REl - 0600406-04.2020.6.21.0090 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/11/2020 às 16:00

VOTO

Admissibilidade

O recurso é tempestivo e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, motivo pelo qual dele conheço.

Preliminares

Da juntada de novos documentos com o recurso

Destaco a possibilidade excepcional de que, em recursos que versem sobre registro de candidatura, a parte apresente documentos. A posição, decorrente de jurisprudência do TSE (v.g. AgRg em RESPe n 128166, julgado em 30.9.2017, Rel. Min. LUIZ FUX), guarda coerência sistêmica, sobretudo porque, em primeiro grau de jurisdição, o requerimento de registro de candidatura é considerado expediente de natureza eminentemente administrativa – ou seja, o recurso em RCAND é, a rigor, o primeiro momento de produção de prova em ambiente jurisdicional propriamente dito.

A preliminar de cerceamento de defesa por nulidade da citação não merece prosperar, tendo em vista que o recorrente apresentou efetiva e tempestivamente a contestação, não ocorrendo prejuízo à defesa.

Ainda, a impugnação ao registro de candidatura tem regras próprias, disciplinadas pela legislação eleitoral e suas respectivas resoluções, não sendo o caso de aplicação subsidiária do Código de Processo Civil.

Também não deve ser acolhida a alegação de ausência de causa de pedir.

O recorrente argumentou que foram juntadas diversas certidões criminais negativas demonstrando a regularidade para o registro. No entanto, a impugnação ao pedido de registro de candidatura está prevista na Lei Complementar n. 64/90, art. 3º, caput, não estando condicionada à juntada de certidões.

Da mesma forma, não prospera a alegação de inépcia da inicial.

O recorrente argumenta a ausência de documentos a comprovar os fatos narrados na impugnação. Aqui, estou de acordo com o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral de que a matéria está preclusa, pois deveria ter sido arguida em sede de contestação. Ainda assim, analisada a documentação apresentada, entendo não ter sido causado prejuízo à defesa, pois demonstrado que a impugnação versava sobre causa de inelegibilidade por crime contra o patrimônio, tendo sido plenamente informado o processo no qual ocorrida a condenação.

Nesse sentido, conforme bem salientado pela Procuradoria Regional Eleitoral, é de se notar que o próprio impugnado acostou aos autos cópia integral da ação penal na qual condenado, inclusive com a decisão extintiva da punibilidade, marco inicial da contagem do prazo de inelegibilidade.

Passo ao mérito.

Mérito

Cuida-se de apreciar o indeferimento do Requerimento de Registro de Candidatura subjacente, por força de condenação, transitada em julgado, pela prática de crime contra o patrimônio e, via reflexa, acaso confirmada, a eventual inelegibilidade do recorrente.

Assim é que, conforme a Lei Complementar n. 135/10 (Lei da Ficha Limpa), a inelegibilidade não detém natureza jurídica de pena/sanção, tratando-se apenas de condição para que o cidadão possa ocupar cargos eletivos da maior relevância para a sociedade, visando proteger e assegurar a própria legitimidade do sistema democrático e a probidade administrativa, nos termos do art. 14, § 9º, da Constituição Federal.

Nessa esteira, as condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura (Lei n. 9.504/97, art. 11, § 10).

As hipóteses de inelegibilidade previstas na LC n. 135/10, assim, estendem-se às situações configuradas antes de sua entrada em vigor – não se tratando de dar aplicação retroativa à lei, porquanto essa está sendo aplicada em registros de candidaturas posteriores à sua entrada em vigor.

Colho da jurisprudência do TSE e deste Tribunal:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO. NEGATIVA DE SEGUIMENTO. REGISTRO DE CANDIDATURA. DEPUTADO ESTADUAL. INDEFERIMENTO. CONDENAÇÃO. DECISÃO COLEGIADA. SONEGAÇÃO FISCAL. CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CONFIGURAÇÃO. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I,"E", 1, DA LC Nº 64/90. INCIDÊNCIA. PRECEDENTES. FUNDAMENTOS. DECISÃO RECORRIDA. NÃO IMPUGNAÇÃO. SÚMULA Nº 26/TSE. DESPROVIMENTO.

[…] 3. No que se refere à controvérsia acerca da constitucionalidade dos preceitos normativos introduzidos pela LC nº 135/2010 e da possibilidade de as regras desse instrumento normativo atingirem fatos pretéritos, sem que isso vulnere a irretroatividade das leis, a questão já foi amplamente debatida no âmbito do Supremo Tribunal Federal, bem como por este Tribunal Superior Eleitoral. Na oportunidade, aquela Egrégia Suprema Corte, ao julgar conjuntamente as ADCs nº 29 e 30, assentou que: a) a inelegibilidade não tem natureza jurídica de sanção, mas de requisito negativo de adequação do indivíduo ao regime jurídico – constitucional e legal – do processo eleitoral; e b) as regras introduzidas e alteradas pela LC nº 135/2010 podem ser aplicadas a fatos anteriores a sua introdução no ordenamento eleitoral, sem que isso ofenda a coisa julgada ou a segurança jurídica. Precedentes.

[...]

(Recurso Ordinário n. 060069278.2018.6.12.0000, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data: 11.12.2018.) (Grifo nosso)

 

REGISTRO DE CANDIDATURA. DEPUTADO ESTADUAL. ELEIÇÕES 2018. IMPUGNAÇÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL. HIPÓTESE DE INELEGIBILIDADE PREVISTA NO ART. 1º, INC. I, AL. “E”, “7”, DA LEI COMPLEMENTAR N. 64/90. APLICAÇÃO DAS INELEGIBILIDADES INTRODUZIDAS PELA LEI COMPLEMENTAR N. 135/10 AOS FATOS COMETIDOS ANTERIORMENTE À VIGÊNCIA DA NOVA LEI. PRECEDENTE DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. CONDUTA QUE ATRAI A INCIDÊNCIA DA INELEGIBILIDADE. AUSÊNCIA DE CONDIÇÃO DE REGISTRABILIDADE. PROCEDÊNCIA DA IMPUGNAÇÃO. INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE CANDIDATURA.

1. Entendimento do Supremo Tribunal Federal no sentido de que as inelegibilidades introduzidas pela Lei Complementar n. 135/10 podem ser aplicadas aos fatos cometidos anteriormente à vigência do novo diploma normativo, sem que importe em violação ao princípio da irretroatividade da lei. Decisão proferida em sede de controle concentrado que, por força do que prevê o art. 102, § 2º, da Constituição Federal, possui efeito vinculante e erga omnes.

2. Condenação pelo crime previsto no art. 33 da Lei n. 11.343/06, circunstância que atrai a inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, al. "e", "7", da Lei Complementar n. 64/90, projetada por oito anos após o cumprimento da pena.

3. Além da inelegibilidade, o interessado deixou de apresentar as certidões narratórias dos registros positivos constantes na Certidão Judicial do Tribunal de Justiça/RS de Distribuição Criminal de 2º grau, condições de registrabilidade.

4. Procedência da impugnação e indeferimento do registro de candidatura.

(TRE-RS Registro de Candidatura n. 0601531-54, Relator Des. Federal João Batista Pinto Silveira, Publicado em Sessão, Data: 12.9.2018.) (Grifo nosso)

 

Nessa ordem de ideias, o regramento aplicável ao caso está previsto no art. 14, § 9º, da Constituição Federal, c/c o art. 1º, inc. I, al. “e”, da LC n. 64/90, com a redação dada pela Lei Complementar n. 135/10:

LC n. 64/90:

Art. 1.º São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes: (Redação dada pela Lei Complementar n.º 135, de 2010)

[...]

2. contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência (Incluído pela Lei Complementar n. 135, de 2010);

(Grifei.)

Significa dizer que, em tais hipóteses, estará configurada a inelegibilidade dos condenados em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, ao encontro, aliás, da Súmula n. 61 do Tribunal Superior Eleitoral:

O prazo concernente à hipótese de inelegibilidade prevista no art. 1.º, I, e, da LC n. 64/90 projeta-se por oito anos após o cumprimento da pena, seja ela privativa de liberdade, restritiva de direito ou multa.

Prossigo.

No caso concreto, o recorrente PAULO HENRIQUE FERREIRA LIMA, pretenso candidato ao cargo de vereador pelo Partido Social Liberal (PSL), no Município de Guaíba, foi condenado no Processo n.052/2.07.0002851-4, da 1ª Vara Criminal de Guaíba, pelo delito previsto no art. 180 do Código Penal, à pena de um ano e três meses de reclusão.

Primeiramente, não há dúvidas de que o delito em testilha enquadra-se na hipótese de incidência da lei das inelegibilidades, eis que o crime de receptação praticado pelo recorrente, previsto no art. 180 do Código Penal, está inserto no “Título II – Dos Crimes contra o Patrimônio” do Código Penal.

Em segundo lugar, foi satisfatoriamente demonstrado que a decisão extintiva da punibilidade ocorreu na data de 9.9.2014, com trânsito em julgado em 3.10.14, conforme cópia juntada no ID 9671833, tendo sido certificado pelo Oficial Ajudante o cumprimento integral das penas alternativas em 26.8.2014 (ID 9671783).

Logo, como se vê, o recorrente está inelegível até o ano de 2022, mostrando-se, pois, inapto a concorrer no pleito que se dará no mês corrente.

Outra não é a linha de raciocínio do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral (ID 10634483):

O requerente encontra-se inelegível, haja vista que, nos autos do processo nº 052/2.07.0002851-4 (CNJ nº 0028512-31.2007.8.21.0052), que tramitou na 1ª Vara Criminal de Guaíba/RS, foi condenado pelo crime de receptação (crime contra o patrimônio privado), à pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de reclusão (ID9668783).

A referida pena foi extinta em 03.10.2014. (Certidão Narratória Crime expedida pela Vara de Execuções Criminai da Comarca de Guaíba_ID 9671833, fl.3).

Como se vê, o(a) recorrente permanecerá inelegível até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, ou seja até 03.10.2022.

E, por fim, embora o recorrente alegue ter sido beneficiado por indulto natalino no ano de 2011 (Decreto n. 7648/11), tal fato não deu causa à extinção da punibilidade, visto que a pena continuou a ser cumprida até o ano de 2014.

Ademais, a jurisprudência é pacífica no sentido de que o indulto não equivale ao instituto da reabilitação criminal para fins de afastar a inelegibilidade, a exemplo do seguinte julgado paradigma:

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. INDULTO PRESIDENCIAL. CONDENAÇÃO CRIMINAL. ANOTAÇÃO. CADASTRO ELEITORAL. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO.

1. O indulto presidencial não equivale à reabilitação para afastar a inelegibilidade decorrente de condenação criminal, o qual atinge apenas os efeitos primários da condenação a pena, sendo mantidos os efeitos secundários.

2. Havendo condenação criminal hábil, em tese, a atrair a inelegibilidade da alínea e do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90, não há ilegalidade no lançamento da informação nos assentamentos eleitorais do cidadão (art. 51 da Res.-TSE nº 21.538/2003).

3. A teor da jurisprudência do TSE, as condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade são aferíveis no momento do registro de candidatura, sendo inoportuno antecipar juízo de valor sobre a matéria fora daquela sede.

4. Recurso ordinário a que se nega provimento.

(TSE – Recurso em Mandado de Segurança n. 150-90, Relatora. Ministra Luciana Christina Guimarães Lóssio, DJE 28.11.2014.) (Grifei.)

De outro lado, não cabe adentrar na análise do preenchimento dos requisitos para concessão de indulto, ou mesmo do acerto de questões relacionadas à pena e que estariam sendo discutidas perante o Juízo da Execução Criminal, porquanto se trata de matéria de competência daquela jurisdição. No mesmo sentido, a Súmula n. 41 do TSE:

Não cabe à Justiça Eleitoral decidir sobre o acerto ou desacerto das decisões proferidas por outros Órgãos do Judiciário ou dos Tribunais de Contas que configurem causa de inelegibilidade.

Portanto, dentro desse contexto, a sentença não deve ser reformada.

Diante do exposto, afastada a matéria preliminar, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo a sentença que indeferiu o requerimento de registro de candidatura de PAULO HENRIQUE FERREIRA LIMA ao cargo de vereador, pelo Partido Social Liberal (PSL), nas eleições de 2020, no Município de Guaíba.