REl - 0600270-39.2024.6.21.0034 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/06/2025 às 16:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Preliminarmente, o recorrente, em suas razões, afirma que a sentença recorrida seria genérica, desprovida de análise do caso concreto, em inobservância do art. 489, § 2º, do Código de Processo Civil.

O simples fato de existirem decisões similares, diante da multiplicidade de casos análogos, não implica, por si só, em ausência de fundamentação, desde que a motivação seja pertinente às circunstâncias do caso concreto.

A similitude entre demandas não implica, per se, afronta à motivação exigida pelo art. 93, inc. IX, da Constituição Federal, desde que os elementos essenciais do caso concreto tenham sido efetivamente enfrentados — o que se verifica in casu.

Com efeito, a sentença recorrida enfrentou adequadamente os elementos fáticos e jurídicos próprios e essenciais do presente caso, não incorrendo em uma decisão meramente genérica ou padronizada.

Logo, entendo que a decisão questionada observou os parâmetros legais e constitucionais aplicáveis, estando devidamente fundamentada com a análise das circunstâncias do caso concreto.

Dessa maneira, rejeito a preliminar.

No mérito, LUAN DIEGO BADIA, candidato ao cargo de vereador de Pelotas nas Eleições de 2024, insurge-se contra a sentença que julgou procedente a representação por propaganda eleitoral irregular ajuizada em seu desfavor por MARCIANO PERONDI, condenando o ora recorrente à multa no valor de R$ 5.000,00.

No caso em análise, é incontroverso que LUAN DIEGO BADIA, em sua página na rede social Instagram (https://www.instagram.com/p/DBeXJbRpz0x/?img_index=1 , https://www.instagram.com/p/DBZt3gBSJkV/,   https://www.instagram.com/p/DBeI3JdAfr8/  e https://www.instagram.com/p/DBfQJd7gY2W/) divulgou as seguintes postagens (ID 45800673, fls. 2 a 4):

As publicações tratam do acidente de trânsito em que se envolveu Marciano Perondi, ocorrido no dia 25 de julho de 2024, na BR-116, KM-522, em que Jairo de Oliveira Camargo, de 63 anos, foi vitimado por um atropelamento, vindo, dias depois, a falecer.

Nas postagens impugnadas, o recorrente, dentre outros elementos, afirmou que Marciano Perondi “atropelou e não socorreu”, bem como qualificou o candidato como “assassino Perondi” e como “playboy que mata e foge de carro Land Rover”, sempre com a finalidade incentivar o não voto.

Entretanto, no histórico do registro policial do dia do fato (ID 45800675), consta o seguinte:

Relata o comunicante, policial rodoviário federal que foram acionados pela concessionária da via, Ecosul, para atendimento de acidente de trânsito com lesões corporais onde o veículo qualificado havia atropelado um ciclista, qualificado nesse como vítima. Ao chegar no local foi informado pela equipe do guincho da concessionária que a vítima já havia sido levada para o HPS para atendimento médico; que o motorista do veículo acionou o socorro e na chegada desse seguiu sua viagem deixando foto de sua carteira da ordem dos advogados do Brasil com a equipe da Ecosul que repassou aos policiais rodoviários. Realizado contato telefônico com o motorista e explicada a situação o indivíduo disse que estava com viagem marcada indo em direção a Florianópolis e que não retornaria, que se apresentaria posteriormente mesmo sendo informado acerca do estado gravíssimo do ciclista vítima. Com a colisão desprendeu-se do veículo duas partes do para-lamas que foi apresentado nessa DPPA e apreendido por determinação da autoridade policial. Conforme vestígios apurados na via a colisão ocorreu sob a pista de rolamento no acesso da pista lateral para a via principal da BR 116. A bicicleta da vítima foi levada para o posto da Polícia Rodoviária Federal. (Grifei.)

 

Do mesmo modo, o laudo da Polícia Rodoviária Federal aponta que o condutor do veículo acionou e aguardou o socorro, prestado pelo resgate da concessionária Ecosul, e deixou sua identificação com a equipe da empresa concessionária da via, declarando que se apresentaria posteriormente (ID 45800677), do que não se depreende a aventada fuga do local ou omissão de socorro.

Além disso, não consta nos autos a existência de qualquer inquérito policial instaurado, denúncia ofertada ou decisão judicial que impute a Marciano Perondi o crime de omissão de socorro (art. 135 do CP) ou homicídio culposo (art. 302 do CTB). Tampouco há indícios de que o Ministério Público ou a autoridade policial tenha reconhecido, ainda que em mera tese, a prática de ilícito penal.

A simples divulgação do evento noticiado na imprensa, ainda que verídico em relação ao acidente com vítima fatal, não legitima a veiculação de qualificações de natureza incriminatória, com atribuição de dolo, fuga, omissão de socorro ou intenção homicida, sem respaldo fático seguro e idôneo.

Com o intuito de evitar a difusão de narrativas artificiais e duvidosas, direcionadas a desqualificar candidatos perante o eleitorado, o art. 9º da Resolução TSE n. 23.610/19 prescreve que “a utilização, na propaganda eleitoral, de qualquer modalidade de conteúdo, inclusive veiculado por terceiras(os), pressupõe que a candidata, o candidato, o partido, a federação ou a coligação tenha verificado a presença de elementos que permitam concluir, com razoável segurança, pela fidedignidade da informação”. Contudo, não há evidências de que a precaução contra a desinformação tenha sido adotada pelo candidato recorrente.

Nesse contexto, a publicação extrapola o campo da crítica política e ingressa na seara da desinformação ofensiva à honra, com potencial de manipular a percepção do eleitorado, ao associar o candidato a crimes altamente reprováveis, sem lastro probatório mínimo ou qualquer respaldo empírico confiável.

Nesse sentido é a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2022. REPRESENTAÇÃO. CANDIDATO. PRESIDENTE DA REPÚBLICA. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR NA INTERNET. ALEGADA DIVULGAÇÃO DE FATO SABIDAMENTE INVERÍDICO OU GRAVEMENTE DESCONTEXTUALIZADO. ART. 9º–A DA RES.–TSE Nº 23.610/2019. INDEVIDA ASSOCIAÇÃO DE CANDIDATO A CRIME DE HOMICÍDIO QUE JÁ FOI ELUCIDADO POR DECISÃO JUDICIAL TRANSITADA EM JULGADO. CONTEÚDO JÁ TIDO COMO DESINFORMATIVO E OFENSIVO PELO PLENÁRIO DESTA CORTE. REITERAÇÃO DE PRÁTICA DESINFORMATIVA ÀS VÉSPERAS DA ELEIÇÃO. GRAVIDADE. ORDEM DE REMOÇÃO. LIMINAR DEFERIDA. REFERENDO.

1. A intervenção judicial sobre o livre mercado de ideias políticas deve sempre se dar de forma excepcional e necessariamente pontual, apenas se legitimando naquelas hipóteses de desequilíbrio ou de excesso capazes de vulnerar princípios fundamentais outros, igualmente essenciais ao processo eleitoral, tais como a higidez e a integridade do ambiente informativo, a paridade de armas entre os candidatos, o livre exercício do voto e a proteção da dignidade e da honra individuais.

2. Muito embora a maximização do espaço de livre mercado de ideias políticas e a ampla liberdade discursiva na fase da pré–campanha e também no curtíssimo período oficial de campanha qualifiquem–se como fatores que catalisam a competitividade da disputa e que estimulam a renovação política e a vivacidade democrática, a difusão de informações inverídicas, descontextualizadas ou enviesadas configura prática desviante, que gera verdadeira "falha no livre mercado de ideias políticas", deliberadamente forjada para induzir o eleitor em erro no momento de formação de sua escolha.

3. A desinformação e a desconstrução de figuras políticas a partir de fatos sabidamente inverídicos ou substancialmente manipulados devem ser rapidamente reprimidas pela Justiça Eleitoral, por configurarem verdadeira falha no livre mercado de circulação das ideias políticas, que pode desembocar na indução do eleitor em erro, com comprometimento da própria liberdade de formação da escolha cidadã.

4. A desinformação não se limita à difusão de mentiras propriamente ditas, compreendendo, por igual, o compartilhamento de conteúdos com elementos verdadeiros, porém gravemente descontextualizados, editados ou manipulados, com o especial intento de desvirtuamento da mensagem difundida, com a indução dos seus destinatários em erro.

5. O Plenário desta Corte já assentou que a associação de candidato à presidência da República a determinado crime de assassinato já elucidado por decisão judicial transitada em julgado configura fato sabidamente inverídico e altamente ofensivo, a justificar a remoção dos respectivos conteúdos. Precedentes.

6. A reiteração, às vésperas das eleições, de divulgação de conteúdo expressa e judicialmente já reconhecido como desinformativo e ofensivo é comportamento GRAVE, a impor a IMEDIATA remoção.

7. Liminar concedida referendada.

(TSE - Rp: 06013076220226000000 BRASÍLIA - DF 060130762, Relator: Min. Maria Claudia Bucchianeri, Data de Julgamento: 14/10/2022, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão) (Grifei.)

 

O Pleno deste Tribunal Regional, na avaliação de diversos casos semelhantes, procedentes de Pelotas, tem entendido, de forma majoritária, que a postagem em rede social que faz referência a fato notório e amplamente divulgado pela imprensa, agregando falsamente a imputação de fato tipificado como crime, sem respaldo concreto, não se encontra protegida pela liberdade de manifestação do pensamento, sendo cabível a aplicação da multa prevista no art. 30, § 1º, da Resolução TSE n. 23.610/19:

DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÃO 2024. RECURSO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. INTERNET. IMPUTAÇÃO DE CRIMES SEM DECISÃO JUDICIAL. OFENSA À HONRA E IMAGEM DE CANDIDATO. MULTA. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME

1.1. Recurso interposto por contra sentença que julgou procedente representação por propaganda eleitoral irregular, condenando a recorrente à multa por publicação em redes sociais com conteúdo considerado calunioso e difamatório. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO

2.1. Verificar se a publicação realizada pela recorrente configura propaganda eleitoral irregular com disseminação de desinformação ou ofensa à honra do recorrido.

2.2. Avaliar a adequação da imposição da multa.

III. RAZÕES DE DECIDIR

3.1. A liberdade de expressão, embora assegurada constitucionalmente, encontra limites na legislação eleitoral quando a manifestação compromete a honra e imagem de candidatos, especialmente mediante acusações criminais ainda pendentes de julgamento.

3.2. No caso, a postagem da recorrente, ultrapassa os limites da legislação eleitoral, uma vez que atribuiu ao então candidato, aprioristicamente, a prática do crime de omissão de socorro sem respaldo em qualquer decisão judicial, ou mesmo em mínimos elementos colhidos em fases iniciais relativas à persecução penal.

3.3. A recorrente não se limitou a republicar fatos veiculados pela mídia. Em cima deles, fez comentários altamente depreciativos acerca da postura e pessoa do recorrido, com inequívoca intenção de diminuí-lo e prejudicá-lo frente ao eleitorado, incidindo na limitação prescrita no § 1º do art. 27 da Resolução TSE n. 23.610/19. IV. DISPOSITIVO E TESE

4.1. Recurso desprovido.

Tese de julgamento: “A veiculação de propaganda eleitoral na internet com imputações delituosas sem respaldo em decisão judicial configura divulgação de informação sabidamente inverídica.”

Dispositivos relevantes citados: Lei n. 9.504/97, art. 57-D, § 2º; Resolução TSE n. 23.610/19, arts. 27, § 1º, e 30, § 1º.

Jurisprudência relevante citada: TSE, Rp n. 0601754-50, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJE 28.3.2023; TRE-RS, Rp n. 0600425-26.2024.6.21.0007, Rel. Des. Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DJE 28.11.2024.

RECURSO ELEITORAL nº060027391, Acórdão, Relator(a) Des. Francisco Thomaz Telles, Relator designado(a) Des. Nilton Tavares Da Silva, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 14/04/2025.

 

Assim, correta a fixação da multa pelo juízo a quo no valor de R$ 5.000,00, mínimo legal prevista para a hipótese.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.