REl - 0600049-80.2020.6.21.0136 - Voto Relator(a) - Sessão: 04/12/2020 às 14:00

voto

Da admissibilidade

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Da preliminar de violação ao princípio da não surpresa

Inicialmente, sustenta o recorrente violação ao princípio da não surpresa, uma vez que foi proferida decisão interlocutória determinando a exclusão de perfis no Facebook sem que lhe fosse oportunizada prévia manifestação a respeito, implicando sua nulidade.

Contudo, inaplicável o referido princípio à tutela de urgência quando suficientemente fundamentado o risco de perecimento do direito ou de ineficácia da medida judicial em razão da demora ou da prévia notificação da parte contrária, nos termos do art. 9º, parágrafo único, inc. I, do CPC.

Quanto ao ponto, colho da bem-lançada manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral:

A vedação mencionada pelo recorrente não se aplica à tutela provisória de urgência, como estabelece o art. 9º, parágrafo único, inc. I, do CPC, porquanto nas situações que exigem a adoção de medidas liminares a prévia notificação dos interessados pode causar o perecimento do direito ou a ineficácia da medida judicial.

Ademais, o recorrente já havia sido cientificado do teor da representação eleitoral e alertado quanto à proibição da continuidade da realização de postagens nos referidos perfis. Assim, independentemente da legalidade da ordem de exclusão dos perfis, não há que se falar em violação ao princípio invocado no recurso.

No tocante à ausência de fundamentação, verifica-se que o despacho, claramente sintético, faz alusão à motivação apresentada pelo MPE, o que é suficiente para identificar os fundamentos da decisão judicial, como aponta reiterada jurisprudência nos Tribunais Superiores.

 

Isso posto, afasto a preliminar de violação ao princípio da não surpresa.

Da preliminar de nulidade das provas

O recorrente alega, ainda, que as provas apresentadas pelo Ministério Público Eleitoral, consistentes em imagens/printscreen extraídas da internet, não foram produzidas de acordo com as normas de regência, porquanto, tendo sido impugnadas, não tiveram a respectiva autenticação eletrônica apresentada pelo órgão ministerial. Assim, nessa situação, entende necessária a realização de perícia, a qual não restou efetuada. Em face disso, pugna sejam as provas declaradas nulas e desentranhadas dos autos.

Sem razão quanto ao ponto.

Consoante prevê o art. 17, § 2º, da Resolução TSE n. 23.608/19, a comprovação da postagem "pode ser feita por qualquer meio de prova admitido em Direito, não se limitando à ata notarial".

Ademais, na petição inicial da representação, constaram devidamente inscritos os endereços de URLs específicos das publicações questionadas, permitindo-se "aferir se ficou demonstrada a efetiva disponibilização do conteúdo no momento em que acessada a página da internet", consoante prescrevem o inc. III e o parágrafo 2º do art. 17 da aludida resolução.

Destaca-se, ainda, que a servidora pública do Ministério Público, no uso de suas atribuições, atestou que, na data em que foi expedida a certidão, verificou a existência de perfis na rede social Facebook, nas URLs descritas, com postagens cujas imagens foram capturadas e transpostas para a certidão por ela lavrada (ID 10834783).

Trata-se aqui de presunção juris tantum de legitimidade do ato, somente podendo ser afastada mediante prova idônea em sentido contrário produzida pela outra parte, o que não ocorreu, havendo tão somente alegação de ser inverídica.

Nesse sentido, trago à colação ementa de julgado do Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2014. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. INDEFERIMENTO. CARGO. DEPUTADO ESTADUAL. INTEMPESTIVIDADE DO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. DATA DA ETIQUETA DO PROTOCOLO JUDICIÁRIO. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE. INEXISTÊNCIA DE PROVA IDÔNEA EM SENTIDO CONTRÁRIO. DESPROVIMENTO DO AGRAVO.

1. A interposição do recurso, via sistema de transmissão eletrônica de dados e imagens por fac-símile, impõe à parte que assuma a inteira responsabilidade quanto ao adequado envio do documento, correndo, por isso, à sua conta os riscos de eventual falha na transmissão ou recepção.

2. Os embargos de declaração opostos em face de decisão monocrática, nos quais se tencionam efeitos modificativos, devem ser recebidos como agravo regimental. (Precedentes: ED-AgR-AI n° 4.004/PA, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ de 29.8.2003 e ED-REspe nº 21.168/ES, Rel. Min. Peçanha Martins, DJ de 8.8.2003).

3. A certidão expedida pela Secretaria do Tribunal Regional Eleitoral, atestando a data de interposição do recurso especial, possui presunção iuris tantum de veracidade, razão por que somente pode ser afastada quando houver, nos autos, prova idônea em sentido contrário.

4. In casu, a alegação do Agravante de que teria apresentado o recurso tempestivamente, via fac-símile, não foi devidamente comprovada.

5. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, ao qual se nega provimento.

(TSE, - Embargos de Declaração em RESPE n. 75067, Acórdão de 11.11.2014, Relator Min. Luiz Fux, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 11.11.2014.) (Grifei.)

 

Nesse contexto, correta a fundamentação deduzida pelo Magistrado, entendendo que a prova produzida, em sua forma, é lícita, porém a presença ou ausência de força probante é matéria a ser discutida no mérito (ID 10837383):

Relativamente às alegações atinentes à prova, vão desacolhidas, pois as evidências apresentadas com a representação foram produzidas através de consultas a sites e perfis em redes sociais, bem como denúncia enviada por meio do Sistema Pardal do TSE. Obviamente que a força probante das evidências apresentadas, notadamente aquelas obtidas a partir de denúncia no Sistema Pardal, é questão de mérito, isto é, se resta ou não comprovada a irregularidade, o que deve ser apreciado pelo conjunto da prova produzida, não se podendo descartar as evidências sob a alegação de que se trata de prova ilícita ou produzida de forma unilateral.

 

Nesse passo, afasto a preliminar de nulidade das provas produzidas.

Do Mérito

No mérito, versam os autos acerca de representação por propaganda irregular, consistente na divulgação de publicidade na internet em dois perfis da rede social Facebook cujos endereços não foram informados no registro de candidatura.

Conforme demonstram os prints de tela juntados pelo Ministério Público Eleitoral, em especial os contidos nas certidões de ID 10834783 e 10836783, o ora recorrido publicou propaganda eleitoral em seu perfil pessoal e na página da ONG Amigos em Ação, da qual era um dos administradores, sem comunicar os referidos endereços à Justiça Eleitoral.

No curso da instrução do feito, o magistrado a quo, em razão da recalcitrância do candidato em remover os conteúdos tidos por irregulares e abster-se de publicar novos, conforme fixado em decisão interlocutória (ID 10835083), determinou ao Facebook a exclusão completa das páginas eletrônicas https://www.facebook.com/joseluis.pruxdaconceicao e https://www.facebook.com/groups/560424184041193 (ID 10836833).

O recurso merece provimento, nesse particular.

Consoante bem delineado no parecer ministerial, as ordens de remoção devem limitar-se às postagens tidas por ilegais, de modo que não sejam afetados outros interesses dos usuários das redes sociais, segundo a inteligência do art. 38, § 1º, da Resolução TSE n. 23.610/19, verbis:

Art. 38. A atuação da Justiça Eleitoral em relação a conteúdos divulgados na internet deve ser realizada com a menor interferência possível no debate democrático (Lei nº 9.504/1997, art. 57-J).

§ 1º Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, as ordens judiciais de remoção de conteúdo divulgado na internet serão limitadas às hipóteses em que, mediante decisão fundamentada, sejam constatadas violações às regras eleitorais ou ofensas a direitos de pessoas que participam do processo eleitoral.

 

Ora, a remoção de propaganda eleitoral na internet é medida excepcional, permitida tão somente em caso de afronta às normas eleitorais ou a direitos de pessoas que participam do pleito, não sendo razoável a exclusão de todo o perfil pessoal do indivíduo e da página de um grupo com diversos participantes, razão pela qual deve ser afastada a determinação do juízo monocrático de remoção dos perfis https://www.facebook.com/joseluis.pruxdaconceicao e https://www.facebook.com/groups/560424184041193 no Facebook.

Nessa linha, trago à colação julgado do egrégio Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2018. REPRESENTAÇÃO ELEITORAL. PROPAGANDA IRREGULAR. FAKE NEWS. REMOÇÃO DE CONTEÚDO. DIREITO DE RESPOSTA. PERDA DO INTERESSE DE AGIR. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 57–D, § 2º da Lei 9.504/97. PEDIDO LIMINAR. INDEFERIMENTO. RECURSO INOMINADO. PREJUDICADO.

SÍNTESE DO CASO

1. Trata–se de representação ajuizada pela Coligação O Povo Feliz de Novo em face de Google Brasil Internet Ltda., Twitter Brasil Rede de Informação Ltda., Facebook Serviços Online do Brasil Ltda., Prime Comunicação Digital Ltda. – ME – e em desfavor da pessoa responsável pelos blogs Deus Acima de Todos e Presidente Bolsonaro, com pedido liminar, pleiteando a remoção de postagens realizadas em redes sociais na internet com conteúdos supostamente inverídicos e ofensivos, assim como a concessão de direito de resposta e a imposição de multa ao responsável por divulgação da propaganda eleitoral irregular, com base nos arts. 57–D, § 2º, e 58 da Lei 9.504/97.

2. Indeferido o pedido liminar, a representante interpôs recurso inominado.

ANÁLISE DA REPRESENTAÇÃO

3. Segundo o caput e § 1º do art. 38 da Res.–TSE 23.610, a atuação da Justiça Eleitoral em relação aos conteúdos divulgados na internet deve ser realizada com a menor interferência possível no debate democrático, a fim de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, de modo que as ordens de remoção se limitarão às hipóteses em que seja constatada violação às regras eleitorais ou ofensa aos direitos das pessoas que participam do processo eleitoral.

4. De acordo com a jurisprudência desta Corte Superior: "uma vez encerrado o processo eleitoral, com a diplomação dos eleitos, cessa a razão de ser da medida limitadora à liberdade de expressão, consubstanciada na determinação de retirada de propaganda eleitoral tida por irregular, ante o descompasso entre essa decisão judicial e o fim colimado (tutela imediata das eleições). Eventual ofensa à honra, sem repercussão eleitoral, deve ser apurada pelos meios próprios perante a Justiça Comum" (REspe 529–56, rel. Min. Admar Gonzaga, DJE de 20.3.2018). (Grifei.)

5. Assim, não merece acolhimento o pleito de retirada dos conteúdos impugnados, uma vez que o término do período eleitoral enseja a perda superveniente do interesse de agir.

6. Já tendo sido proclamado o resultado das eleições, portanto, encerrados os atos de campanha e o pleito eleitoral, não haveria igualmente interesse de agir na concessão do direito por suposta ofensa veiculada na internet.

7. Identificado o responsável pelo conteúdo supostamente ofensivo, não é possível a aplicação de multa em razão do anonimato ou utilização de perfil falso, pois sua identidade não se encontrava protegida por efetivo anonimato, como preceitua o § 2º do art. 57–D da Lei 9.504/97.

8. Nesse sentido, o § 2º do art. 38 da Res.–TSE 23.610 disciplina que "a ausência de identificação imediata do usuário responsável pela divulgação do conteúdo não constitui circunstância suficiente para o deferimento do pedido de remoção de conteúdo da internet".

CONCLUSÃO

Prejudicados, pela perda superveniente de objeto, os pedidos de remoção de postagens realizadas em redes sociais na internet com conteúdos supostamente inverídicos e ofensivos e de concessão de direito de resposta, e improcedente o pedido de aplicação de multa ao responsável pelas publicações.

Prejudicado o recurso interposto contra o indeferimento do pedido liminar.

(TSE, Rp n. 0601697-71.2018.6.00.0000, Acórdão de 22.10.2020, Relator Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 229, Data 10.11.2020.)

 

Percebe-se que, a despeito de mora do recorrente no cumprimento da ordem liminar de imediata remoção do conteúdo, não houve a cominação de penalidade para o caso de inobservância da determinação.

Na hipótese, poderia o julgador determinar a remoção das peças irregulares e a abstenção de novos ilícitos sob pena de cominação de astreinte ou, ainda, de eventual responsabilização pelo crime de desobediência à ordem direta, conforme art. 347 do Código Eleitoral, o que, porém, não ocorreu.

Nessa medida, a remoção completa das páginas, sem prévia cominação ou advertência judicial, acarretando gravames às relações pessoais e sociais do recorrido e de outros participantes da referida ONG Amigos em Ação, representa uma interferência irrazoável e desproporcional da Justiça Eleitoral sobre os conteúdos publicados na internet.

Ademais, anoto que, nos termos do art. 38, § 7º, da Resolução TSE n. 23.610/19, transcorrido o pleito, as ordens judiciais de remoção de conteúdo da internet não confirmadas por decisão de mérito transitada em julgado deixarão de produzir efeitos, que é exatamente o caso dos autos:

Art. 38.

(...)

§ 7º Realizada a eleição, as ordens judiciais de remoção de conteúdo da internet não confirmadas por decisão de mérito transitada em julgado deixarão de produzir efeitos, cabendo à parte interessada requerer a remoção do conteúdo por meio de ação judicial autônoma perante a Justiça Comum.

 

Anoto que, por ocasião do cumprimento da ordem emanada do juízo a quo, o próprio Facebook requereu a reconsideração da decisão, "porque pondera ser uma ordem demasiada, em contraposição aos princípios da liberdade de expressão e da mínima interferência da Justiça Eleitoral no debate democrático" (ID 10837233), do que se conclui pela viabilidade fática de restauração das aludidas páginas.

Por fim, conforme apontou o douto Procurador Regional Eleitoral, a sentença nada deduziu a respeito de eventual aplicação da multa prevista no art. 28, § 5º, da Resolução TSE n. 23.610/19. Assim, ausente recurso do Ministério Público Eleitoral quanto ao ponto específico, está preclusa a discussão sobre o tema.

 

Ante o exposto, VOTO por rejeitar a matéria preliminar e dar parcial provimento ao recurso, tão somente para afastar a determinação de remoção dos perfis do recorrente na rede social Facebook, nos termos da fundamentação.

Intime-se o Facebook Serviços Online do Brasil Ltda. para que promova a reativação das páginas https://www.facebook.com/joseluis.pruxdaconceicao e https://www.facebook.com/groups/560424184041193 no prazo de 3 (três) dias.