REl - 0600319-62.2020.6.21.0150 - Voto Relator(a) - Sessão: 27/11/2020 às 14:00

VOTO

Admissibilidade Recursal

Conheço dos embargos, porque tempestivos.

Mérito

AMAURI MAGNUS GERMANO opõe embargos declaratórios (ID 11096683 e 11375883) em face do acórdão deste Tribunal (ID 10773783), que indeferiu seu registro de candidatura para o cargo de prefeito, nas eleições de 2020, no Município de Capão da Canoa, requerido pela COLIGAÇÃO CAPÃO NÃO PODE PARAR.

A dedução consiste em suposta obscuridade no acórdão acerca da impossibilidade de a Justiça Eleitoral examinar a caracterização de ato de improbidade administrativa com base em decisão de rejeição de contas de gestor público pelo Tribunal de Contas, por absoluta falta de competência legal.

Entende que elementos essenciais não foram devidamente valorados para efeito de reformar a decisão de primeiro grau e qualificar a decisão da Corte de Contas.

Argumenta, ainda, a ocorrência de fatos novos, quais sejam: (1) a obtenção de 48,21% dos votos válidos recebidos dos eleitores e (2) parecer técnico contábil do Ministério Público Estadual (ID 11375933) cuja conclusão aponta que o montante empenhado e não pago, caracterizado como restos a pagar, importa em R$15.244,28 (quinze mil, duzentos e quarenta e quatro reais e vinte e oito centavos) e não mais a quantia anteriormente em tese apurada, de quase um milhão de reais.

Como se infere da argumentação recursal, a pretensão do embargante direciona-se a suposto vício de obscuridade como pressuposto para procedência do seu pedido.

O acórdão combatido, entretanto, apresentou fundamentação com razões suficientes da formação do convencimento do Pleno desta Corte, com argumentações claras a ensejar exata interpretação do julgado.

Ressalto que há obscuridade quando o comando do julgado estiver incompreensível no que impõe e na manifestação da vontade do juiz, podendo estar relacionada às razões de decidir ou à parte decisória, não sendo a situação dos autos aqui examinados.

Contudo, analisando a peça apresentada pelo embargante, conclui-se que não se ajusta aos fins do recurso a que se refere, pois, na verdade, o núcleo da questão consiste em divergência quanto ao entendimento adotado no decisum.

Nesse contexto, observo que, diferentemente do alegado na petição aclaratória, não há incerteza no comando, restando evidenciada a configuração do requisito da insanabilidade nas irregularidades apontadas no parecer técnico do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, em especial as falhas relacionadas à Lei de Responsabilidade Fiscal.

Por oportuno, transcrevo a parte do voto sobre o preenchimento da condição da insanabilidade das falhas:

No que toca à insanabilidade das irregularidades, a inobservância da Lei de Responsabilidade Fiscal, segundo compreensão do Tribunal Superior Eleitoral, consiste em irregularidade insanável, apta a ensejar a inelegibilidade de que trata o art. 1º, inc. I, al. “g”, da Lei Complementar n. 64/90.

Nesse sentido, encontram-se diversos julgados segundo os quais “o descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal são irregularidades insanáveis e constituem, em tese, ato doloso de improbidade administrativa, que ensejam a incidência da inelegibilidade descrita no art. 1º, inc. I, al. ”g”, da LC n. 64/90.” (Recurso Especial Eleitoral n. 29217, Acórdão, Relator Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data: 28.11.2016).

No mesmo sentido os precedentes AgR-RO 1782-85, rel. Min. Luiz Fux, PSESS em 11.11.2014; REspe 325-74, rel. Min. Henrique Neves da Silva, PSESS em 17.12.2012; e AgR-REspe 165-22, rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 8.9.2014.

[…]

Assim, conforme a Instrução Técnica Final vinculada ao Processo n. 04506-02.00/12-0 (ID 9256433) do Tribunal de Contas do Estado, concluiu-se que “o Executivo não atendeu aos preceitos inscritos no art. 42 da LC Federal nº 101/2000, tendo em vista que não há suficiente disponibilidade financeira para as despesas empenhadas nos últimos dois quadrimestres do mandato, nos recursos relacionados na tabela acima, que não foram pagas dentro do mesmo.”

O mesmo documento explicita: “(…) observa-se a existência de disponibilidades financeiras para a cobertura dos Restos a Pagar, no exercício de 2008, e uma Insuficiência Financeira de R$ 980.538,97, no encerramento de 2012, demonstrando uma situação de DESEQUILÍBRIO FINANCEIRO durante esta gestão. Assim, conclui-se pelo não atendimento do disposto no § 1º do art. 1º da LC Federal nº 101/2000.”

O que se nota, portanto, é que o requisito referente à insanabilidade das irregularidades foi devidamente preenchido, visto que o recorrido, enquanto gestor municipal, deixou de observar regras fundamentais da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Segundo o embargante, a compreensão de que o “descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal” constitui irregularidade insanável não sinaliza entendimento jurisprudencial, existindo apenas uma única decisão nesse sentido.

Não lhe assiste razão.

O próprio trecho destacado pela transcrição do acórdão embargado lista os julgados alinhados ao entendimento deste relator: (1) Recurso Especial Eleitoral n. 29217, Acórdão, Relator Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data: 28.11.2016); (2) AgR-RO 1782-85, rel. Min. Luiz Fux, PSESS em 11.11.2014; (3) REspe 325-74, rel. Min. Henrique Neves da Silva, PSESS em 17.12.2012; e (4) AgR-REspe 165-22, rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 8.9.2014.

Quanto à afirmação de que não se pode presumir a competência da Justiça Eleitoral para a análise da configuração da ocorrência de improbidade administrativa, a decisão combatida também foi clara em seus argumentos. Vejamos:

Ressalto que a norma não prescreve a existência de condenação específica por ato de improbidade administrativa, não sendo sequer necessário que tenha havido processo judicial objetivando tal condenação.

Dessa forma, o reconhecimento da condição é de competência da Justiça Eleitoral.

Não se trata de nova apreciação das contas do administrador público, já julgadas pelo órgão competente. Cabe, na realidade, à Justiça Eleitoral, a partir dos fundamentos empregados no julgamento das contas, verificar se os atos que levaram à desaprovação configuram irregularidade insanável decorrente de ato doloso de improbidade.

Na doutrina, Rodrigo López Zílio:

A tarefa de aferir se as contas rejeitadas, reputadas insanáveis, têm o condão de apresentar nota de improbidade, gerando restrição ao direito de elegibilidade do administrador público, é da própria Justiça Eleitoral, nos autos da AIRC ou RCED (se matéria de cunho superveniente). Portanto, é a Justiça Eleitoral quem, analisando a natureza das contas reprovadas, define se a rejeição apresenta cunho de irregularidade insanável, possuindo característica de nota de improbidade (agora, dolosa) e, assim, reconhece o impeditivo à capacidade eleitoral passiva. O julgador eleitoral deve necessariamente partir da conclusão da Corte administrativa sobre as contas apreciadas, para definir a existência da irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade, de modo a caracterizar inelegibilidade. (Direito Eleitoral. 6ª ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2018, págs. 263-264.)

Ainda, além disso, como assentado pelo Tribunal Superior Eleitoral, embora não vinculativo, o parecer prévio do Tribunal de Contas é condição de procedibilidade para o julgamento das contas do Chefe do Poder Executivo local pela Câmara Municipal e ao severo juízo da presença da inelegibilidade do art. 1º, inc. I, al. “g”, da LC n. 64/90, como colho do seguinte precedente:

(...)

Assim, não há se falar em pontos obscuros na decisão embargada, tanto nas questões suscitadas acima quanto nos supostos fatos novos alegados pelo embargante, visto que escapa da finalidade dos embargos a discussão sobre o acerto ou desacerto do valor apurado nas contas de gestão que estão sob análise da Justiça Comum (Processo n. 70076368711- 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul), assim como acerca da preferência do eleitorado do município que “elegeu” o embargante por 48,21% dos votos válidos.

No aspecto, ressalto que a documentação atrelada ao aludido feito e agora colacionada pelo embargante – parecer técnico da Unidade de Assessoramento Contábil do Ministério Público do Rio Grande do Sul (GAT) – foi trazida em petição protocolizada em 19/11/2020 (ID 11375833), a título de complementação dos Embargos de Declaração, posteriormente ao protocolo dos aclaratórios (em 14/11/2020 - ID 11096633). De qualquer sorte, há fato objetivo incontroverso, que consiste na ausência de decisão judicial meritória na demanda acima identificada (ID 11375833).

Mas não é só.

Em verdade, o raciocínio a que o embargante pretende levar esta Corte, a partir da juntada do parecer técnico do GAT naqueles autos, não condiz com a realidade.

Isso porque, ao contrário do afirmado pelo embargante, em nenhum momento “a equipe técnica do ministério público menciona de forma conclusiva que após análise dos documentos constantes do processo, restou o montante empenhado e não pago, caracterizado como restos a pagar, a monta de R$ 15.244,28 (quinze mil e duzentos e quarenta e quatro reais e vinte e oito centavos) e não mais a quantia anteriormente em tese apurada de quase um milhão de reais”. Inclusive, da leitura do seu relatório, infere-se que o parecer técnico considera a inexistência de insuficiência financeira no encerramento do exercício de 2012 no valor de R$ 980.539,97 (novecentos e oitenta mil, quinhentos e trinta e nove reais e noventa e sete centavos), demonstrando uma situação de DESEQUILÍBRIO FINANCEIRO.

O apontamento técnico do GAT é individuado e revela a possibilidade de mais uma grave irregularidade cometida pelo gestor público, consistente na compra de cestas natalinas, mediante empenho, sem a contrapartida do pagamento, culminando com a inscrição de restos a pagar da quantia de R$ 15.244,28 (quinze mil, duzentos e quarenta e quatro reais e vinte e oito centavos), verbis (ID 11375933): 


A partir dos critérios expostos, identificou-se a realização de compra, ordenada pelo Prefeito Municipal Amauri Germano, de cestas natalinas mediante Notas de Empenhos 9443/2012 (fl. 149), 9478/2012 (fl. 152), 9447/2012 (fl. 155), 9479/2012 (fl. 158) e 9482/2012 (fl. 165), emitidas data de 17/12/2012, junto ao credor Josiane de Oliveira, pelo valor de R$ 15.244,28. Deste montante empenhado, nenhum pagamento foi realizado até 31/12/2012, sendo procedida a inscrição de restos a pagar processados no montante de R$ 15.244,28, conforme Notas de Empenhos identificadas a seguir:
[…]
Na data do nascimento da referida obrigação (17/12/2012), tal despesa de caráter novo não dispunha de disponibilidade de caixa para sua cobertura. Conforme cálculo projetado com base no último mês de fechamento anterior à assunção da despesa (30/11/2012), verifica-se uma disponibilidade de caixa projetada negativa para a data de 31/12/2012, conforme segue:
[…]
Considerando a posição do nascimento das obrigações elencadas (compra de cestas natalinas), a disponibilidade de caixa projetada para o final do exercício de 2012 era negativa, o que impedia a referida nova assunção de despesa. A situação da insuficiência de caixa ao final do exercício financeiro podia ser visualizada nos balancetes contábeis do mês anterior ao da contratação pelo Gestor, mas mesmo assim a despesa foi realizada. Portanto, o Prefeito Municipal de Capão da Canoa, ordenou e autorizou a assunção de obrigações, dentro do período referente aos dois últimos quadrimestres de seu mandato, cujas despesas não podiam ser pagas no mesmo exercício financeiro, dada a insuficiente disponibilidade de caixa.
É o que cumpre informar.

 

Logo, não se verifica a alegada obscuridade, dada a ausência de pontos confusos a serem explicados em sede de aclaratórios.

Ressalto, por fim, que a pretensão exposta ao longo do presente voto demonstra o inconformismo da parte com o resultado desfavorável à sua demanda e a tentativa de rejulgamento da causa.

Na linha da reiterada jurisprudência, a investida, ainda que disfarçada, de rediscussão da matéria não encontra abrigo nesta espécie recursal.

Cumpre consignar, ainda, que os embargos de declaração têm como finalidade específica esclarecer obscuridade ou contradição, sanar omissão ou corrigir erro material existente na decisão judicial, consoante expressamente dispõe o art. 1.022 do Código de Processo Civil.

Vícios não verificados no acórdão embargado.

Diante do exposto, VOTO pela rejeição dos embargos declaratórios opostos por AMAURI MAGNUS GERMANO, nos termos da fundamentação.