REl - 0600774-78.2024.6.21.0023 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/06/2025 às 16:00

VOTO

ADMISSIBILIDADE

O recurso é tempestivo. A intimação da sentença foi publicada no Mural Eletrônico da Justiça Eleitoral em 26.11.2024, e o recurso teve sua interposição na data de 29.11.2024.

Estão igualmente presentes os demais pressupostos recursais ínsitos a tramitação processual.

Destarte, conheço do recurso.

Passo à análise da preliminar de perda superveniente do objeto suscitada pelos recorridos nas contrarrazões apresentadas.

 

PRELIMINAR

JOELSON ANTÔNIO BARONI, RODOLFO ANTÔNIO BURMANN e FÁBIO JOSÉ MOREIRA suscitam, em suas contrarrazões, a perda superveniente do objeto da presente ação, sob argumento de que os ora recorridos não foram eleitos no pleito de 2024.

Ocorre que, diferente do alegado, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral firmou–se no sentido de que o término do mandato não acarreta a perda superveniente do objeto da ação de investigação judicial eleitoral, subsistindo o interesse na aplicação de inelegibilidade:

 

“A AIJE possui um objeto duplo e independente, uma vez que, em paralelo com um provimento com carga desconstitutiva (cassação do registro ou diploma), também se busca uma decisão de caráter positivo, destinada à criação de uma situação jurídica limitadora da capacidade eleitoral passiva. Assim sendo, embora, como regra, ambas as consequências caminhem em compasso, a impossibilidade prática do primeiro provimento não inviabiliza, por si, a entrega jurisdicional concernente à inabilitação política.” (AgR–AgR–RO n. 5376–10/MG, Relator o Ministro Edson Fachin, DJe 13.3.2020)

 

Dessa forma, tenho por subsistir, na espécie, o interesse de agir na prestação jurisdicional, expresso pelo binômio necessidade/utilidade.

Portanto, rejeito a preliminar de perda superveniente do objeto e passo ao exame do mérito do recurso.

 

MÉRITO

Inicialmente, importa destacar que a AIJE ensejadora do recurso em tela, julgada improcedente na conformidade da sentença a quo, foi manejada em razão de suposto abuso de poder político e econômico, de prática de conduta vedada (nomeação de servidores durante o período proibido) e de captação ilícita de sufrágio (distribuição indiscriminada de bens com intuído de se conseguir o voto do beneficiado).

Em suas razões recursais, a Coligação recorrente enfatiza a potencialidade de a conduta inquinada influenciar o resultado da eleição, tendo em vista que se trata de município de pequeno porte, no qual “qualquer conduta irregular… tende a ter impacto relevante”.

Assim, impende não perder de vista as disposições normativas atinentes à matéria controvertida nestes autos.

Em tal senda, mister referir que a lei das Eleições, Lei n. 9.504/97, em seu art. 41-A, estabelece que a captação ilícita de sufrágio ocorre quando o candidato doa, oferece, promete ou entrega ao eleitor bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza com o objetivo de obter o voto, sendo desnecessário o pedido explícito de voto, bastando a evidência do dolo específico.

Outrossim, a caracterização de condutas como abuso de poder político e econômico, nos termos do art. 22, inc. XVI, da LC n. 64/90, exige demonstração da gravidade das circunstâncias dos atos impugnados, independentemente de sua potencialidade para alterar o resultado do pleito:

 

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

(...)

XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

 

Com efeito, para a configuração do ato abusivo no contexto eleitoral, não é considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas sim a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

Isso significa que, para que um ato seja considerado abusivo, não é necessário demonstrar que ele teve a capacidade de mudar o resultado do pleito. O foco está na gravidade do ato em si e nas circunstâncias que o cercam.

De tal modo, a avaliação da gravidade das circunstâncias envolve uma análise detalhada dos fatos e das evidências apresentadas, garantindo que a decisão seja baseada em dados concretos e não em suposições ou generalizações.

Neste sentido, conforme apontado no decisum do magistrado de Primeiro Grau e em linha com o parecer da sempre diligente Procuradoria Regional Eleitoral, não há na AIJE proposta pela Coligação ora recorrente prova da gravidade dos atos indicados para influenciar a lisura do pleito, porquanto previsto no art. 22, inc. XVI, da LC n. 64 /90.

Ademais, impende registrar que a Lei n. 9.504/97, tratando acerca das condutas vedadas aos agentes públicos, em seu art. 73, dispõe no sentido de que:

 

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

[...]

V - nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados:

a) a nomeação ou exoneração de cargos em comissão e designação ou dispensa de funções de confiança;

[...]

§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.      (Incluído pela Lei nº 11.300, de 2006)

 

Em tal senda, no tocante às contratações no período vedado, os recorridos demonstraram, por meio dos respectivos decretos (ID 45867482), que foram referentes a cargos em comissão, hipótese, conforme acima destacado, expressamente permitida ante a ressalva instituída pela al. “a” do inc. V do art. 73 da Lei das Eleições.

Ainda, tais contratações estavam amparadas em programa social em vigência há mais de 20 anos no Município, constando na Lei Municipal n. 1.182/99, que criou o “Programa de Frentes de Trabalho”, que seria coordenado pela Secretaria Municipal de Saúde, Trabalho e Ação Social, prevendo a possibilidade de contratação de até cinquenta trabalhadores, integrantes da população desempregada do Município, visando a proporcionar ocupação e renda.

Embora houvesse motivos que justificassem o processamento da AIJE visto o número considerável de nomeações realizadas durante o período vedado, e de eventual falta de transparência nos critérios claros de seleção e de relevante interesse público, não restou suficientemente demonstrada que tais situações possuíssem o condão de moldar-se à prática de conduta vedada ou abusiva do ponto de vista de exercício do poder político ou econômico.

Quanto à distribuição de bens (cestas básicas e materiais de construção), embora a sentença reconheça a fragilidade da documentação comprobatória do recebimento dos bens pelos beneficiários, como a falta de assinatura do responsável, restou comprovado que tais ações derivaram de programa social instituído pela Lei Municipal n. 2.213/21, com execução orçamentária anterior ao ano eleitoral, adequando-se à exigência insculpida no § 10 do art. 73 da Lei das Eleições, destacando, a propósito, o parecer do eminente Procurador Eleitoral, que “essa constatação não significa que tenha havido indiscriminada distribuição de bens e, o que poderia configurar captação ilícita de sufrágio”.

Outrossim, importa assinalar que a jurisprudência do TSE exige prova robusta da finalidade eleitoreira para configuração de abuso de poder e de captação ilícita de sufrágio, sobretudo, pelo preenchimento dos seguintes requisitos: (a) a realização de quaisquer das condutas enumeradas pelo dispositivo – doar, oferecer, prometer ou entregar bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza a eleitor, inclusive emprego ou função pública; (b) o dolo específico de obter o voto do eleitor; (c) a participação ou anuência do candidato beneficiado; e (d) a ocorrência dos fatos desde o registro da candidatura até o dia da eleição.

Neste sentido, trago à colação o seguinte precedente daquele  superior, cuja detalhada ementa encontra-se assim redigida:

 

ELEIÇÕES 2018. RECURSOS ORDINÁRIOS. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. AIJE. ABUSO DE PODER. DEPUTADO ESTADUAL. IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM. AUSÊNCIA DE PROVAS ROBUSTAS. NEGADO PROVIMENTO AOS RECURSOS ORDINÁRIOS. 1. Segundo a firme jurisprudência deste Tribunal, para configurar a captação ilícita de sufrágio, fundada no art. 41–A da Lei nº 9.504/1997, devem estar presentes os seguintes requisitos: (a) a realização de quaisquer das condutas enumeradas pelo dispositivo – doar, oferecer, prometer ou entregar bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza a eleitor, inclusive emprego ou função pública; (b) o dolo específico de obter o voto do eleitor; (c) a participação ou anuência do candidato beneficiado; e (d) a ocorrência dos fatos desde o registro da candidatura até o dia da eleição. Precedentes. 2. Na linha da jurisprudência deste Tribunal Superior, os requisitos para a configuração da prática de captação ilícita de sufrágio devem ser comprovados nos autos por robusto conjunto probatório, sobretudo porque a procedência da ação implica a cassação do registro ou do mandato do representado, além de lhe ser aplicada multa, sem prejuízo, ainda, de que, reflexamente, incida a inelegibilidade do art. 1º, I, j, da LC nº 64/1990. 3. De pronto, ressalta–se a validade dos elementos de prova oriundos da busca e apreensão – regularmente autorizada na fase investigativa –, notadamente o laudo pericial elaborado pela Polícia Federal acerca dos dados contidos nos celulares apreendidos, tendo em vista a natureza cautelar da referida prova, a qual se submete ao contraditório diferido, a ser realizado apenas na fase judicial. Nesse sentido: RHC nº 0600025–11/RO, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 3.2 .2022. 4. Entretanto, embora tenha havido a apreensão de documentos com dados pessoais de supostos eleitores e de dinheiro em espécie no interior do veículo de um dos cabos eleitorais da candidata, logo após deixar uma reunião política de apoio à candidata investigada, as demais conclusões do inquérito policial no sentido da prática do ilícito não foram confirmadas em Juízo. Na instrução do feito, não houve a oitiva dos servidores do MPE que participaram da busca e apreensão, do cabo eleitoral que estava em posse dos documentos relacionados ao ilícito, dos eleitores supostamente corrompidos ou, ainda, de quaisquer outras provas capazes confirmar o que apurado na fase inquisitorial . 5. Não são admitidos como prova depoimentos colhidos em inquérito policial, não confirmados em juízo, com a observância do contraditório e da ampla defesa. Precedentes. 6 . Da análise do conjunto probatório, é cabível afirmar que a narrativa relacionando os documentos apreendidos pelo MPE na referida busca e apreensão perderam força probatória, na medida em que, na fase judicial, nenhuma outra prova veio aos autos a fim de confirmar o fim ilícito descrito na inicial dos autos. 7. "Para a comprovação da captação ilícita de sufrágio pelo candidato é indispensável a existência de provas suficientes dos atos praticados" (RCED nº 705/RJ, rel. Min . Ricardo Lewandowski, julgado em 15.10.2009, DJe de 19.11 .2009). A prova robusta a que alude a jurisprudência deste Tribunal é, evidentemente, a prova judicial. Aquela na qual se verifica a possibilidade do contraditório e da ampla defesa, e não aquela extraída exclusivamente da fase inquisitiva do inquérito policial. 8 . Na espécie, é inconclusivo o laudo da Polícia Federal confeccionado com base nos dados extraídos do celular do servidor público que supostamente teria praticado os atos de captação ilícita de sufrágio, seja porque do documento pericial não é possível extrair conclusões acerca da entrega ou mesmo promessa de benesses em troca de votos, seja porque as imagens nele contidas não são capazes de confirmar que os nomes das pessoas constantes das listas apreendidas referem–se a eleitores. Destarte, as transcrições de diálogos entre pretensos eleitores e o cabo eleitoral da candidata, extraídas do celular apreendido no momento da fiscalização, não são suficientes para configurar o cometimento do ilícito 9. Não merece reparo o acórdão unânime da Corte regional que julgou improcedentes os pedidos formulados na representação ajuizada com base no art. 41–A da Lei das Eleicoes, ao fundamento de que não ficou comprovado por meio de um conjunto probatório robusto a prática do ilícito . 10. No que concerne ao abuso de poder, a jurisprudência deste Tribunal entende que o viés econômico se caracteriza "[...] pelo uso desmedido de aporte patrimonial que, por sua vultosidade e gravidade, é capaz de viciar a vontade do eleitor, desequilibrando a lisura do pleito. Precedentes" (AIJE nº 0601771–28/DF, rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgada em 28 .10.2021, DJe de 18.8.2022), enquanto o aspecto político se revela quando "[ ...] o agente público, valendo–se de condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, desequilibra disputa em benefício de sua candidatura ou de terceiros" (AgR–REspEl nº 238–54/BA, rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 20.5 .2021, DJe de 4.6.2021). 11 . Para se caracterizar o abuso de poder, impõe–se a comprovação, de forma segura, da gravidade dos fatos imputados, demonstrada a partir da verificação do alto grau de reprovabilidade da conduta (aspecto qualitativo) e de sua significativa repercussão a fim de influenciar o equilíbrio da disputa eleitoral (aspecto quantitativo). (AIJE nº 0601823–24/DF, rel. Min. Jorge Mussi, julgada em 8 .8.2019, DJe de 26.9.2019) . 12. Argumenta o MPE que a suposta prática abusiva ocorreu por meio do recolhimento de dados de eleitores para posterior cadastramento deles em programas sociais operados pela Secretaria de Estado de Inclusão e Mobilização Social (SIMS) em evento alegadamente realizado para o propósito ilícito. 13. Contudo, o caderno probatório dos autos somente revela a presença, na reunião, da secretária da pasta e da investigada e imagens de um helicóptero da polícia no local. Não há elementos informativos que indiquem o montante gasto com a realização do evento e nem provas de que os eventuais eleitores presentes foram beneficiados por programas sociais. O contexto fático–probatório é insuficiente para demonstrar, quantitativa e qualitativamente, a prática do abuso dos poderes econômico e político. 14. Ademais, a narrativa dos fatos pelo investigante não ultrapassa os limites temporal e geográfico da multicitada reunião de campanha da candidata investigada, sendo, portanto, meras ilações a indigitada disseminação da prática de oferecimento das benesses. 15. É imprescindível a existência de provas robustas e incontestes para a configuração da conduta vedada e da prática de abuso do poder. Embora seja possível o uso de indícios para comprovar os ilícitos, a condenação não pode se fundar em frágeis ilações ou em presunções, especialmente em razão da gravidade das sanções impostas. (RO nº 1788–49/MT, rel . Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 7.11.2018, DJe de 28 .3.2019). 16. É escorreito o entendimento esposado no acórdão recorrido, que, diante do caderno probatório dos autos, não reconheceu na narrativa dos fatos a ocorrência de abuso do poder econômico ou político . 17. Recursos ordinários desprovidos. (TSE - RO-El: 060174546 MACAPÁ - AP, Relator.: Min. Raul Araujo Filho, Data de Julgamento: 09/02/2023, Data de Publicação: 13/04/2023)

 

Portanto, a robustez probatória é requisito essencial para a configuração do abuso de poder e da captação ilícita de sufrágio, condição que não vislumbro na análise dos presentes autos.

De tudo, ainda que se pudesse questionar a motivação política dos atos, não se verifica a prática de conduta vedada ou de abuso de poder, tampouco está presente prova de desvio de finalidade, razão pela qual entendo não merecer provimento o recurso ora em apreço.

Diante do exposto, VOTO por REJEITAR a preliminar de perda superveniente do objeto e, no mérito, NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto por COLIGAÇÃO INOVA CATUÍPE, mantendo-se integralmente a sentença da 023ª Zona Eleitoral de Ijuí que julgou improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral.