REl - 0600088-22.2020.6.21.0025 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/12/2020 às 10:00

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, os embargos de declaração servem para afastar obscuridade, omissão, contradição ou erro material, nos termos do art. 275 do Código Eleitoral e art. 1.022 do Código de Processo Civil.

O embargante entende que, no voto condutor, não foram referidas, com a extensão necessária, diversas premissas fáticas que, em conjunto, são importantes para compor a tese de que havia, de fato, a continuidade no exercício das funções de Secretário da Saúde titular pelo ora embargado, as quais passo a analisar de forma específica.

a) Do ofício encaminhado pelo Diretor do Presídio de Jaguarão.

O primeiro ponto trazido pelo embargante relaciona-se ao ofício endereçado pelo Diretor do Presídio de Jaguarão a magistrados, promotores e defensores, conforme e-mail datado de 05.8.2020, sobre o qual aduz que “trecho desse ofício foi transcrito no voto vencido, contudo, o voto vencedor tomou outro trecho, desconexo com a causa da suspensão do atendimento ao presídio pela unidade móvel de saúde, para afirmar que tal diria respeito à COVID-19”.

Em realidade, a Procuradoria Regional Eleitoral destaca as particularidades de dissenso entre o voto vencido e o voto vencedor no que concerne a determinados aspectos da compreensão da prova, especialmente sobre a pertinência do envolvimento do cargo então ocupado pelo embargado no tema tratado no documento.

Assim, visando permitir eventual cotejo das posições na instância superior, o órgão ministerial pugna pela transcrição do teor completo do documento acostado no ID 9657533, “a fim de que seja possível deixar claro o contexto da divergência de versões quanto à sua interpretação existente no voto vencedor e no voto vencido”.

A medida pleiteada é relevante para a completude do acórdão, razão pela qual acolho o recurso quanto ao ponto, para o efeito de incluir na decisão a integralidade da comunicação em questão, conforme segue:

Senhores Magistrados,

Comunico a V. Exª. que mensalmente a Unidade Móvel de Saúde efetua atendimentos médico, odontológico e de enfermagem nesta Casa Prisional, e que o último dia 29/07/2020, a mesma não se fez presente para os devidos atendimentos como já agendado, o Diretor Rogério, recebeu uma ligação no domingo dia 26/07/2020, por volta das 18:00, do Secretário momentaneamente afastado, Sr. Rogério Cruz, o qual informou que a referida Unidade Móvel não viria mais ao presídio na data estipulada, devido a uma ocorrência com um servidor desta Casa prisional no dia 26/07/2020, e que não atenderia mais a demanda do Presídio Estadual de Jaguarão.

Ressalto que quanto a atitude do servidor a Administração já tomou providências, e é inaceitável os apenados recolhidos neste Presídio ficarem sem o devido atendimento de saúde, o que é prioritário e direito do reeducando, por um fato isolado, ora ocorrido e que a casa já está resolvendo.

O cancelamento da vinda da Unidade Móvel de saúde acarretou algumas escoltas para o Ponto de Socorro e alguns deslocamentos de apenados para tal, fato prejudicial a saúde de apenados e servidores diante da atual situação mundial, a pandemia de COVID19, e que muitos protocolos rezam a não exposição e contato com outras pessoas, escoltas as quais poderiam ter sido contempladas pelo atendimento da Unidade Móvel. Este Administrador fez contato via telefone da atual secretária da saúde há mais de uma semana, onde foi solicitado um retorno referente ao atendimento da Unidade, se a mesma continuaria atendendo a Casa. Até apresente não tivemos resposta ao questionamento.

Respeitosamente,

AP ROGÉRIO GONÇALVES DA FONSECA

Administrador Presídio de Jaguarão.

 

Entretanto, o conteúdo integral do documento não infirma a conclusão vertida do acórdão embargado no sentido de que “não resta claro que há um exercício de titular da Secretaria de Saúde, posto que a mensagem tão somente comunica a suspensão do atendimento mensal da Unidade Móvel de Saúde na Casa Prisional, sem que se extraia o poder decisório para tanto”.

b) Da designação de Rogério Lemos Cruz pela Portaria n. 502/2020.

O embargante aponta que o voto vencedor mencionou que Rogério Lemos Cruz ocupou o cargo de Coordenador-Geral do Comitê de Crise para o enfrentamento da pandemia da COVID-19 a partir de 04.6.2020, quando o correto seria a data de 06.4.2020, consoante demonstra a Portaria n. 502/2020 (ID 9664133).

Está com razão a Procuradoria Regional Eleitoral, pois evidente o erro material a ser sanado pela presente via recursal.

Nessa medida, impõe-se a retificação do acórdão para incluir a menção de que Rogério Lemos Cruz exerceu a função de Coordenador-Geral do Comitê de Crise para o enfrentamento da pandemia da COVID-19 no período de 06.4.2020 a 07.8.2020.

A data em questão, no entanto, em nada altera as aferições dos marcos de desincompatibilização realizadas no aresto ou a conclusão pela inexistência de prova contundente sobre o exercício fático de cargo público em período proscrito na Lei de Inelegibilidades.

c) Das alegadas omissões quanto à vida funcional de Rogério Lemos Cruz.

Em continuidade, afirma o embargante que “não consta no acórdão, salvo melhor juízo, a informação de que o ora recorrido assumira a função de Coordenador-Geral do Comitê em questão na qualidade de Secretário Adjunto de Saúde, tendo a nomeação neste cargo ocorrido logo antes (doc. 1 da inicial, ID 9656683), entre o desligamento oficial do cargo de Secretário titular em 03.04.2020, e a nomeação, quase imediata, para a Coordenação do Comitê de enfrentamento à COVID-19 em 06.04.2020”.

Quanto ao ponto, os embargos não devem ser acolhidos.

Com efeito, a sucessão de cargos e suas respectivas datas de afastamento restaram devidamente sintetizadas no seguinte trecho do acórdão:

No ponto, colho a síntese deduzida pela competente Procuradoria Regional Eleitoral, que bem elucida, no aspecto jurídico-formal, os diversos períodos de desincompatibilização do recorrido (ID 11124333):

(i) é servidor público municipal efetivo (agente administrativo);

(ii) desincompatibilizou-se de direito da função de Secretário Municipal de Saúde em 03/04/2020 (ID 9664083, fl. 02; 9664183, fl. 01), com isso, em tese, atendendo ao prazo de desincompatibilização previsto no art. 1º, III, “b”, 4 c/c IV, “a” da LC 64/90 (não prorrogado pela EC 107/2020);

(iii) desincompatibilizou-se de direito da função de Secretário Adjunto de Saúde em 03/06/2020 (ID 9664083, fl. 04; ID 9664183, fl. 02); com isso atendendo, em tese, ao prazo de desincompatibilização previsto no art. 1º, III, “b”, 4 c/c IV, “a” da LC 64/90 (não prorrogado pela EC 107/2020);

(iv) desincompatibilizou-se de direito e de fato da função de Coordenador do Comitê de Crise para o enfrentamento da pandemia da COVID-19 e do exercício do serviço público em 14/08/2020 (ID 9664083, fl. 05; ID 9664133), atendendo, com isso o prazo do art. 1º, inc. II, alínea “l”, da LC 64/90 (prorrogado pela EC n. 107/2020).

 

Tais informações, conjugadas com o dado ora retificado de que Rogério Cruz Lemos ocupou o cargo de Coordenador-Geral do Comitê de Crise para o enfrentamento da pandemia da COVID-19 a partir de 06.4.2020 até 07.8.2020, permitem a compreensão completa da trajetória funcional do embargado, inclusive no ponto suscitado pelo órgão ministerial, qual seja, de que a assunção no cargo do Comitê de Crise ocorreu durante o exercício da função de Secretário Adjunto.

Os elementos aduzidos, no entanto, novamente, não são capazes de modificar o posicionamento adotado no acórdão quanto à observância formal dos prazos de desincompatibilização e sobre a não ocorrência do exercício fático do cargo de secretário municipal ou de função congênere no período vedado.

d) Da alegada omissão quanto à composição do Comitê de Crise.

Em suas razões, a Procuradoria Regional Eleitoral sustenta, também, que “apesar de o voto condutor reconhecer a composição geral do referido Comitê de Crise para o enfrentamento e prevenção do COVID-19 com quatro representantes de Secretarias, deixa de apontar que os integrantes das demais secretarias eram os titulares”.

A análise da questão exposta constou bem explicitada no voto condutor, conforme transcrevo:

Percebe-se, inicialmente, que a Portaria n. 502, de 06 de abril de 2020, que nomeia os integrantes do Comitê de Crise para o enfrentamento e prevenção do COVID-19 (ID 9664133), prevê a participação de um representante do Gabinete do Prefeito, quatro representantes de Secretarias, um representante da Procuradoria Jurídica do Município, um representante da Vigilância Sanitária e o Chefe da Defesa Civil do Município.

Portanto, não consiste em órgão cuja participação do Secretário de Saúde é impositiva, bastando que haja um representante da pasta, no caso, um servidor concursado e com notário conhecimento sobre o tema, uma vez que já ocupou a titularidade da Secretaria.

Nisso, não se mostra implausível que a escolha tenha sido feita por qualificação e experiência do nomeado para o Comitê de Covid, o que, por si, não equivale ao prosseguimento das funções de Secretário.

Colho, por oportuno e percuciente, a avaliação do douto Magistrado sentenciante, Dr. Régis Pedrosa Barro, Juiz Eleitoral da 25ª Zona, quanto ao ponto:

Nesse contexto, afigura-se-me aceitável que o prefeito tenha indicado Rogério Cruz para a função de coordenador do comitê, por se tratar de pessoa que, desde o começo do mandato, ocupava o cargo de secretário de saúde, além de ser servidor de carreira do órgão. Não se quer, aqui, obviamente, avaliar o acerto ou o desacerto político da escolha, mas apenas questionar se seria de se esperar que o chefe do Poder Executivo, nesse momento crítico, em que se alardeava que cidades seriam dizimadas, deixasse de indicar a pessoa que, a seu ver, seria a mais preparada para enfrentar a situação de emergência a fim de, em troca, evitar alguma contestação de cunho eleitoral. Se não o fizesse, não poderia vir a ser acionado por omissão inconstitucional, em mais uma judicialização da atividade política? As perguntas me soam retóricas, dada a obviedade das respostas.

 

Como se percebe, ainda que os demais cargos destinados a representantes de Secretarias municipais tenham sido ocupados pelos respectivos secretários, foram deduzidos fundamentos suficientes para infirmar o argumento de que o candidato foi nomeado para atuar nessa qualidade, não havendo omissão a ser suprida nesse particular.

e) Das omissões quanto à tese jurídica de que o cargo de Coordenador do Comitê de Crise é congênere ao cargo de Secretário Municipal de Saúde e do corresponde mosaico probatório.

Por fim, alega o recorrente que “o acórdão também deixou de apreciar a tese jurídica de que o exercício da Coordenação do Comitê de Enfrentamento à Pandemia da COVID-19 constitui, por si próprio, função congênere à de secretário municipal”.

Entretanto, as próprias razões dos embargos de declaração destacam as passagens em que são aferidas as peculiaridades do cargo e os elementos de prova do alegado exercício fático de posição congênere a secretário municipal, concluindo o voto pela ausência de identidade ou simetria daquele desempenho com as atribuições do cargo de titular de pasta municipal, conforme segue reproduzido:

Depreende-se disso um conjunto robusto de narrativas harmônicas no sentido de que as atividades e ações desenvolvidas pelo recorrido não se sobrepunham ou equivaliam àquelas exercidas por Gilcelli Soares, Secretária de Saúde à época dos fatos. Em verdade, há uma referência comum de que as funções atinentes à cabeça da pasta municipal eram assumidas exclusivamente por Gilcelli e que Rogério restringia seu exercício funcional aos assuntos pertinentes ao Comitê da Covid-19.Também essa é a conclusão vertida da sentença, que, de forma percuciente, destacou os elementos de convencimento de que a autoridade da Secretária de Saúde não era exercida com divisão de poderes ou responsabilidades com qualquer pessoa:

(...)

Tão somente o depoimento de Marcelo Steimbruch, ouvido como informante, é capaz de trazer elementos que denotem o exercício de funções externas ao aludido Comitê de Crise, quais sejam, de que teria autorizado a mudança de acomodação de um paciente em internação hospitalar e uma cirurgia eletiva. Contudo, não constam nos autos qualquer documento escrito nesse sentido, pressupondo-se, por ordinário, que tais autorizações demandariam medidas burocráticas para sua efetivação, não bastando o simples consentimento verbal.

(...)

Assim, muito embora o recorrido tenha, sim, ocupado uma posição de relevo na Administração da Saúde do Município, especialmente no contexto de enfrentamento à Covid-19, podendo-se cogitar, em tese, na promoção pessoal do recorrido no contexto de pré-campanha, não há prova contundente e cabal de que tenha se mantido no exercício de fato das funções próprios de Secretário Municipal de Saúde com fraude à determinação legal de desincompatibilização.

(...)

Assim, não há como impor ao recorrido prazo de desincompatibilização por analogia ou interpretação extensiva relativamente à sua participação em um comitê de crise, que, a despeito da grande visibilidade, não se demonstra que tenha suplantado as atribuições que lhe eram próprios.

 

No que concerne às participações do embargado em eventos e à visibilidade alcançada pelo seu cargo, assim ponderou a decisão atacada:

Em relação às notícias, notas e lives realizadas nos canais de comunicação da Prefeitura e da Secretaria de Saúde com a participação de Rogério, acompanhado ou não do Prefeito ou da Secretária de Saúde, observo que, em todas as divulgações, são abordadas informações ou orientações relacionadas à Covid-19 e o recorrido apresentado como Coordenador do Comitê de Crise, não se podendo, com isso, concluir que teriam extrapolado as funções inerentes ao cargo.

Por fim, sobre os relatos e evidências de que o recorrido era considerado, no contexto comunitário, ainda na condição de Secretário de Saúde, recebendo, por tal razão, demandas de pedidos de atendimentos e exames médicos pela população, tenho que a questão foi analisada com especial técnica pelo culto Julgador Monocrático.

Assim, sem maiores digressões, colho a apreciação da prova e os fundamentos que demonstram a essencial diferença entre o cargo que, de fato, o recorrido ocupava e aquele que alguns, por desconhecimento ou tradição, continuavam e lhe relacionar unilateralmente, consoante deduzido na sentença:

(...).

Assim, muito embora o recorrido tenha, sim, ocupado uma posição de relevo na Administração da Saúde do Município, especialmente no contexto de enfrentamento à Covid-19, podendo-se cogitar, em tese, na promoção pessoal do recorrido no contexto de pré-campanha, não há prova contundente e cabal de que tenha se mantido no exercício de fato das funções próprios de Secretário Municipal de Saúde com fraude à determinação legal de desincompatibilização.

Com efeito, entende o TSE que as restrições que geram a inelegibilidade, por limitativas de direito políticos, são de legalidade estrita, sendo vedada interpretação extensiva (Recurso Ordinário n. 54980, Relator Min. Luciana Lóssio, PSESS de 12.9.2014).

Assim, não há como impor ao recorrido prazo de desincompatibilização por analogia ou interpretação extensiva relativamente à sua participação em um comitê de crise, que, a despeito da grande visibilidade, não se demonstra que tenha suplantado as atribuições que lhe eram próprios.

Portanto, quanto a tais alegações de inelegibilidade, entendo que os impugnantes não demonstraram de forma suficiente a ausência de afastamento de fato das funções impeditivas à candidatura, ônus probatório que lhes incumbia, consoante remansoso entendimento jurisprudencial:

(...).

Portanto, no tocante às razões recursais analisadas nos itens “c”, “d” e “e”, ao contrário do que sustenta o embargante, foram tecidos suficientes fundamentos, mediante a análise do caderno probatório, no sentido da inexistência de comprovação quanto ao exercício de cargo congênere ao de secretário municipal em período proscrito.

Nesse panorama, os argumentos ora manejados representam a pretensão de adequar as conclusões do acórdão ao entendimento do embargante na avaliação probatória, intento para o qual não se prestam os aclaratórios, cuja destinação é vinculada a um dos vícios decisórios constantes no art. 1.022 do CPC.

Por outro lado, quanto ao que constou analisado nos itens “a” e “b”, devida a integração da decisão, acolhendo-se o apontamento de existência de erro material quanto à menção de início do exercício da função de Coordenador-Geral do Comitê de Crise pelo embargado e a necessidade de complementação do acórdão com a transcrição integral do ofício emitido pelo Diretor da Penitenciária de Jaguarão, conforme fundamentação anteriormente deduzida.

Tais saneamentos, porém, não têm o condão de impingir a atribuição de efeitos infringentes ou modificativos ao julgado, pois incapazes de afetar as razões de decidir do acórdão ou alterar as suas conclusões.

 

Ante o exposto, VOTO pelo acolhimento parcial dos embargos de declaração, sem a atribuição de efeitos modificativos, para o fim de corrigir erro material referente à data de início do exercício da função de Coordenador-Geral do Comitê de Crise pelo embargado, e complementar a decisão com a transcrição integral do ofício emitido pelo Diretor da Penitenciária de Jaguarão, nos termos da fundamentação.