REl - 0600286-83.2024.6.21.0004 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/06/2025 às 16:00

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso. 

No mérito, cuida-se de recurso eleitoral de LINDOMAR PAZ PEREIRA que postula a reforma da sentença que desaprovou contas referentes às Eleições Municipais de 2024 e determinou o recolhimento de R$ 2.500,00 ao Tesouro Nacional, em virtude da ausência de comprovação das despesas efetuadas com recursos oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC. 

A controvérsia posta nos autos cinge-se à análise da ausência de identificação do beneficiário do pagamento relacionado à despesa de R$ 2.500,00, em 25.9.2024, reflexo do pagamento declarado como em favor de Ademir Jorge Sipp ter se efetivado por meio de cheque nominal e não cruzado. 

Em suas razões recursais, o recorrente sustenta que a falha é formal e não compromete a transparência das contas, tendo sido esclarecida a destinação do pagamento mediante juntada de documentos durante a instrução. 

Sobre o não cruzamento dos cheques, é incontroverso que houve o descumprimento da regra prevista no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, que determina: 

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de: 

I - cheque nominal cruzado; 

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ da beneficiária ou do beneficiário; 

III - débito em conta; (Redação dada pela Resolução nº 23.665/2021) 

IV - cartão de débito da conta bancária; ou (Redação dada pela Resolução nº 23.665/2021) 

V – Pix. (Redação dada pela Resolução nº 23.731/2024) 

 

Assim, a questão a ser examinada é se essa irregularidade afetou os princípios da transparência, fiscalização e rastreabilidade da conta, especialmente porque se trata de verba de natureza pública (FEFC). 

O exame dos documentos acostados aos autos permite aferir, de maneira inequívoca, a correta destinação dos recursos. 

Durante a instrução em primeira instância, o recorrente apresentou a cópia do cheque nominal ao fornecedor Ademir Jorge Sipp, o qual foi devidamente endossado pelo contratado (ID 45840481). 

Este Tribunal já analisou o tema em eleições anteriores, concluindo por flexibilizar as exigências normativas e afastar a determinação de recolhimento de valores ao erário ante a apresentação da microfilmagem de cheque nominal e não cruzado que, embora sacado na “boca do caixa”, está subscrito no verso pela parte contratada (endosso em branco), de modo a confirmar o seu efetivo recebimento e legítima circulação. Nesse sentido, destaco os seguintes julgados: 

DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2024. RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. CHEQUES NOMINAIS NÃO CRUZADOS. MICROFILMAGEM COM ENDOSSO EM BRANCO. afastado o dever de recolhimento. mantida a desaprovação. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.  

I. CASO EM EXAME  

1.1. Recurso eleitoral interposto por candidata, eleita ao cargo de vereadora, contra sentença que desaprovou suas contas relativas às eleições de 2024 e determinou o recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia irregular, correspondente a despesas custeadas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC, sob fundamento de descumprimento do art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19.  

1.2. A recorrente alegou que os pagamentos foram realizados de forma regular, com emissão de cheques nominais e apresentação de microfilmagens dos títulos com endosso, sustentando a transparência e a rastreabilidade das operações.  

II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO  

2.1. Há duas questões em discussão: (i) saber se a emissão de cheques nominais não cruzados, com endosso e microfilmagem, compromete a transparência exigida pela norma eleitoral; (ii) saber se, diante da demonstração da correta destinação dos valores, é possível afastar a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional.  

III. RAZÕES DE DECIDIR  

3.1. O art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19 determina que os gastos eleitorais de natureza financeira, salvo as exceções previstas na norma, devem ser efetuados por cheque nominal cruzado, transferência bancária identificada, débito em conta, cartão de débito da conta bancária ou Pix. O objetivo da exigência é assegurar a rastreabilidade das transações e permitir a fiscalização pela Justiça Eleitoral.  

3.2. No caso concreto, embora os cheques não tenham sido cruzados, restou demonstrado que foram nominais e endossados pelo contratado, sendo apresentadas suas microfilmagens e notas fiscais correspondentes. 3.3. A jurisprudência do TRE-RS tem admitido a flexibilização da exigência formal quando comprovada, de forma segura, a regularidade da despesa e a efetiva quitação ao beneficiário, afastando-se a penalidade de devolução ao erário, com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.  

3.4. Ainda que afastada a devolução dos valores, subsiste falha formal, justificada a manutenção da desaprovação das contas, ante o percentual significativo da irregularidade (41,55% dos recursos arrecadados).  

IV. DISPOSITIVO E TESE  

4.1. Recurso parcialmente provido, para afastar a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional. Mantida a desaprovação das contas. Tese de julgamento: "A apresentação de microfilmagem de cheque nominal não cruzado, com endosso em branco pelo beneficiário, e documentação fiscal correlata, pode afastar a penalidade de devolução de valores ao erário, embora configure falha formal capaz de ensejar a desaprovação das contas, diante da inobservância ao art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19." Dispositivos relevantes citados: Resolução TSE n. 23.607/19, art. 38, inc. I. Jurisprudência relevante citada: TRE-RS, PCE n. 0602152-12.2022.6.21.0000, Rel. Des. Caetano Cuervo Lo Pumo, j. 29.02.2024; TRE-RS, PCE n. 06028589220226210000, Rel. Des. Volnei dos Santos Coelho, j. 01.8.2024; TRE-RS, ED na PCE n. 060329621, Rel. Des. Patricia Da Silveira Oliveira, j. 25.9.2023. 

(TRE-RS; RECURSO ELEITORAL n. 060029357, Acórdão, Relator: Des. Mario Crespo Brum, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 28/05/2025) (Grifei.) 

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO. CARGO DE DEPUTADO ESTADUAL. JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS. DOCUMENTAÇÃO QUE DISPENSA ANÁLISE TÉCNICA. PRECEDENTES DESTA CORTE. ADMISSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA REGULAR UTILIZAÇÃO DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. CHEQUES NOMINAIS E NÃO CRUZADOS. DÉBITOS BANCÁRIOS SEM IDENTIFICAÇÃO DO FORNECEDOR. OFERECIMENTO DE PROVA IDÔNEA E SEGURA ACERCA DO DESTINO DOS RECURSOS. ENDOSSO DOS TÍTULOS. FALHA SUPERADA PELA EMISSÃO NOMINAL E PELA APOSIÇÃO DE ASSINATURA DO BENEFICIÁRIO NO VERSO DO CHEQUE. ENDOSSO EM BRANCO. DESPESAS SEM DOCUMENTAÇÃO COMPROBATÓRIA DOS DESTINATÁRIOS DOS RECURSOS. INFRINGÊNCIA À NORMA DE REGÊNCIA. RECOLHIMENTO DO VALOR CONSIDERADO IRREGULAR AO TESOURO NACIONAL. BAIXO PERCENTUAL DAS FALHAS. APLICADOS OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. [...]. 3 .2. Falta de cruzamento de cheques nominativos a fornecedores, descontados mediante operação de “saque eletrônico”. Cártulas endossadas em branco pelos beneficiários, constando as respectivas assinaturas e números de CPF no verso. Falha superada pela sua emissão nominal e pela aposição da assinatura do beneficiário no verso dos títulos (endosso em branco). A legislação eleitoral, ao estabelecer as formas de quitação dos gastos eleitorais, não impõe a emissão de cheque não endossável ("não à ordem"), o qual pode ser licitamente transmitido a terceiros, conforme previsto no art. 17 da Lei n. 7.357/85. Embora afastado o dever de recolhimento de quantias ao Tesouro Nacional, subsiste a falha formal por descumprimento do art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23 .607/19, relativamente aos gastos. [...]. 

(TRE-RS - PCE: 0602152-12.2022.6.21 .0000 PORTO ALEGRE - RS 060215212, Relator.: CAETANO CUERVO LO PUMO, Data de Julgamento: 29/02/2024, Data de Publicação: DJE-40, data 06/03/2024) (Grifei.) 

  

Ainda que não tenha sido integralmente observado o comando do art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, os elementos constantes dos autos conferem segurança quanto à destinação dos valores e sobre a regularidade das despesas. 

Assim, no caso concreto, a glosa deve ser afastada ante a cabal demonstração de que a ordem de pagamento vinculada ao contrato com Ademir Jorge Sipp foi disponibilizada ao prestador dos serviços contratado, não havendo de se cogitar em desvio, desvirtuamento ou malversação dos recursos. 

Entretanto, embora afastado o dever de recolhimento de quantias ao Tesouro Nacional, subsiste a falha formal por descumprimento do art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, justificando a aposição de ressalvas sobre a contabilidade, ante a constatação de falha que não lhe compromete a regularidade, na linha de precedente desta Corte Regional (Recurso Eleitoral n. 060028416/RS, Relator: Des. Eleitoral Volnei Dos Santos Coelho, Acórdão de 29.4.2025, publicado no Diário de Justiça Eletrônico n. 77, data 02.5.2025). 

  

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso para aprovar com ressalvas as contas de campanha de LINDOMAR PAZ PEREIRA, com fundamento no art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19, e afastar a determinação de recolhimento de R$ 2.500,00 ao Tesouro Nacional.