal de circulação local, acessível apenas aos assinantes - cuja opção por assinar ou não é decisão pessoal - e - obviamente, não servindo a opinião de um colunista suficiente para desequilibrar o pleito eleitoral, não possui o fato narrado o condão de legitimar a presente AIJE.

Assim, ante a falta de interesse de agir, indefiro a inicial e julgo extinto o feito.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

 

Assim, não há falar em abuso com relação à presença da servidora em entrevista do candidato, realizada fora do horário de expediente e como conduta isolada; de igual modo, não ocorre ilicitude na divulgação pela imprensa de opinião eleitoral, desde que não seja matéria paga – do que não há prova alguma nos autos; mesmo modo, as manifestações via Facebook, em perfil pessoal de servidores favoráveis à campanha do recorrido, não se mostra suficiente para caracterizar o pretendido abuso.

Não desbordando as condutas apontadas para os excessos exigidos para configuração de abuso de poder, a sentença deve ser mantida pelos seus próprios fundamentos.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.