REl - 0600116-79.2024.6.21.0144 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/06/2025 às 16:00

VOTO

1. Tempestividade.

O recurso atende a todos os pressupostos recursais atinentes à espécie e é tempestivo, de forma que está a merecer conhecimento. 

2. Preliminares.

Não foram suscitadas prefaciais no presente grau recursal. 

3. Mérito.

3.1. Panorama e decisão recorrida.

Cuida-se de Ação de Investigação Judicial Eleitoral, ajuizada ao argumento de prática de abuso de poder político por CRISTIANO GNOATTO e DIRCEU FONTANA, eleitos prefeito e vice-prefeito de Planalto, contra sentença que julgou procedente ação de investigação judicial eleitoral ajuizada pelo PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT).

A sentença foi de procedência, para constatar a prática de abuso de poder político, declarar a inelegibilidade de CRISTIANO GNOATTO, bem como cassar o registro de candidatura de CRISTIANO GNOATTO e DIRCEU FONTANA, para os cargos de prefeito e vice-prefeito, respectivamente. Transcrevo trechos que importam ao presente momento, sobretudo relativos ao contexto fático - que bem situam as circunstâncias - e o sopesamento da prova, realizado pelo juízo de origem:

(...)

É incontroverso que Auristela Cristina Barros é servidora pública efetiva do município de Planalto e foi cedida ao município de Alpestre, onde exercia as funções de Secretária de Saúde.

Enquanto o representante alega que a rescisão da cedência ocorreu com abuso de poder, o representado assevera que se tratou de exercício regular de direito.

Alega o representante que o ilícito eleitoral (abuso do poder politico/autoridade) está configurado em razão das seguintes condutas:

a) revogação da cedência da servidora, sem qualquer justificativa, assim que o representado tomou conhecimento de que ela fora escolhida pela convenção partidária para concorrer ao cargo de vice-prefeita;

b) ajuizamento de ação de impugnação de registro de candidatura com fundamento em circunstância causada pelo próprio representado;

c) destaque na portaria que concedeu o afastamento da servidora “sem qualquer necessidade, que a justiça eleitoral analisará a necessidade e tempestividade, bem como o preenchimento dos demais requisitos para eventual candidato concorrer a cargo público”.

É de conhecimento público que o representado e a servidora são adversários políticos. No pleito de 2020, ambos concorreram ao cargo de Prefeito e o representado sagrou-se vencedor.

Há prova nos autos que a rescisão da cedência ocorreu no dia em que o representante divulgou em redes sociais o resultado da convenção partidária, em que a servidora foi escolhida para concorrer ao cargo de vice-prefeita

 

 

 

 

O representado argumenta a “mera publicação em rede social, não faz prova que tenha o Requerido tomado conhecimento acerca de sua candidatura” e que é “necessário basear-se pelos meios de publicação oficial para ter ciência dos candidatos que concorrerão a eleição.”

Cuida-se de alegação que não se coaduna com o que corriqueiramente ocorre em cidades pequenas como Planalto, especialmente em período de convenções políticas. Os fatos relacionados ao pleito circulam na velocidade da luz.

Além disso, é fato que na inicial da Impugnação do Pedido de Registro de Candidatura AIRC ajuizada pelo partido do representado (ID 123036012), um dos fundamentos é que o pedido de desincompatibilização foi apresentado a destempo, in verbis:

Em que pese ser servidora pública Municipal de Planalto/RS, Auristela Cristina Barros, ainda que em cedência, vir a concorrer para o cargo de vice-prefeita do Município de Planalto/RS, esta somente apresentou seu pedido de desincompatibilização em data de 09 de agosto de 2024, com pleito a realizar-se em 06 de outubro de 2.024, tendo exercido as funções públicas até aquela data.

Destaca-se que naquele procedimento o representado não informou que havia rescindido o convênio.

Outrossim, assiste razão ao representante no sentido de que como a servidora exercia o cargo de secretária municipal de saúde no município de Alpestre e pretendia se candidatar ao cargo de vice-prefeita em Planalto, em tese, não havia necessidade de desincompatibilização, conforme entendimento firmado em jurisprudência do TSE.

O representante alega que ao elaborar a portaria concedendo o afastamento postulado pela servidora Auristela, o representado deixou evidente sua intenção de lesá-la, ao mencionar expressamente na portaria, sem qualquer necessidade, que a justiça eleitoral analisará “a necessidade e tempestividade, bem como o preenchimento dos demais requisitos para eventual candidato concorrer a cargo público”.

Em razão desta afirmação e em atenção ao ônus da prova, cabia ao representado apresentar cópias das portarias dos demais servidores que solicitaram afastamento para concorrer a cargo politico e, assim, demonstrar que a observação constava em todos os documentos.

Em sua defesa, o representado afirmou: a) que o ato de rescisão da cedência nada mais é do exercício regular de direito e que decorreu da necessidade do serviço; b) a conduta não se adequa ao aos verbos nucleares previstos no art. 73, inciso, V, da Lei 9.504/97, já que a rescisão do convênio não implica alteração de situação funcional da servidora no âmbito da circunscrição do pleito, pois ela era e permanece sendo nutricionista do município de Planalto, e, além disso, que o dispositivo em comento, na alínea ‘a”, é expresso em afastar a incidência nos casos em que os servidores exercem função de confiança.

Assim como todos os atos administrativos, a cessão está submetida aos princípios norteadores da Administração Pública, dentre eles o princípio da legalidade, o qual é alicerce do estado democrático de direito e está consagrado no artigo 37, caput, da Constituição Federal.

Cuida-se de uma das principais garantias para o respeito aos direitos individuais, pois limita as ações administrativas e, por consequência, restringe o exercício abusivo das prerrogativas do Estado.

(...)

Embora se trate de ato discricionário, a cedência não dispensa a demonstração de interesse público na sua concretização. O interesse público é, portanto, elemento indispensável para a sanidade de qualquer ato praticado no âmbito de atuação administrativa. Justamente por isso não há cessão por interesse do servidor.

Portanto, cuida-se de ato discricionário, facultativo, precário e praticado no interesse da Administração Pública.

In casu, alega o representado o aumento da demanda individual e a necessidade de pagamento de horas extras à profissional que está exercendo as funções de nutricionista na secretaria municipal de saúde. Destaca que “as outras nutricionistas, servidoras do Município de Planalto/RS, também encontram-se com demandas acima da média, verificou-se a necessidade do exercício da função da funcionária cedida para o município vizinho.”

Com a contestação, o representado apresentou relatório de atendimento individual, recibo de pagamento de salário e relatório de eventos calculados (horas extras), todos em relação à nutricionista Ana Júlia da Silva (ID 123259112).

Destes documentos extrai-se que a nutricionista lotada na Secretaria de Saúde, Ana Júlia da Silva, foi contratada emergencialmente para desempenhar 150 horas mensais e seis horas diárias, em outubro de 2023 (documentos juntados pelo representado).

Além disso, constata-se o pagamento horas extras para a atual nutricionista no período compreendido entre fevereiro a agosto de 2024.

Não cabe à Justiça Eleitoral emitir juízo de valor quanto à necessidade de pagamento de horas extras e tampouco quanto ao número de atendimentos individuais que um profissional de nutrição pode fazer em seis horas diárias (sem considerar as horas extras).

Importa, isso sim, avaliar se efetivamente ocorreu aumento da demanda, como justifica o representado.

Como afirmado, o representado apresentou relatório de atendimento primário de saúde, visando comprovar o aumento da demanda populacional do período compreendido entre outubro de 2023 a julho de 2024.

Quanto a este período é possível fazer análise comparativa.

Vejamos:

Mês

Dias úteis

Atendimentos individuais

Média atendimentos diários

Agosto/2023

23

0

0,00

Setembro/2023

21

0

0,00

Outubro/2023

21

15

0,71

Novembro/2023

19

43

2,26

Dezembro/2023

22

47

2,13

Janeiro/2024

22

50

2,27

Fevereiro/2024

21

51

2,43

Março/2024

21

51

2,43

Abril/2024

21

79

3,76

Maio/2024

22

44

2,00

Junho/2024

20

59

2,95

Julho/2024

21

70

3,33

Observa-se que o maior número de atendimentos individuais ocorreu no mês de abril 2024 e o pagamento das horas extras vem ocorrendo desde o mês de fevereiro de 2024, mas o convênio apenas foi rescindido em 08 de agosto de 2024.

O representado não comprovou que as demais nutricionistas do município também se encontravam sobrecarregadas, conforme alegou na contestação.

Argumenta o representado que a conduta não se adequa ao tipo previso no art. 73, inciso V, da Lei nº 9504/97 e que “a letra “a”, do inciso V, do artigo 73, da Lei n.º 9.504/1990, é expresso em afastar da vedação das condutas, as mesmas condutas, quando o servidor é titular e está no exercício do cargo de confiança, como é o cargo de Secretária Municipal de Saúde.”

Conforme entendimento doutrinário e jurisprudencial, o abuso de poder político é gênero e as condutas vedadas são espécies.

(...)

As condutas vedadas são tipos eleitorais fechados. Em razão disso, não admitem interpretação ampliativa.

Inobstante a isso, importante salientar que a vedação constante no inciso V do art. 73 da Lei nº 9.504/97 abrange quaisquer outros meios de dificultar ou impedir o exercício funcional.

O TSE entendeu configurar conduta vedada consistente em dificuldade imposta ao exercício funcional em caso de suspensão de ordem de férias, sem qualquer interesse da administração (AR em AI nº 11.207. Rel. Min. Arnaldo Versiani. j. 17/11/2009).

Neste ínterim, a rescisão da cedência da servidora antes do prazo ajustado, sem qualquer interesse público, configura a conduta vedada em comento.

Para o Direito Administrativo, é evidente que o município de Alpestre age como mero administrador provisório do contrato de trabalho da servidora e que o município de Planalto continua sendo o verdadeiro empregador e responde pelo contrato de trabalho.

Contudo, para o Direito Eleitoral, a servidora estava exercendo as atividades fora da circunscrição do pleito e a rescisão de convênio configura alteração da situação funcional. Deixará de exercer as funções de secretária municipal de saúde de Alpestre e voltará a exercer as funções de nutricionista na secretaria de saúde de Planalto.

Outrossim, a exceção da letra “a”, do inciso V, do artigo 73, da Lei n.º 9.504/1990 seria aplicável caso a rescisão da cedência tivesse partido do município de Alpestre, local em que a servidora exercia cargo em comissão.

Quando do julgamento da AIJE 0600814-85, de relatoria do Ministro Benedito Gonçalves, DJE de 2.8.2023, o Tribunal Superior Eleitoral ratificou a seguinte definição de abuso de poder político: “O abuso de poder político se caracteriza como o ato de agente público (vinculado à Administração ou detentor de mandato eletivo) praticado com desvio de finalidade eleitoreira, que atinge bens e serviços públicos ou prerrogativas do cargo ocupado, em prejuízo à isonomia entre candidaturas.”

(...)

In casu, não se tratou da rescisão da cedência de uma servidora pública qualquer, mas sim de pré-candidata da chapa adversária e praticada diretamente pelo representado, candidato à reeleição. O fato foi praticado assim que divulgado que a servidora seria candidata a vice-prefeito.

Outrossim, ao contrário do afirmado na contestação, um dos fundamentos da ação de impugnação ao pedido de registro de candidatura foi sim a desincompatibilização a destempo. Inclusive, não houve referência à rescisão da cedência, conforme se verifica no documento do ID 133036012, in verbis:

A candidata a vice-prefeita para o Município de Planalto/RS, pelo partido do PDT, Auristela Cristina de Barros, é servidora pública do Município de Planalto-RS concursada desde 02 de dezembro de 1994, conforme portaria de nomeação de nº 115/94.

Conforme convênio entre os municípios, autorizado pela Lei Municipal de nº 1.055/1990, com alteração pela Lei Municipal nº 4.061/2021, a funcionária pública municipal, Auristela Cristina de Barros, ora candidata a vice-prefeita, foi, pela segunda vez, cedida ao Município de Alpestre/RS, em 20 de junho de 2023, agora, pelo prazo de 01 ano e 06 meses, prorrogável, como disposto na cláusula primeira – do objeto, do convênio de cessão de servidor entre os municípios, que faz juntada.

A candidata também é Representante Regional Titular da MACRORREGIÃO NOTRE, Microrregião 15 – Caminho das Águas, 2ª Coordenadoria de Saúde (Caminho das Águas), que abrange e atende, dentre outros tantos municípios, o de Planalto/RS.

Em que pese ser servidora pública Municipal de Planalto/RS, Auristela Cristina Barros, ainda que em cedência, vir a concorrer para o cargo de vice-prefeita do Município de Planalto/RS, esta somente apresentou seu pedido de descompatibilização em data de 09 de agosto de 2024, com pleito a realizar-se em 06 de outubro de 2.024, tendo exercido as funções públicas até aquela data Portanto, a Impugnada não observou o prazo mínimo de afastamento conforme obrigatoriedade trazida pela referida legislação, o fazendo somente a menos de 02 (dois) meses do pleito, o que lhe torna inelegível.

Sendo representante regional, deveria a candidata desincompatibilizar-se 4 meses anteriores ao pleito, conforme artigos 1º, IV, a e art. 1º, II, I da Lei Complementar nº 64/1990.

Resta descumprido pela Impugnada determinação legal, quando ao prazo mínimo, para se desincompatibilizar de ambas as funções (grifo nosso).

Evidenciado que o ato de rescisão foi praticado com desvio de finalidade e com o objetivo claro de dificultar o deferimento do registro da candidatura da servidora, com o objetivo de causar interferência no processo eleitoral.

Os motivos alegados pelo representado como determinantes da rescisão da cedência, não se sustentam quando em confronto com os documentos por ele acostados na contestação. Denota-se que, após a prática do ato houve tentativa de justificar a existência de interesse público no retorno da servidora aos quadros do município.

Além disso, como já destacado, o maior número de atendimentos individuais pela nutricionista ocorreu no mês de abril 2024 e o pagamento das horas extras vem ocorrendo desde o mês de fevereiro de 2024, mas o convênio apenas foi rescindido em 08 de agosto de 2024.

(...)

Importante salientar que a gravidade das circunstancias não se confunde com o critério de alteração do resultado. A AIJE pode ser ajuizada até a data da diplomação dos eleitos, já que pode ser proposta inclusive contra candidato não eleito e pode ser julgada antes do pleito, como no presente caso.

Quanto mais próximo ao pleito e praticado ato com abuso de poder politico, maior é a lesividade, pois a possibilidade de reversão dos prejuízos é proporcionalmente menor.

Relativamente às sanções aplicáveis, a responsabilidade no Direito Eleitoral volta-se à proteção da liberdade do eleitor, da lisura e da normalidade das eleições e da legitimidade dos resultados, pouco importando a investigação de aspectos psicológicos dos infratores.

[…] 

O representado impugnou os prints de conversa pelo whats acostados pelo representante para comprovar a repercussão do ato. Inobstante a isso alega que os PrintScreen e transcrição própria de áudio de mídia somente demonstra que a população questiona a candidatura da servidora, por saberem que possui vínculo com a Prefeitura. Aduz, ainda que as mensagens ocorreram somente após a rescisão do convênio “nada comprovando que esta já era candidata antes de tal fato ou intencionasse ser.”

Com efeito, não há provas da autenticidade das mensagens. Contudo, o próprio representado admite que os questionamentos somente passaram a ocorrer após a revogação do ato de cedência, o que confirma que houve repercussão.

Outrossim, conforme consta no acórdão proferido na AIJE nº 0601779-05, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJE de 11/03/2021: “A mensuração dos reflexos eleitorais da conduta, não obstante deva continuar a ser ponderada pelo julgador, não constitui mais fator determinante para a ocorrência do abuso de poder, agora revelado, substancialmente, pelo desvalor do comportamento.”

(...)

Assim, a sanção de inelegibilidade deve ser aplicada apenas quanto ao representado Cristiano Gnoatto, pois nada há nos autos que permita concluir que o candidato Dirceu Fontana tenha sequer aderido à conduta.

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos veiculados e julgo extinto o processo com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para:

1. Declarar a prática de abuso de poder politico com fundamento no artigo 22, inciso XIV, da Lei Complementar n.° 64/90;

2. Declarar a inelegibilidade de CRISTIANO GNOATTO, o qual comprovadamente concorreu para a prática do ato abusivo, cominando-lhes a sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou (eleições 2024), e;

3. Cassar o registro dos candidatos CRISTIANO GNOATTO e DIRCEU FONTANA para os cargos de Prefeito e Vice-Prefeito, pois beneficiados pelo ato abusivo.

Nos termos do artigo 22, inciso XIV, da Lei Complementar nº 64/90 (parte final), determino a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para a instauração de processo disciplinar e de ação penal, se for o caso, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar.

 

Foram, então, opostos embargos de declaração por CRISTIANO E DIRCEU com pedido de concessão de efeitos infringentes, sob as alegações de omissão e contradição, em face de fundamentação fática pela prática de abuso de poder versus fundamentação legal no art. 73, inc. V, da Lei n. 9.504/97, dispositivo que trata da prática de conduta vedada, bem como ausência de análise acerca da gravidade dos fatos. Os aclaratórios foram rejeitados (ID 45776158) como segue:

(...)

Trata-se de embargos declaratórios opostos pelo representado em face da sentença proferida.

Suscitou a existência de contradição alegando, em suma:

"Há contradição na sentença quando fundamenta seu julgamento pelo artigo 73 da Lei das Eleições, mas condena os Embargantes por abuso de poder político, dificultando o exercício do direito de defesa dos Embargantes no momento de formulação do recurso contra a sentença."

II - Fundamentação

Na espécie, os embargos de declaração foram opostos tempestivamente, razão pela qual devem ser conhecidos. 

Na sentença constou expressamente:

"Argumenta o representado que a conduta não se adequa ao tipo previsto no art. 73, inciso V, da Lei nº 9504/97 e que “a letra “a”, do inciso V, do artigo 73, da Lei n.º 9.504/1990, é expresso em afastar da vedação das condutas, as mesmas condutas, quando o servidor é titular e está no exercício do cargo de confiança, como é o cargo de Secretária Municipal de Saúde.”

Conforme entendimento doutrinário e jurisprudencial, o abuso de poder político é gênero e as condutas vedadas são espécies.

(...)

Facilmente se verifica que a parte embargante, embora travestindo a sua irresignação no formato de vícios na decisão recorrida, tão somente veiculou argumentos que buscam reverter a decisão recorrida. Em suma, busca nessa via estreita rediscutir o mérito da decisão, pretensão esta incompatível com os aclaratórios.

Assim, impõe-se a rejeição do recurso.

III - Dispositivo

Ante o exposto, rejeito os aclaratórios opostos nos termos da fundamentação supra.

(...)" (Grifos no original)

3.2. Fundamentos. Diferenciação entre abuso de poder e conduta vedada. 

3.2.1. Abuso de poder. 

O sistema legislativo busca a proteção da normalidade e da legitimidade do pleito, bem como o resguardo da vontade do eleitor, para que não seja alcançada pela nefasta prática do abuso de poder - no caso dos autos, a revogação de convênio de cessão de servidores entre os municípios de Planalto e Alpestre, praticado pelo Prefeito de Planalto CRISTIANO GNOATTO. Para tanto, a Constituição Federal, art. 14, § 9º, dispõe:

Art. 14. (…) § 9º. Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

E, para a configuração do abuso de poder, saliento deva ser considerada a gravidade da conduta, sem a necessidade da demonstração de que o resultado das urnas fora – ou poderia ter sido - influenciado. É o que preconiza o art. 22, inc. XVI, da Lei Complementar n. 64/90:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito: (...). 

Nesse sentido é também a posição da doutrina, aqui representada pela lição de Rodrigo Lopez ZILIO:

O relevante, in casu, é a demonstração é a demonstração de que o fato teve gravidade suficiente para violar o bem jurídico que é tutelado, qual seja, a legitimidade e a normalidade das eleições. Vale dizer, é bastante claro que a gravidade como critério de aferição do abuso de poder apresenta uma característica de correlação com o pleito, ou seja, tem-se por necessário examinar o fato imputado como abuso de poder e perscrutar a sua relação com a eleição, ainda que essa análise não seja realizada sob um aspecto puramente matemático. (Manual de Direito Eleitoral. São Paulo: JusPodivm, 10ª ed. 2024, p. 756). (Grifei.)

Com tal sistemática - que pode ser denominada "gradiente da gravidade" -, a lupa do julgador passou a examinar as circunstâncias do ato tido como abusivo - quem, quando, como, onde, por que - com o fito de avaliar diversos fatores, dentre os quais a existência de repercussão na legitimidade e normalidade das eleições e o grau de reprovabilidade da conduta sob o ponto de vista social, em exame do meio fático e do meio normativo sob aspectos quantitativos e qualitativos (em lição de ALVIM, Frederico, in Abuso de Poder nas competições eleitorais. Curitiba, Juruá Editora, 2019).

Nessa ordem de ideias, a análise da gravidade se trata de uma questão de ser "menos" ou "mais", e não um dilema dual, binário de "ser" ou "não ser".  Especificamente no que toca ao abuso de poder político, trago trecho da obra de Luiz Carlos dos Santos GONÇALVES, que em elegante pena bem sintetiza a moderna faceta dessa modalidade de abuso:

Todo o abuso de poder de autoridade envolve um mau uso de recursos públicos, que por disposição constitucional devem ser utilizados com igualdade, eficiência, economicidade, impessoalidade e transparência. Não é sem razão que esses abusos eleitorais consistem, concomitantemente, em atos de improbidade administrativa”. (Ações Eleitorais, São Paulo: Publique Edições, 2ª ed. 2024, p. 171).

Também vale consignar que o Tribunal Superior Eleitoral já pacificou posicionamento no sentido de que o abuso de poder político se caracteriza quando o agente público, "valendo-se de sua condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, compromete a igualdade e a legitimidade da disputa eleitoral, em benefício de candidatura própria ou de terceiros" - RO n. 172365-DF, Rel. Min Admar Gonzaga, DJe de 27.2.2018, dentre outros. 

3.2.2. Condutas vedadas.

Por seu turno, a legislação de regência concernente às condutas vedadas visa a tutelar o bem jurídico da isonomia entre os concorrentes ao pleito. Já há algum tempo, o Tribunal Superior Eleitoral tem como pacífico que as hipóteses relativas às condutas vedadas são objetivas, taxativas e de legalidade restrita, sendo que “a conduta deve corresponder ao tipo definido previamente” (Recurso Especial Eleitoral n. 24.795, Rel. Luiz Carlos Madeira, julgado em 26.10.2004).

Na doutrina, José Jairo GOMES vaticina, com precisão, que "a conduta vedada traduz a ocorrência de ato ilícito eleitoral. Uma vez caracterizada, com a concretização de seus elementos, impõe-se a responsabilização tanto dos agentes quanto dos beneficiários do evento", pois "tendem a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais", pois no aspecto subjetivo "a conduta inquinada deve ser realizada por agente público" (Direito Eleitoral, 12ª Ed. Atlas, São Paulo, p. 741). Aqui, há uma tipicidade estrita, fechada, diferentemente dos casos de abuso de poder, em que o gradiente permite a análise das circunstâncias, do, assim digamos, "conjunto da obra".

Dessa forma, a constatação da prática de conduta vedada exige apenas a consunção do fato na legislação que o tipifica, sem a necessidade de análise de outros elementos, sejam subjetivos ou de efeito no resultado da competição eleitoral – dito de outro modo, a escolha do legislador foi a de entender determinadas práticas como tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos. No caso dos autos, discute-se a incidência do art. 73, inc. V, da Lei n. 9.504/97 - nominado expressamente pela sentença, ponto que carecerá de maior reflexão, conforme se verá.

Com tais premissas fáticas, legislativas, doutrinárias e jurisprudenciais, passo ao exame do caso propriamente dito, e indico que os recortes conceituais acima explicitados serão fundamentais para a resolução da demanda. De fato, as condutas vedadas podem ser consideradas espécies de abuso de poder. Mas, como visto, possuem requisitos próprios para a configuração, forma de subsunção diversa, e visam a proteger bens jurídicos distintos das práticas abusivas. 

Tais circunstâncias são fundamentais para a análise do presente caso concreto. 

3.3. A controvérsia em grau recursal.

Em resumo, o PDT de PLANALTO ajuizou a presente AIJE ao entender que CRISTIANO GNOATTO - então prefeito daquela municipalidade - praticara abuso de poder político. 

O ato em si - tido como abusivo pela sentença: revogação de ato administrativo, pois remetido ofício - de Planalto para Alpestre - em 08.8.2024, de modo a realizar o desfazimento de cessão da servidora pública Auristela Cristina de Barros. Auristela ocupa o cargo de nutricionista do quadro de pessoal do Município de Planalto e, desde a data de 15.6.2021, se encontrava cedida ao Município de Alpestre, para neste exercer o cargo de Secretária Municipal de Saúde. O ato  de cessão já havia sido prorrogado uma vez aos 15.6.2023, pelo prazo de 24 (vinte e quatro) meses. 

Ocorre que no mesmo dia 08.8.2024 houve, nas redes sociais, o lançamento da pré-candidatura de Auristela ao cargo de vice-prefeita de Planalto, na chapa encabeçada pelo pré-candidato a prefeito "Tonho". Tal chapa vingou na convenção partidária, e Tonho e Auristela de fato concorreram ao pleito majoritário - obtiveram a segunda colocação, com 38,61% (trinta e oito vírgula sessenta e um por cento). 

A chapa vencedora foi a de CRISTIANO, prefeito que concorrera à eleição, com 57,28% (cinquenta e sete vírgula vinte e oito por cento). 

E é precisamente aqui que se instalam as diferentes versões dos fatos. Para a parte autora e recorrida - PDT DE PLANALTO - houve prática de abuso de poder político, em atitude "ditatorial" de parte de CRISTIANO, com o fito de "causar o desequilíbrio da disputa tentando eliminar sua adversária política utilizando de todos artifícios ilegais que bem conhece" (contrarrazões, página 9), ao passo que os representados e recorrentes entendem que "as supostas condutas não se revelaram graves, do ponto de vista qualitativo (...)" e igualmente "(...) não está demonstrada a gravidade quantitativa, se observarmos que sequer foram trazidas aos autos testemunhas aptas a provar de forma robusta que o eleitorado da cidade teria sofrido algum impacto com o término do convênio ou com a ação de impugnação questionada" (razões de recurso, páginas 11 e 12).

Na sentença, fora realizado impecável escorço descritivo dos fatos. Por exemplo, como houve, da parte de CRISTIANO e DIRCEU, o argumento de que houve aumento de atendimentos de parte das nutricionistas do Município de Planalto - quadro do qual Auristela faz parte - fora inserida uma planilha de atendimentos, mês a mês, daquele serviço. 

A d. Procuradoria Regional Eleitoral, por seu turno, entende que o recurso merece total provimento, diante da ausência de gravidade do ato praticado -, ainda que, frisa, tenha havido desvio de finalidade na rescisão do convênio. 

Em relação a todos os posicionamentos, contudo, peço parcelada vênia. Julgo que a solução para o caso posto está em, exatamente, compreender que houve uma prática irregular punível na seara eleitoral - sem, contudo, com a gravidade suficiente para a caracterização de abuso de poder. 

Sigo, no tópico adiante.

4. Conclusão. 

Antecipo: cuida-se de caso de prática de conduta vedada, art. 73, inc. V, da Lei n. 9.504/97, e não de abuso de poder político. Portanto, ambas as partes possuem dose de razão, e também as duas - compreensivelmente, pelo aguerrimento típico que as ações cassatórias causam nas partes - desbordam da dose de razão que, efetivamente, têm.

Está certa a sentença, quando identifica desvio de finalidade no ato de rescisão do convênio de parte do então prefeito de Planalto, CRISTIANO GNOATTO. Nítido está, pela prova dos autos, que o retorno da servidora ao Município de Planalto ocorrera em represália ao lançamento de candidatura. Mesmo o ato discricionário há de obedecer ao senso de espírito público, inocorrente no caso.

Assiste razão, também, à d. Procuradoria Regional Eleitoral quando assevera não haver gravidade suficiente para a caracterização de abuso de poder, na rescisão de convênio praticada pelo Prefeito de Planalto CRISTIANO GNOATTO. Ainda que sopesado o tamanho do eleitorado do município - 8.033 eleitores, não é razoável entender que o ato oficial que resultou na ordem de retorno de Auristela Cristina de Barros ao cargo de nutricionista - aliás, cargo de origem na Prefeitura de Planalto - tenha afetado a legitimidade e a normalidade das Eleições de 2024 naquele município. 

Para além das discussões sobre a tentativa - em ação de impugnação de registro de candidatura (AIRC) - de indeferimento do nome de Auristela por uma suposta desobediência ao prazo de desincompatibilização previsto na Lei Complementar n. 64/90 - demanda que resultara  sem êxito (em previsível resultado), é nítido que CRISTIANO atuou em desvio de finalidade - a identidade de datas entre (1) o lançamento da pré-candidatura de Auristela e (2) a remessa de comunicado ao Prefeito de Alpestre sobre a citada rescisão, não prejudicaram objetivamente as Eleições de 2024.

Ora, Auristela saiu candidata, isso é fato. Realizou sua campanha normalmente - e poderia mesmo se cogitar que, para tanto - realizar campanha -, haveria de ao menos se licenciar daquele cargo que ocupava antes da rescisão - Secretária Municipal de Alpestre, pois as máximas de experiência indicam dificuldade em integrar o alto escalão de um município e realizar campanha em outro. Uma das atividades haveria de ser negligenciada.

De todo modo, para além de conjecturas, é certo que a candidatura de Auristela - a vice-prefeita, frise-se - ocorrera em caráter de normalidade, e não há notícias nos autos de que entre o período compreendido entre a rescisão do convênio e a data das eleições tenha ocorrido obstáculo, repito, objetivo, à candidatura da chapa Antônio Carlos Damin (Tonho) e Auristela Cristina de Barros. 

Ou seja, com o juízo de improcedência da AIRC que pretendia tornar inelegível Auristela, carece-se, para a constatação de abuso de poder, de elemento objetivo - prejuízo à normalidade e legitimidade das Eleições de 2024 perante o eleitorado de Planalto e, também, em relação ao quesito subjetivo -, pois a adversária Auristela praticou, de forma autêntica e legítima, todos os atos de candidata -, pois candidata fora, formal e substancialmente. Aqui, o denominado "gradiente de gravidade" não alcança o mínimo para a constatação de prática abusiva, devido à baixa repercussão (no termo de Frederico Alvim) do ato quando colocada a lupa - repito, por didática - da normalidade e legitimidade da concorrência eleitoral. 

Nessa linha de ideias, o posicionamento externado pela d. Procuradoria Regional Eleitoral, em trecho que transcrevo e torno expressamente razões de decidir, a fim de se evitar desnecessária exposição de ideia mediante simples troca de termos:

(...)

Pois bem, na situação em tela, a legitimidade da eleição não foi comprometida porque a tentativa de excluir a adversária do pleito não gerou qualquer efeito, uma vez que ela efetivamente concorreu ao cargo que pretendia.

(...)

Dessa forma, é inviável que tal mero embaraço implique a cassação do diploma ou a inelegibilidade dos recorrentes, sanções manifestamente desproporcionais ao baixo impacto da conduta objeto da ação."

(...)

Nessa linha é o entendimento do TSE:

(...) 4. Nos termos da jurisprudência desta Corte, o abuso de poder político configura–se quando a legitimidade das eleições é comprometida por condutas de agentes públicos que, valendo–se de sua condição funcional, beneficiam candidaturas mediante desvio de finalidade. Requer–se, ainda, nos termos do art. 22, XVI, da LC 64/90, a "gravidade das circunstâncias que o caracterizam", a ser aferida a partir de aspectos qualitativos e quantitativos do caso concreto. Precedentes. 3 TSE. Agravo Regimental No Agravo Em Recurso Especial Eleitoral 060072049/RJ, Relator(a) Min. Isabel Gallotti, Acórdão de 17/10/2024, Publicado no(a) Diário de Justiça Eletrônico 191, data 24/10/2024.

Contudo, entendo configurada a conduta vedada prevista no art. 73, V, como já asseverado. É prática que merece, sim, reprimenda na seara eleitoral, com a devida vênia aos pareceres ministeriais de primeiro e segundo graus, pois tendente a afetar a igualdade de oportunidades entre os candidatos. Transcrevo a norma:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(...) V - nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados: (...)

Vejamos a conduta de CRISTIANO - Prefeito: por outros meios (revogação do convênio) transferiu (obrigou ao retorno) e dificultou o exercício funcional de Auristela  (pois realizado o retorno em período que já não seria possível requerer desincompatibilização do cargo de nutricionista, caso fosse necessária - o direito de se afastar legalmente do cargo também há de ser garantido como integrante do regular exercício, parece claro) na circunscrição do pleito (município de Planalto), nos três meses que antecedem a eleição (08.8.2024, eleição de primeiro turno aos 06.10.2024). 

Subsunção objetiva, ajustada, de legalidade estrita, sem a necessidade de análise de outros elementos, sejam subjetivos ou de efeito no resultado da competição eleitoral. E não se argumente que o ato de rescisão de convênio tratar-se-ia daqueles atos administrativos de índole discricionária, pois nitidamente há, na redação restritiva do inc. V do art. 73, uma série de outros atos também discricionários. Veda-se, ali, exatamente que o poder discricionário seja utilizado em ato tendente a afetar a igualdade de chances entre os competidores eleitorais, como visto.  

No que toca aos aspectos processuais, friso que o Tribunal Superior Eleitoral já se manifestou acerca da possibilidade de identificação da prática de coisa julgada em sede de AIJE:

Eleições 2020. Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) [...] Conduta vedada a agente público. Extrapolação do limite de gastos com publicidade institucional. Sanções pecuniárias. Inexistência de gravidade das condutas. Abuso do poder econômico e político. Não configurado. [...] 8. Na linha do que foi afirmado pela Corte de origem, não há, na espécie, prova robusta que demonstre a configuração do abuso de poder, porquanto, embora esteja comprovado nos autos que os candidatos se utilizaram da máquina pública para divulgar sua candidatura, não ficou demonstrada a repercussão das condutas (ainda que em seu conjunto) no âmbito do pleito e sua influência perante o eleitorado, para fins de albergar a configuração do abuso de poder, mediante a imposição das graves sanções de cassação de diploma e de inelegibilidade. 9. Consoante remansosa jurisprudência desta Corte Superior, não se admite reconhecer o abuso de poder com fundamento em meras presunções acerca do encadeamento dos fatos, porquanto ‘a configuração do abuso de poder demanda a existência de prova inequívoca de fatos que tenham a dimensão bastante para desigualar a disputa eleitoral’ [...] 11. O entendimento desta Corte Superior é no sentido de que, ‘para se caracterizar o abuso de poder, impõe-se a comprovação, de forma segura, da gravidade dos fatos imputados, demonstrada a partir da verificação do alto grau de reprovabilidade da conduta (aspecto qualitativo) e de sua significativa repercussão a fim de influenciar o equilíbrio da disputa eleitoral (aspecto quantitativo). A mensuração dos reflexos eleitorais da conduta, não obstante deva continuar a ser ponderada pelo julgador, não constitui mais fator determinante para a ocorrência do abuso de poder, agora revelado, substancialmente, pelo desvalor do comportamento’ [...]”. (Ac. de 11.5.2023 no AgR-AREspE nº 060055782, rel. Min. Sérgio Banhos.)

 

“[...] Eleições 2020. Prefeito. Ação de investigação judicial eleitoral (AIJE). Abuso de autoridade (art. 74 da Lei 9.504/97). Conduta vedada a agentes públicos (art. 73, IV, da lei 9.504/97). [...] Abuso de autoridade. Publicidade institucional. Art. 37, § 1º, da CF/88. Doutrina. Jurisprudência. Exigência. Custeio. Recursos públicos. Não configuração. 2. Consoante o art. 74 da Lei 9.504/97, ‘configura abuso de autoridade, para os fins do disposto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, a infringência do disposto no § 1º do art. 37 da Constituição Federal, ficando o responsável, se candidato, sujeito ao cancelamento do registro ou do diploma’. Por sua vez, dispõe o art. 37, § 1º, da CF/88 que ‘a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos’. 3. ‘Com base na compreensão da reserva legal proporcional, a violação dos arts. 73, inciso VI, alínea b, e 74 da Lei nº 9.504/1997 pressupõe que a publicidade seja paga com recursos públicos e autorizada por agente público’ (AgR-AI 440-24/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, publicado em sessão em 29/4/2015). 4. No caso, extrai-se da moldura fática do acórdão regional que o material confeccionado – informativos veiculados no primeiro semestre de 2020, contendo autopromoção do recorrente, então chefe do Executivo – foi custeado com recursos próprios. Assim, ao contrário do que frisou o TRE/SP, de que seria ‘irrelevante que a publicidade não tenha sido custeada com recursos públicos’, trata-se de requisito imprescindível à configuração do abuso de autoridade do art. 74 da Lei 9.504/97. [...]”

(Ac. de 17.11.2023 no REspEl nº 060046744, rel. Min. Benedito Gonçalves.)

Ademais, o Tribunal Superior Eleitoral cristalizou, na redação do verbete n. 62 de sua Súmula, o seguinte enunciado:

Os limites do pedido são demarcados pelos fatos imputados na inicial, dos quais a parte se defende, e não pela capitulação legal atribuída pelo autor. 

Entendo, assim, caracterizada a prática de conduta vedada, art. 73, inc. V, de parte de CRISTIANO GNOATTO, ao mesmo tempo em que afasto a caracterização de abuso de poder político. Identifico, ainda, CRISTIANO e DIRCEU como beneficiários da prática irregular.

5. Dosimetria.

Inicialmente, friso que tanto CRISTIANO quanto DIRCEU são passíveis de sancionamento; o primeiro sob dois vieses - agente e beneficiário - e o segundo somente na condição de beneficiário.

Trago precedentes do e. TSE:

“Eleições 2022 [...] Conduta Vedada. Art. 73, I e III, da Lei n. 9.504/1997. Uso de imóveis e servidores públicos em favor de candidatura ao cargo de governador. Reconhecimento pelo regional. Aplicação de multa aos responsáveis e beneficiários. Conformidade com a jurisprudência desta Corte Superior. [...] 1. Nos termos da jurisprudência consolidada deste Tribunal Superior, o reconhecimento da conduta vedada enseja a aplicação de multa, independentemente de autorização ou anuência do beneficiário com a prática do ato. [...].” (Ac. de 28/11/2024 no AgR-AREspE n. 060416106, rel. Min. Nunes Marques.)

“Eleições 2016 [...] Conduta vedada a agentes públicos. Prefeito e vice-prefeito. Art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/97. [...] Candidatos beneficiados. Incidência da penalidade de multa. Vínculo político entre agente público e beneficiários. [...] 3. As penalidades pela prática de conduta vedada recaem tanto sobre os agentes públicos que praticaram o ilícito quanto sobre os beneficiários do ato, tenham ou não, estes, vínculo com a Administração Pública, nos termos do art. 73, § 8º, da Lei das Eleições. 4. Na hipótese vertente, a Corte Regional goiana consignou que o agente público responsável pela prática da conduta descrita no art. 73, § 10, da Lei das Eleições foi o então prefeito de Castelândia/GO, cujo ato beneficiou as candidaturas dos ora recorrentes, em razão da estreita relação política entre eles e o notório apoio dado à campanha destes. [...]” (Ac. de 15.8.2019 no AgR-AI nº 24771, rel. Min. Edson Fachin.)

 

 

E o regramento sancionatório vem normatizado nos §§ 4º e 8º do art. 73 da Lei n. 9.504/97:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(...)

§ 4º O descumprimento do disposto neste artigo acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os responsáveis a multa no valor de cinco a cem mil UFIR.

(...)

§ 8º Aplicam-se as sanções do § 4º aos agentes públicos responsáveis pelas condutas vedadas e aos partidos, coligações e candidatos que delas se beneficiarem.

 

Sob tais balizas, entendo que a multa a ser aplicada a DIRCEU FONTANA é aquela de piso, ou seja, R$ 5.320,50 (cinco mil, trezentos e vinte reais e cinquenta centavos, em conversão do valor originário de 5.000 UFIRs previsto na lei de regência), pois se trata de mero beneficiário da conduta, na condição de candidato a vice-prefeito;

No relativo a CRISTIANO GNOATTO, contudo, somam-se as posições de Prefeito e candidato à reeleição, de modo que a aplicação de multa no patamar mínimo se torna inviável. CRISTIANO utilizou, vale ressalvar, a condição de chefe de Poder Executivo, mesmo cargo para o qual se beneficiou, de forma que julgo razoável e proporcional o valor de R$ 15.961,50 (quinze mil, novecentos e sessenta e um reais e cinquenta centavos), conversão do valor legal originário de 15.000 UFIRs).

Diante do exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso para afastar a condenação pela prática de abuso de poder político indicada na sentença, bem como para condenar:

- CRISTIANO GNOATTO pela prática da conduta vedada prevista no art. 73, inc. V, da Lei n. 9.504/97, na condição de agente e de beneficiário, e aplicar multa individual no valor de R$ 15.961,50 (quinze mil, novecentos e sessenta e um reais e cinquenta centavos);

- DIRCEU FONTANA pela prática da conduta vedada prevista no art. 73, inc. V, da Lei n. 9.504/97, na condição de beneficiário, e aplicar multa individual no valor de R$ 5.320,50 (cinco mil, trezentos e vinte reais e cinquenta centavos).