REl - 0600292-54.2024.6.21.0016 - Voto Relator(a) - Sessão: 23/06/2025 00:00 a 24/06/2025 23:59

VOTO

ADMISSIBILIDADE

O recurso foi tempestivamente interposto no tríduo recursal, visto que intimado da sentença em 27.11.2024, o apelo foi apresentado em 30.11.2024.

Mostrando-se adequado e preenchendo os demais pressupostos atinentes à espécie, conheço do recurso.

 

PRELIMINAR

Antes de adentrar no mérito do recurso, deve-se considerar se é possível a admissão do documento apresentado quando da interposição do recurso eleitoral ora em análise.

Nesse ponto, consigno que a jurisprudência deste Tribunal é sólida ao admitir no âmbito dos processos de prestação de contas de campanha, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, novos documentos não submetidos a exame no primeiro grau de jurisdição quando sua simples leitura, ictu primo oculi, possa sanar irregularidade sem necessidade de nova análise técnica. Tal posicionamento tem por objetivo privilegiar o direito à defesa, de forma a prestigiar o julgamento pela retidão no gerenciamento dos recursos empregados no financiamento da campanha.

No caso em análise, uma das principais alegações trazidas pelo recorrente em suas razões diz respeito ao fato da pessoa identificada como doadora dos recursos indicados como irregulares, LUIZ ALBERTO CORREA BOFF, possuir capacidade financeira para realizar tal doação, estando a operação dentro do limite de dez por cento dos rendimentos brutos auferidos no ano-calendário anterior à eleição, conforme prescreve o art. 27, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19. A fim de comprovar tal tese, o recorrente anexa ao recurso cópia da declaração de ajuste anual do imposto de renda de Luiz Alberto, relativa ao ano-calendário de 2023.

Ocorre que não se está diante de representação que busca aferir a regularidade de doação financeira sob o prisma do limite legal estabelecido no art. 23, parágrafo 1º, da Lei n. 9.504/97, o qual recairia sobre o doador, mas de averiguação da legalidade do recebimento de doação em desobediência ao modo prescrito na Resolução TSE n. 23.607/19. Portanto, tal documentação mostra-se totalmente impertinente para o deslinde do feito.

Ainda, trata-se de documento de terceiro, estranho à lide, e coberto por sigilo fiscal.

Portanto, ante a total falta de utilidade do documento para a solução da causa e da ausência de autorização para juntada de documento de terceiro, coberto por sigilo fiscal, não conheço do documento juntado no ID 45824614 e determino o seu desentranhamento dos autos.

Passo, agora, ao exame do mérito do recurso.

 

MÉRITO

Tal qual relatado, a controvérsia dos presentes autos reside na irresignação em face da sentença que considerou como recurso de origem não identificada (RONI) o recebimento de depósitos em dinheiro, realizados por um mesmo doador, no mesmo dia, ultrapassando o limite de R$ 1.064,10, visto que o procedimento adotado contrariou frontalmente o art. 21, inc. I, §§ 1º e 2o, da Resolução TSE n. 23.607/19. Assim prescreve a norma:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF da doadora ou do doador seja obrigatoriamente identificado;

[...]

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias da doadora ou do doador e da beneficiária ou do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por uma mesma doadora ou um mesmo doador em um mesmo dia.

[...]

(Grifei.)

Tal exigência normativa visa a assegurar a rastreabilidade dos recursos (origem e destino) recebidos pelos candidatos, o que resta comprometido quando a operação é feita por meio diverso, como o modo utilizado no caso.

Nesse cenário, ainda que os comprovantes de depósitos indiquem o CPF do doador e que esse possuísse capacidade financeira para realizar a doação dentro do limite de dez por cento dos rendimentos brutos auferidos no ano-calendário anterior à eleição, conforme prescreve o art. 27, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19, houve, efetivamente, a superação do limite diário de recebimento de doação em dinheiro de um único doador, a qual inviabiliza o rastreamento dos recursos.

Ressalto que o colendo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entende que a obrigação de as doações acima de R$ 1.064,10 serem realizadas mediante transferência bancária ou cheque nominal cruzado não se constitui em mera exigência formal, sendo que o seu descumprimento enseja, em tese, a desaprovação das contas, consoante precedente a seguir colacionado:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DOAÇÃO. DEPÓSITO BANCÁRIO. EM ESPÉCIE. VALOR SUPERIOR A R$ 1.064,10. TRANSFERÊNCIA ELETRÔNICA. EXIGÊNCIA. ART. 18, § 1º DA RES. TSE Nº 23.463/2015. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. PROVIMENTO.

(...)

2. Nas razões do regimental, o Parquet argumenta que não foi observado o art. 18, § 1º, da Res.-TSE nº 23.463/2015, segundo o qual "as doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação". 3. A Corte Regional, soberana na análise dos fatos e provas, atestou a identificação da doadora do valor apontado como irregular por meio do número do CPF impresso no extrato eletrônico da conta de campanha.

4. Consoante decidido nesta sessão, no julgamento do AgR-REspe nº 265-35/RO, a maioria deste Tribunal assentou que a exigência de que as doações acima de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) sejam feitas mediante transferência eletrônica não é meramente formal e o seu descumprimento enseja, em tese, a desaprovação das contas.

(...)

7. Agravo regimental acolhido para dar provimento ao recurso especial, com determinação de recolhimento ao erário do valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

(Recurso Especial Eleitoral n. 52902, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Publicação:  DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 250, Data: 19.12.2018, pp. 92-93.) (Grifei.)

O raciocínio adotado pela Corte Superior é de que o descumprimento da exigência de transferência bancária ou de cheque nominal cruzado não fica suprido pela realização de depósito em espécie ainda que identificado por determinada pessoa, circunstância que não se mostra apta para comprovar a efetiva origem do valor devido à ausência de trânsito prévio dos recursos pelo sistema bancário.

Nesse passo, não há como dar guarida à alegação de que a soma, por tratar-se de valor inexpressivo, seria insuficiente para conclusão de prática de má-fé ou abusividade, bem como qualquer outro indício de que tenha ocorrido irregularidade nos gastos de campanha. Aqui, não se trata de averiguar irregularidade meramente formal, nem de análise da boa ou má-fé do prestador, ou de hipótese de malversação, desvio de recursos ou de locupletamento indevido, mas de manifesto e injustificável descumprimento de norma eleitoral objetiva, aplicável a todos os candidatos.

Da mesma forma, a alegação de que “a menção ao limite total por doador restou mencionado apenas na fundamentação, parte final, da decisão prolatada, causando grave prejuízo ao Recorrente, impossibilitando apresentar documentos probatórios, capazes de complementar a informação de origem da doação apontada”, trazida no recurso em análise, não merece acolhimento.

A irregularidade foi apontada inicialmente pelo Cartório Eleitoral no exame de contas de ID 45824575, no item nominado “Dos Recursos de Origem Não Identificada – RONI”. Vejamos:

“[...]

3.1 - Foram identificadas doações financeiras por meio de depósito em espécie recebidas de pessoa física (Luiz Alberto Correa Boff – CPF 376.765.200-53) no dia 20.08.2024, que somam R$ 20.000,00, realizadas de forma distinta da opção de transferência eletrônica ou cheque cruzado e nominal ou PIX entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação, contrariando o disposto no art. 21, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE nº 23.607/2019,

[...]”

Do exame de contas, o prestador manifestou-se na petição de ID 45824582, trazendo, inclusive, declaração do doador (ID 45824584).

A irregularidade veio novamente anotada no parecer conclusivo de ID 45824603, trazendo os exatos termos já apresentados no exame de contas, complementados por tabela demonstrativa dos depósitos e pela seguinte conclusão:

“[...]

O candidato apresentou manifestação que, tecnicamente, não foi capaz de sanar a falha apontada.

O art. 21, §§ 1º e 2º, da citada resolução estabelece o seguinte:

“§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias da doadora ou do doador e da beneficiária ou do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por uma mesma doadora ou um mesmo doador em um mesmo dia”

A falha apontada está inserida no § 2º e é considerada recurso de origem não identificada de acordo com o § 3º do mesmo artigo.

[...]”

Portanto, a irregularidade e a sua capitulação legal sempre foram apontadas e delas dada possibilidade de defesa por parte do prestador de contas, que assim fê-lo; não procedendo a alegação de que houve prejuízo à sua defesa.

Ainda, a alegação de que o procedimento de depósitos sucessivos foi realizado por informação equivocada prestada pela agência bancária também não possui condão de alterar o resultado do julgado. Mesmo que se admitisse tal situação, a Resolução TSE n. 23607/19 também é clara ao estabelecer o procedimento a ser adotado pelo candidato em situação como a posta nos autos:

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatas ou candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

IV - as doações recebidas em desacordo com o disposto no art. 21, § 1º, desta Resolução quando impossibilitada a devolução à doadora ou ao doador;

[...]

§ 2º O comprovante de devolução ou de recolhimento, conforme o caso, poderá ser apresentado em qualquer fase da prestação de contas ou após o trânsito em julgado da decisão que julgar as contas de campanha e, no caso de recolhimento ao Tesouro Nacional, deverá observar o disposto na Res.-TSE nº 23.709/2022. (Redação dada pela Resolução nº 23.731/2024)

Por fim, a questão atinente ao fato de o doador possuir capacidade financeira para realizar a doação, estando tal operação dentro do limite de dez por cento dos rendimentos brutos auferidos no ano-calendário anterior à eleição, conforme prescreve o art. 27, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19, já foi atacada na preliminar suscitada de ofício, mas como fora trazida no corpo do recurso, repiso a conclusão de que tal situação não possui condições de sanar a irregularidade apontada, relativa à forma como a doação foi realizada, e não de doação realizada acima do limite legal.

Nesse sentido, visto ser inviável afastar a irregularidade dos depósitos realizados de forma sucessiva a ultrapassar o limite normativo, o desprovimento do recurso é medida que se impõe, mantendo-se a sentença ora combatida em seus exatos termos, por estar de acordo com o entendimento deste Tribunal acerca do tema, conforme o recente precedente que colaciono:

DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2024. RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DEPÓSITOS EM ESPÉCIE ACIMA DO LIMITE LEGAL. EXCESSO DE GASTOS COM RECURSOS PRÓPRIOS. AFASTADA A FALHA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1.1. Recurso eleitoral interposto por candidato eleito ao cargo de vereador contra sentença que desaprovou suas contas referentes às Eleições Municipais de 2024, por excesso de gastos com recursos próprios e realização de três depósitos, em espécie, sucessivos, no mesmo dia, superando o limite normativo. Determinado o recolhimento do valor irregular ao Tesouro Nacional e aplicada multa. 1.2. O recorrente sustenta que os depósitos em espécie consistiram em erro formal, sem prejuízo ao processo eleitoral, e que os valores gastos com honorários advocatícios e contábeis não deveriam ser considerados na apuração do limite de autofinanciamento. II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO 2.1. Há duas questões em discussão: (i) saber se a realização de três depósitos em espécie sucessivos no mesmo dia, em valores que ultrapassam o limite normativo, justifica a desaprovação das contas; e (ii) saber se o montante considerado como de origem não identificada poderia ser enquadrado, simultaneamente, como oriundo de recursos próprios. III. RAZÕES DE DECIDIR 3.1. Depósitos em espécie acima do limite legal. A Resolução TSE n. 23.607/19, em seu art. 21, § 2º, determina que doadores não podem realizar doações sucessivas em espécie, em um mesmo dia, caso a soma dos valores ultrapasse R$ 1.064,10. A identificação do depositante como o próprio candidato não supre a ausência de rastreabilidade bancária adequada, indispensável para comprovar a origem inequívoca dos recursos. Mantida a sentença no ponto, com a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional. 3.2. Extrapolação do limite de gastos com recursos próprios. Afastada a irregularidade, uma vez que os valores tomados como autofinanciamento são os mesmos considerados como receitas de origem não identificada no tópico anterior. 3.3. As irregularidades abrangem a integralidade das receitas manejadas pelo candidato, inviabilizando a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para mitigar a sua repercussão sobre o conjunto das contas Manutenção do juízo de desaprovação e a determinação de recolhimento do equivalente ao Tesouro Nacional. IV. DISPOSITIVO E TESE 4.1. Recurso parcialmente provido, mantendo-se a desaprovação das contas e a obrigação de recolhimento ao Tesouro Nacional. Afastada a multa. Tese de julgamento: "1. A realização de depósitos em espécie sucessivos no mesmo dia, em valores que ultrapassam o limite normativo, caracteriza o recebimento de recurso de origem desconhecida e enseja o dever de recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional. 2. O reconhecimento de que o montante representa recursos de origem não identificada impossibilita o enquadramento da quantia, simultaneamente, como oriundo de recursos próprios, o que acarretaria uma incongruência lógica na caracterização da mesma receita nessas diferentes espécies de irregularidade." Dispositivos relevantes citados: Lei n. 9.504/97, art. 23, § 2º-A e § 3º; Resolução TSE n. 23.607/19, art. 21, § 2º e art. 27, § 1º e § 4º. Jurisprudência relevante citada: TRE-RS; Recurso Eleitoral n. 060005233, Acórdão, Des. Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 22.9.2022; TRE-RS; RECURSO ELEITORAL n. 060013888, Acórdão, Des. Federal Luis Alberto Dazevedo Aurvalle, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 16.6.2023 (TRE-RS, REl 0600521-02.2024.6.21.0020, Des. Eleitoral Mario Crespo Brum, julgado em 14.04.2025) (Grifei.)

Ante o exposto, VOTO, preliminarmente, por NÃO CONHECER do documento juntado no ID 45824614 e DETERMINAR o seu desentranhamento dos autos e, no mérito, NEGAR PROVIMENTO ao recurso.