REl - 0600744-44.2024.6.21.0055 - Voto Relator(a) - Sessão: 23/06/2025 00:00 a 24/06/2025 23:59

VOTO

Cuida-se de recurso eleitoral que postula a reforma da sentença que desaprovou contas referentes às Eleições Municipais de 2024 e determinou o recolhimento de R$ 3.500,00 ao Tesouro Nacional, em virtude da ausência de comprovação das despesas efetuadas com recurso oriundo do Fundo Especial de Financiamento de Campanha.

Conforme constou na sentença, o gasto no valor de R$ 3.500,00 - o cheque n. 850003 (ID 125188510) - é apenas nominal e não cruzado, contrariando a norma da Resolução 23.607/19, art. 38, inc. I.

Em relação ao não cruzamento dos cheques, é incontroverso que houve o descumprimento da regra prevista no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, que determina:

 

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

 

A questão a ser examinada é se essa irregularidade afetou os princípios da transparência, fiscalização e rastreabilidade da conta, máxime porque se trata de verba de natureza pública (FEFC).

Conforme documentos juntados perante o juízo a quo, cuja admissibilidade este Tribunal tem assentado inclusive em sede recursal (TRE-RS - REl: n. 0600086-10.2021.6.21 .0060 PELOTAS - RS 060008610, Relator.: Afif Jorge Simoes Neto, Data de Julgamento: 20.7.2023, Data de Publicação: DJE n. 135, data 26.7.2023), o cheque emitido em favor de Grazieli Nicoli Puls (ID 45837358)  foi depositado na conta de Paul Renato Souza da Silva, esposo da única sócia da empresa prestadora do serviço (certidão de casamento de ID 45837359 e extrato bancário da conta de Paul – ID 45837360)

A corroborar, em consulta ao sítio de divulgação de candidaturas e contas da Justiça Eleitoral (Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, acesso em 26.5.2025), se pode verificar que consta como contraparte do cheque n. 850003, no valor de R$ 3.500,00, Paul Renato Souza da Silva.

Desse modo, apesar da falha formal devido à falta de cruzamento do cheque e da ausência de indicação do beneficiário do recurso no extrato bancário, é possível extrair com segurança a conclusão de que o beneficiário do pagamento é a própria prestadora de serviço Dieine Nunes Pedroso.

Assim, na esteira do que decidido pelo nosso TRE e pelo TSE, tenho que não houve prejuízo à confiabilidade e à rastreabilidade dos gastos do recorrente, motivo pelo qual deve ser afastada a determinação de recolhimento ao erário:

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO NÃO ELEITO. CARGO DE DEPUTADO FEDERAL. ELEIÇÕES 2022. PARECER TÉCNICO PELA DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. FALTA DE COMPROVAÇÃO DA APLICAÇÃO DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. PAGAMENTO DE CHEQUE NÃO CRUZADO. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO BENEFICIÁRIO. EXISTÊNCIA DE CNPJ DA EMPRESA. AUSÊNCIA DE ENDOSSO. POSSIBILIDADE DE VERIFICAÇÃO. COMPROVADA A UTILIZAÇÃO DO RECURSO. FALHA FORMAL. IRREGULARIDADE DE BAIXO PERCENTUAL. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. AFASTADO O RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Prestação de contas apresentada por candidato não eleito ao cargo de deputado federal, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às Eleições Gerais de 2022.

2. Falta de comprovação da aplicação de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC. Existência de cheque debitado, sem a indicação do beneficiário e sem o registro de saque por caixa ou compensação bancária. Demonstrado que o cheque está nominal à empresa (gráfica) mas não está cruzado, em desacordo com o art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. Entretanto, em que pese a irregularidade, é possível concluir com segurança que a beneficiária do pagamento é a empresa contratada, visto que anotado seu CNPJ no cheque, sem posterior realização de endosso. Falha formal, caracterizadora de ressalva nas contas. Afastado o dever de recolhimento do valor ao erário, pois restou comprovada a utilização do recurso.

3. A impropriedade representa 2,20% dos recursos recebidos na campanha e está dentro dos parâmetros, fixados na jurisprudência desta Justiça Especializada, de aplicação dos princípios de razoabilidade e de proporcionalidade (no patamar de até 10% da arrecadação financeira), para formar o juízo de aprovação com ressalvas da contabilidade.

4. Aprovação com ressalvas.

TRE-RS, PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS nº 060315247, Acórdão, Des. Patricia Da Silveira Oliveira, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 22/08/2024. (grifo nosso)

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATA. DESAPROVAÇÃO. CONHECIDOS OS DOCUMENTOS APRESENTADOS EM FASE RECURSAL. PAGAMENTOS COM RECURSOS PÚBLICOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC). IMPULSIONAMENTO DE CAMPANHA NO FACEBOOK. CHEQUES NOMINAIS NÃO CRUZADOS. DEMONSTRADA A ORIGEM E DESTINAÇÃO DAS RECEITAS. PAGAMENTOS REALIZADOS PELA PESSOA FÍSICA DO ADMINISTRADOR FINANCEIRO DE CAMPANHA. AFASTADA A DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO DAS CONTAS. PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas, com fulcro no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, em virtude de pagamentos com recursos públicos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), relativos a impulsionamento de campanha no Facebook, mediante quatro cheques, em desacordo aos meios elencados no art. 38 da referida Resolução e em nome de terceiro beneficiado, contrariando o disposto no art. 57-C da Lei n. 9.504/97. Determinação de recolhimento do valor irregular ao Tesouro Nacional.

2. Matéria preliminar. Conhecidos os documentos apresentados em fase recursal, de acordo com orientação firmada por este Tribunal, mormente porque o exame da documentação independe de novo parecer técnico. A documentação trazida supre a irregularidade apontada na prestação de contas, de modo que tem incidência o art. 219 do Código Eleitoral, no sentido de que apenas será declarada a nulidade quando houver demonstração de prejuízo.

3. Gastos com recursos públicos do FEFC em inobservância aos meios de pagamento elencados no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, pois houve pagamentos por meio de cheques nominais não cruzados. Entretanto, foi demonstrada a origem e destinação das receitas mediante documentos que comprovam os pagamentos realizados pela pessoa física do administrador financeiro de campanha eleitoral (art. 20 da Lei n. 9.504/97) para o impulsionamento junto ao Facebook. Afastada a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

4. Provimento. Aprovação das contas.

TRE-RS,  RECURSO ELEITORAL (11548) - 0600441-37.2020.6.21.0001 - Porto Alegre - RIO GRANDE DO SUL RELATOR: LUIS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, julgado em 10.02.2022 (grifo nosso)

Eleições 2018. Prestação de contas. [...] Irregularidade. Doação financeira de valor superior a R$ 1.064,10 por meio de cheque do candidato. Recursos próprios. Finalidade da norma. Efetiva identificação da origem dos recursos. Equivalência à transferência bancária eletrônica. Art. 22 da Res.–TSE nº 23.553/2017. Precedente. Ausência de má–fé. Princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Incidência. Aprovação com ressalvas. [...] 1. A finalidade da norma insculpida no art. 22 da Res.–TSE nº 23.553/2017 é possibilitar à Justiça Eleitoral rastrear os recursos que transitaram pelas contas de campanha. 2. O Tribunal Regional estabeleceu que as contas do agravado deveriam ser desaprovadas em virtude da inobservância da forma, embora possibilitada a identificação da origem dos recursos e seu rastreamento pela conta de campanha. 3. Na hipótese, a doação efetuada mediante cheque do próprio candidato implicou o necessário trânsito de recursos pelo sistema bancário e possibilitou, segundo a descrição fática do acórdão regional, ‘ a identificação do doador e da conta de onde os recursos partiram. Foram recursos próprios, oriundos da conta pessoal do candidato, decorrentes de seus vencimentos, e transferidos para a conta de campanha por cheque, e não por transferência eletrônica’ (ID nº 19999688), de sorte a permitir completa e total transparência e rastreabilidade. 4. No julgamento do AgR–REspe nº 0604675–90/RJ, Rel. Min. Og Fernandes, DJe de 18.12.2019, também referente ao pleito de 2018, este Tribunal, por unanimidade, assentou que a doação financeira para campanha eleitoral realizada mediante depósito identificado de cheque nominal proveniente de conta bancária do candidato não enseja a desaprovação das contas, visto que possível identificar a origem dos recursos recebidos, bem como o regular trânsito dos valores pela conta de campanha, à semelhança do que ocorreu no caso dos autos. 5. Não há, pois, falar em quebra da isonomia entre os candidatos, tampouco em violação à segurança jurídica, uma vez que a decisão impugnada se encontra em harmonia com precedente específico referente ao pleito de 2018. 6. Ademais, nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, ‘ com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização das contas’ [...] e " a demonstração de boa–fé, aliada à possibilidade da efetiva fiscalização pela Justiça Eleitoral, atrai a incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, desautorizando a rejeição das contas "[...] 7. Por serem insuficientes as razões do agravante para afastar os fundamentos determinantes da decisão impugnada, é de rigor sua manutenção integral [...]”.Ac. de 13.8.2020 no AgR-REspe nº 060090845, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto.   (grifo nosso)

 

Em relação ao pedido recursal quanto à alteração da conclusão de mérito, de desaprovação para aprovação com ressalvas, não merece acolhida.

Com efeito, o valor da irregularidade (R$ 3.500,00) e o percentual (34,31%) em relação aos recursos arrecadados (R$ 10.200,00) superam os parâmetros jurisprudenciais de R$1.064,10 e 10% para a  aprovação com ressalvas das contas.

Ante o exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso para afastar a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional do montante de R$ 3.500,00, mantendo a desaprovação das contas.