REl - 0601065-79.2024.6.21.0055 - Voto Relator(a) - Sessão: 23/06/2025 00:00 a 24/06/2025 23:59

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento. 

No mérito, IVO WILBORN, candidato ao cargo de vereador no Município de Riozinho/RS, nas Eleições de 2024, recorre contra a sentença que julgou aprovadas com ressalvas suas contas de campanha, com determinação de “recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ R$ 720,00 (setecentos e vinte reais) de maneira solidária com a candidata que realizou o repasse, a teor do que preconiza o art. 79, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19”. 

A irregularidade identificada na origem refere-se à utilização de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) recebidos pela candidata Deniziener dos Santos Vaz, do mesmo partido do prestador de contas, em material gráfico conjunto, sem comprovação, porém, de que os valores empregados tenham revertido em benefício direto à candidatura feminina. 

Com efeito, a Resolução TSE n. 23.607/19 estabelece que os recursos do FEFC destinados às candidaturas femininas devem ser aplicados exclusivamente em favor dessas, admitindo-se exceção apenas quando comprovado que o material produzido em conjunto com outro candidato produziu benefício direto, real e concreto à candidatura feminina 

Nesses termos, dispõe o art. 17, § 4º, inc. I, e §§ 6º e 7º, da Resolução TSE n. 23.607/19: 

Art. 17. (...). 

[...]. 

§ 6º A verba do Fundo Especial de Financiamento das Campanhas (FEFC) destinada ao custeio das campanhas femininas e de pessoas negras deve ser aplicada exclusivamente nestas campanhas, sendo ilícito o seu emprego no financiamento de outras campanhas não contempladas nas cotas a que se destinam. (Redação dada pela Resolução nº 23.665/2021) 

§ 7º O disposto no § 6º deste artigo não impede: o pagamento de despesas comuns com candidatos do gênero masculino e de pessoas não negras; a transferência ao órgão partidário de verbas destinadas ao custeio da sua cota-parte em despesas coletivas, desde que haja benefício para campanhas femininas e de pessoas negras. (Redação dada pela Resolução nº 23.665/2021) 

[...]. 

A sentença reconheceu que o “candidato recebeu recursos financeiros de FEFC, no valor de R$ 720,00, da candidata, do mesmo partido, ao cargo de vereadora Deniziener dos Santos Vaz, como doação estimável utilizado em material impresso, não comprovando benefício à campanha da candidata, contrariando o disposto nos §§ 6º e 7º, do art. 17 da Resolução TSE n. 23.607/2019” (ID 45825591). 

De seu turno, o recorrente sustenta que a propaganda eleitoral conjunta promoveu a legenda partidária comum e, por consequência, beneficiou a candidatura feminina, sob o argumento de que o eventual incremento da votação da sigla poderia favorecer a eleição da candidata doadora. Defende, ainda, que a visibilidade proporcionada pelo material gráfico impactou positivamente todos os candidatos do partido. 

No entanto, no caso concreto, inexiste prova documental idônea de que o material publicitário em questão tenha efetivamente beneficiado ou promovido a candidatura de Deniziener dos Santos Vaz. 

Para afastar a irregularidade decorrente da utilização de recursos do FEFC em favor de outro candidato, incumbia ao recorrente, na condição de beneficiário, o ônus de comprovar que o gasto gerou benefício direto à candidatura feminina, nos termos legais. A inércia nesse dever probatório conduz, como regra, à caracterização da irregularidade e à imposição de devolução dos valores indevidamente empregados ao Tesouro Nacional. 

Nessa linha, colaciono precedente deste egrégio Regional: 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADOR . DESAPROVAÇÃO. APLICAÇÃO IRREGULAR DE RECURSOS ORIUNDOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA DESTINADAS AO FINANCIAMENTO DE CANDIDATURAS FEMININAS. CHEQUE NOMINAL NÃO CRUZADO. VALOR NOMINAL BAIXO . MANTIDO DEVER DE RECOLHIMENTO DA QUANTIA AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO. 1 . Insurgência contra sentença que julgou desaprovadas as contas de campanha de candidata ao cargo de vereador, relativas às eleições de 2020, em virtude da aplicação irregular de verbas oriundas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha  FEFC. Determinado recolhimento ao Tesouro Nacional. 2. Recebimento de recursos do FEFC destinados a candidaturas femininas sem a indicação de benefício para a candidata . Segundo o art. 17, §§ 4º, 6º e 7º, da Resolução TSE n. 23.607/19, devem ser destinados no mínimo 30% dos recursos do FEFC para campanhas femininas, cuja aplicação pela candidata há de se dar no direto interesse de sua campanha ou de outras candidaturas do mesmo sexo . Entretanto, na hipótese, o valor recebido, proveniente de reserva de recursos do FEFC para o custeio das candidaturas femininas, foi repassado ao ora recorrente. Para afastar a irregularidade, cumpriria ao beneficiário da doação apresentar documentos que demonstrassem o benefício comum nos termos legais, tais como notas fiscais e exemplares de material de propaganda eleitoral, ônus do qual não se desincumbiu, impondo o dever de recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional. Eventual discussão sobre a configuração de bis in idem no caso de condenação da candidata doadora, no processo próprio de contas, em razão da ilicitude da doação efetivada, deve ser tratada nas pertinentes fases de cumprimento de sentença, diante da imposição pela lei de responsabilidade solidária entre o candidato e a candidata doadora. 3 . Pagamento efetuado com recursos do FEFC com inobservância do art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23 .607/19. Emissão de cheque nominal, mas não cruzado, sem identificação do beneficiário do pagamento (contraparte) no extrato bancário. 4. O conjunto das irregularidades representa quantia considerada módica, estando abaixo do valor adotando como valor máximo de referência de R$ 1 .064,10, permitindo a aprovação das contas com ressalvas em face da aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. 5. Parcial provimento. Aprovação com ressalvas . Mantida a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional. 

(TRE-RS - REL: 060091521 LAJEADO - RS, Relator.: CAETANO CUERVO LO PUMO, Data de Julgamento: 23/08/2022, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 25/08/2022.)

 

Na hipótese em tela, contudo, conforme salientado no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, “a ausência da juntada do referido material impede a verificação da sua destinação e do alegado interesse comum” (ID 45977690). 

O argumento defensivo revela equívoco hermenêutico ao desconsiderar que o critério legal é a demonstração de benefício direto, real e concreto, e não meramente presumido, genérico ou potencial.  

Vale dizer: o que se exige é que o gasto com recursos do FEFC resulte em visibilidade, fortalecimento e promoção da campanha da mulher beneficiária, de forma efetiva e comprovado nos autos do processo de contas, e não simples projeções ou hipóteses de efeitos eleitorais indiretos ou compartilhados entre todos os concorrentes. 

Não se trata de impedir campanhas colaborativas, tampouco de negar a dinâmica de coligações ou partidos com candidaturas integradas. O ordenamento jurídico eleitoral veda, de forma inequívoca, o desvio de finalidade na aplicação de recursos públicos, cuja destinação está constitucional e legalmente vinculada à superação da sub-representação feminina nos espaços de poder. 

Admitir a tese recursal — de que qualquer campanha conjunta, ainda que desproporcional ou secundária para a mulher, já caracterizaria benefício à sua candidatura — seria abrir margem para a neutralização do próprio propósito da ação afirmativa contida no FEFC, permitindo que candidaturas masculinas se aproveitem do fundo com base em pretextos meramente retóricos. 

Como já decidido por este Tribunal Regional, “a cota de gênero tem como escopo concretizar conquista legislativa destinada ao fortalecimento direto de candidaturas femininas e que, portanto, não comporta argumento de benefícios reflexos, em sede meramente hipotética como o apresentado, sob pena de que se torne mera legislação álibi, sem efetividade, pois um suposto "benefício coletivo" é de difícil, para não referir impossível, aferição” (Recurso Eleitoral n. 060033012/RS, Relator: Des. Eleitoral José Vinicius Andrade Jappur, Acórdão de 27.10.2022, Publicado no Diário de Justiça Eletrônico, data 31.10.2022). 

Não demonstrado o proveito direto à candidatura feminina com o uso dos recursos públicos repassados a outro candidato, o § 9º do art. 17 da Resolução TSE n. 23.607/19 impõe a responsabilização solidária de ambos ao recolhimento das quantias indevidamente aplicadas: 

Art. 17. (...). 

[...]. 

§ 9º Na hipótese de repasse de recursos do FEFC em desacordo com as regras dispostas neste artigo, configura-se a aplicação irregular dos recursos, devendo o valor repassado irregularmente ser recolhido ao Tesouro Nacional pelo órgão ou candidata ou candidato que realizou o repasse tido por irregular, respondendo solidariamente pela devolução a pessoa recebedora, na medida dos recursos que houver utilizado. 

 

Ressalto, a título de obiter dictum, que eventual controvérsia sobre a caracterização de bis in idem, em caso de eventual condenação da candidata doadora em sua própria prestação de contas, em razão da ilicitude da doação realizada, deverá ser examinada oportunamente na fase de cumprimento da decisão, considerando a responsabilidade solidária legalmente prevista entre o doador e o beneficiário do repasse irregular, nos termos do art. 275 do Código Civil, na linha da jurisprudência desta Corte Regional (Recurso Eleitoral n. 060091521, acórdão de 23.8.2022, Relator: Des. Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 25.8.2022). 

Dessa forma, impõe-se a manutenção da sentença que aprovou com ressalvas as contas do recorrente, com a determinação de recolhimento ao erário da quantia de R$ 720,00, correspondente aos recursos do FEFC utilizados de forma irregular, em regime de responsabilidade solidária com a candidata doadora, nos termos do art. 17, § 9º, e do art. 79, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19. 

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.