REl - 0600092-39.2020.6.21.0161 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/12/2020 às 10:00

VOTO

Preliminar de ilegitimidade passiva do candidato Sebastião Melo

Na defesa, ainda na instância de origem, foi suscitada preliminar de ilegitimidade passiva do candidato Sebastião Melo, nos seguintes termos:

Nessa seara, o representado SEBASTIÃO DE ARAÚJO MELO, cuja personalidade jurídica é diversa e não participou ou coparticipou da publicação objeto da presente representação, bem como não incorreu em erro, igualmente não foi de sua autoria o material midiático e sequer se locupletou das postagens objeto da presente ação, o que por si ilegitima SEBASTIÃO MELO como parte integrante do polo passivo desta demanda.

Por ocasião do presente recurso, é reiterada a prefacial ao argumento de que a sentença atacada desconsiderou a sua análise.

Sem razão o recorrente.

A sentença muito bem esclarece a legitimidade do candidato a prefeito em constar no polo passivo da demanda, verbis:

De acordo com José Maria Rosa Tesheiner, citando lição de Enrico Tullio Liebman, a legitimidade envolve “(...) as pessoas que devem estar presentes, a fim de que o juiz possa decidir a respeito de um dado objeto” (TESHEINER, José Maria Rosa. Elementos para uma teoria geral do processo. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 121).

Assim, a preliminar de ilegitimidade passiva deduzida pelo representado SEBASTIÃO DE ARAÚJO MELO não merece prosperar, porquanto presente a pertinência subjetiva que justifica sua presença como parte na representação.

A realização de impulsionamento de propaganda eleitoral na página oficial do Facebook de um dos representados (RICARDO SANTOS GOMES), candidatos à eleição majoritária, era ato de campanha, existindo atuação direta de empresa contratada na sua efetivação, conforme esclarecido pela defesa no tópico “Do selo da administração da página por Luiza Leite” (fls. 4/6 – evento 39305192). Portanto, além de não existir qualquer indício probatório a evidenciar que o representado SEBASTIÃO DE ARAÚJO MELO não tinha prévia ciência do impulsionamento de postagens pela empresa contratada para os serviços de marketing (documentos do evento 39305197), induvidosamente, na condição de candidato a prefeito, era o principal beneficiário da publicidade impulsionada oficialmente pela empresa contratada. Por isso, presente a legitimidade passiva.

A postagem impulsionada, característico ato de campanha, alcança benefício ao candidato Sebastião Melo e, pelas circunstâncias em que se deu, estabelece o seu prévio conhecimento.

Afasto, assim, a preliminar suscitada.

Presentes os demais requisitos de admissibilidade recursal, conheço do recurso.

No mérito, cabe analisar o conteúdo de impulsionamento de propaganda eleitoral, a fim de verificar a existência de propaganda negativa.

Esclareço, visto que a matéria foi renovada nas razões de recurso, que a inicial também apontou suposta irregularidade em quatro divulgações com indicação de pagamento por terceiros, mas a matéria foi vencida com o esclarecimento de que a terceira pessoa integra a equipe de marketing da campanha, pelo que o recurso somente recai sobre uma das postagens arguidas na representação, qual seja, a que o juízo a quo reconheceu como propaganda eleitoral negativa.

Ainda que excepcionado o impulsionamento de propaganda eleitoral na internet, a despeito de ser vedada qualquer outra propaganda paga nesta seara, há que se respeitar as restrições legais impostas que visam resguardar o equilíbrio entre as campanhas e impedir que o poder econômico desborde em abuso.

Regula o tema o art. 57-C da Lei n. 9.504/97:

Art. 57-C. É vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, excetuado o impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente por partidos, coligações e candidatos e seus representantes.

§ 1º É vedada, ainda que gratuitamente, a veiculação de propaganda eleitoral na internet, em sítios:

I - de pessoas jurídicas, com ou sem fins lucrativos;

II - oficiais ou hospedados por órgãos ou entidades da administração pública direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

§ 2º A violação do disposto neste artigo sujeita o responsável pela divulgação da propaganda ou pelo impulsionamento de conteúdos e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário, à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais) ou em valor equivalente ao dobro da quantia despendida, se esse cálculo superar o limite máximo da multa.

§ 3º O impulsionamento de que trata o caput deste artigo deverá ser contratado diretamente com provedor da aplicação de internet com sede e foro no País, ou de sua filial, sucursal, escritório, estabelecimento ou representante legalmente estabelecido no País e apenas com o fim de promover ou beneficiar candidatos ou suas agremiações.

A jurisprudência já se consolidou no sentido de que o impulsionamento não admite a propaganda eleitoral negativa – aquela que desprestigia o adversário, seja com desinformações ou com ofensas, seja com críticas que evidenciem seus reais desacertos –, podendo, tão somente, os candidatos e as agremiações valerem-se dela para promover ou beneficiar a si próprios.

No dizer de Edson de Resende Castro "esse impulso só poderá repercutir anúncios, postagens, comentários, etc, para ‘promover ou beneficiar candidatos ou partidos’ e coligações, nunca para difundir críticas ou conteúdos que prejudiquem a imagem ou o desempenho eleitoral de adversários" (Curso de Direito Eleitoral. 9. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2018. p. 336).

No caso, trata-se do vídeo com número de identificação 3428355237245605 e de URL indicada na inicial, conforme determinação legal, de onde se transcreve a fala do candidato Ricardo Gomes:

Pessoal, vou romper o silêncio. Eu sou candidato a Vice-Prefeito em Porto Alegre, e eu e o Sebastião Melo estamos fazendo uma campanha propositiva e olhando pro futuro da cidade. Mas eu não vou ficar calado vendo o que o Marchezan está fazendo nessa eleição. Vou falar sobre os gastos de publicidade da prefeitura na gestão Marchezan. Prestem atenção nestes números: o total que MARCHEZAN gastou beira os R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais), mas existe um dado para entender o gasto com publicidade do prefeito MARCHEZAN. Esse dado é uma data, é o dia 10 de dezembro de 2019. No dia 10 de dezembro de 2019 a agência do marqueteiro do MARCHEZAN, depois de três anos discutindo ganhou a licitação para a publicidade da Prefeitura. Até este dia o MARCHEZAN tinha gasto em três anos de governo R$ 24.000.000,00 (vinte e quatro milhões de reais). Quando a agência do seu marqueteiro foi contratada MARCHEZAN gastou R$ 22.000.000,00 (vinte e dois milhões de reais) em 15 dias. Portanto, em 15 dias MARCHEZAN gastou o que ele tinha gasto em três anos. Bastou a agência do seu marqueteiro ser contratado.

Durante esses 15 dias os funcionários públicos de Porto Alegre-RS estavam com o décimo terceiro parcelado e a Prefeitura pagando juros para poder quitar este parcelamento. E o PREFEITO ao invés de pagar o décimo terceiro preferiu usar este dinheiro para fazer publicidade. Depois, durante a pandemia MARCHEZAN colocou R$ 3.500.000,00 (três milhões e quinhentos mil reais) do Fundo da Saúde também em publicidade! A legalidade disso está sendo discutida no IMPEACHMENT, e eu não vou me manifestar sobre ela aqui! Mas a moralidade! Cada um de vocês faça o julgamento! Os leitos que ampliaram durante a pandemia foram ampliados pelo governo federal, No Clínicas e no GHC, pela iniciativa privada, na Santa Casa e no Moinhos de Vento, ou por doações de pessoas físicas e empresas para o Hospital Independência! Porque o dinheiro do Fundo da Saúde MARCHEZAN preferiu colocar na publicidade. Enquanto a cidade estava fechada, porque nós estávamos pertos de esgotar o número de vagas de UTI! Essa foi a decisão de MARCHEZAN! Essa é a verdade sobre os gastos de publicidade. Que dispararam quando MARCHEZAN contratou a empresa do seu marqueteiro em 2016 e nessa campanha de 2020. Pense nisso! Quando ver o slogan de campanha de MARCHEZAN, sem conchavo e sem esquema!

Importante frisar que a transcrição contida na inicial e replicada acima não encontrou rejeição por parte dos recorrentes que, ao contrário, assumiram as falas como livre exercício do direito de crítica.

Da análise, percebe-se que o conteúdo veiculado nitidamente tem como objeto o candidato à reeleição MARCHEZAN, citado treze vezes nos três minutos de gravação. Desnecessária a avaliação dos termos e das expressões usadas para concluir se configuram apenas o regular debate de ideias ou desbordam para a ofensa, se envolvem desinformação ou afirmações verídicas.

Como visto, a imposição legal é de que o impulsionamento traduza aos eleitores os valores dos autores da veiculação, divulgue material que promova suas candidaturas por seus próprios méritos, exponha elementos que tornem conhecidas suas ideias e projetos. Nessa linha, precedentes do E. Tribunal Superior Eleitoral:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2018. REPRESENTAÇÃO. GOVERNADOR. PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA. INTERNET. ART. 57–C, § 3º, DA LEI 9.504/97. POSTAGENS. FACEBOOK. IMPULSIONAMENTO. DESPROVIMENTO.1. O art. 57–C, caput, e § 3º, da Lei 9.504/97 permite o impulsionamento de conteúdo na internet, desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente por partidos, coligações, candidatos e seus representantes, com a finalidade de promover candidaturas. Precedentes.2. No caso, de acordo com a Corte local, "as publicações não trouxeram de forma propositiva a imagem dos agravantes e o pedido de votos, ao contrário, através da associação de imagens e legendas, buscaram incutir no eleitor a ideia de 'não voto' no candidato agravado", o que, portanto, foge da regra prevista nos referidos dispositivos.3. As limitações impostas à propaganda eleitoral não afetam os direitos constitucionais de livre manifestação do pensamento e de liberdade de informação. Precedentes.4. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 060337225, Acórdão, Relator Min. Luis Felipe Salomão, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 56, Data: 23.3.2020.) (Grifei.)

AGRAVO REGIMENTAL. ELEIÇÕES 2018. REPRESENTAÇÃO ELEITORAL. CANDIDATO A DEPUTADO FEDERAL. IMPULSIONAMENTO DE CONTEÚDO. REDE SOCIAL. TEOR NEGATIVO. INFRAÇÃO. ART. 57–C DA LEI 9.504/97. DECISÃO REGIONAL. PROCEDÊNCIA. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESSUPOSTOS ESPECÍFICOS. NÃO ATENDIMENTO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE.

1. "Não cabe a aplicação do princípio da fungibilidade para receber recurso como recurso especial se inexistem os requisitos específicos previstos no art. 276, inciso I, alíneas a e b, do Código Eleitoral, quais sejam: a demonstração de dissenso jurisprudencial entre dois ou mais tribunais eleitorais ou a violação expressa à Constituição ou à lei federal" (AgR–AI 114–95, rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 28.5.2015).

2. A Corte de origem reconheceu a realização de propaganda eleitoral em rede social, por impulsionamento negativo, em desacordo ao § 3º do art. 57–C da Lei 9.504/97, julgando procedente representação eleitoral, com a imposição de multa a candidato ao cargo de deputado federal.

3. Conforme preconiza o § 3º do art. 57–C da Lei 9.504/97, o impulsionamento de conteúdo tem o escopo exclusivo de promover ou beneficiar candidatos ou suas agremiações, já tendo o Tribunal assentado, nas Eleições de 2018, a impossibilidade de contratação desse serviço para tecer críticas a adversários (RP 0601596–34, rel. Min. Sérgio Banhos, PSESS em 27.11.2018).

4. Tratando–se de modalidade excepcional de propaganda no âmbito da internet e segundo as premissas da decisão regional, a propaganda não teve o condão apenas de discutir a questão alusiva à formação de coligações, mediante promoção de ideia ínsita à campanha, tanto que fez uso de nomes de candidatos e de legenda, o que arrima a conclusão da decisão regional quanto ao indevido conteúdo ofensivo do impulsionamento.

5. Além do desvirtuamento em si da finalidade específica do impulsionamento, para se reconhecer que não teriam sido difundidos fatos inverídicos ou ofensivos, seria exigível novo exame do contexto fático–probatório, vedado nesta instância especial, a teor do verbete sumular 24 desta Corte Superior.

Agravo regimental a que se nega provimento.

(AI - Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 060290349 - RECIFE – PE. Acórdão de 20.8.2019. Relator Min. Sergio Silveira Banhos. DJE 20.9.2019.) (Grifei.)

Apenas autopromoção e ausência de críticas ao adversário definitivamente não caracterizaram a matéria apontada, pelo que reconheço o caráter negativo da propaganda impulsionada que a torna irregular, uma vez que afronta o § 3º do art. 57–C da Lei n. 9.504/97.

Por fim, quanto ao argumento de que a sentença ignorou a previsão constitucional que consagra a liberdade de expressão, há que se ter claro que a regra eleitoral foi permissiva com relação ao impulsionamento, objetivando dar aos concorrentes do pleito maior oportunidade de tornar conhecidos seus valores enquanto agremiações e candidatos. Sendo modalidade paga, absolutamente necessária a limitação dos conteúdos ali veiculados, sob pena de respaldar o abuso, não só econômico, como também do direito, tão caro, de liberdade de expressão. Há outros meios onde a saudável e necessária crítica tem seu lugar.

Por todo o exposto, o recurso não merece provimento.

Isso posto, VOTO pelo desprovimento do recurso, para manter hígida a sentença que condenou SEBASTIÃO DE ARAUJO MELO e RICARDO SANTOS GOMES ao pagamento de multa no valor de R$ 5.500,00, por prática de impulsionamento de propaganda eleitoral negativa, conforme o art. 57-C, § 3º, da Lei n. 9.504/97.