REl - 0600129-32.2020.6.21.0140 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/11/2020 às 14:00

VOTO

O recorrente alega que seu registro de candidatura deve ser deferido, pois inexistente a presença de ato doloso, lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito no acórdão da lavra do Des. Irineu Mariani, nos autos da Apelação Cível n. 70029704475, da Primeira Câmara Cível do TJ-RS que, por maioria, deu provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e julgou procedente a ação civil pública de responsabilidade por ato de improbidade administrativa, para o fim de condená-lo, enquanto Prefeito de Coronel Bicaco/RS, à suspensão de direitos políticos pelo prazo de 5 (cinco) anos, cujo trânsito em julgado ocorreu em 04.5.2011 (ID 7728083 – p. 43).

De acordo com o acórdão condenatório, o recorrente José Nilton Sallet realizou ato de improbidade administrativa tendo em conta que, enquanto Prefeito de Coronel Bicaco, no exercício de 1997, ao longo do ano, autorizou, sem processo licitatório, a compra de medicamentos, efetuando dispensas indevidas de licitação por intermédio do expediente de fracionar as despesas, realizando compras sempre abaixo do limite estabelecido na Lei n. 8.666/93.

O TJ-RS considerou, ainda, ser induvidoso o prejuízo ao erário municipal, não havendo “explicação plausível, exceto aquela da improbidade e da má-fé, relativamente às compras em estabelecimento onde o remédio era mais caro, especialmente na Drogaria César, não por casualidade comprada pelo réu após o término do mandato”. Como se vê, foi reconhecido pelo órgão julgador o cometimento de ato doloso de improbidade administrativa que causou prejuízo ao erário.

De acordo com a sentença, a hipótese dos autos atrai a incidência do disposto no art. 1º, inc. I, al. “l”, da Lei Complementar n. 64/90 e no art. 14, § 9º, da Constituição Federal:

 Art. 1º São inelegíveis:

 I – para qualquer cargo:

(…)

l) os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena.

Art. 14 (…)

(…)

§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 4, de 1994)

A respeito do tema, o Tribunal Superior Eleitoral definiu que a incidência da inelegibilidade sob exame requer ato doloso de improbidade que importe lesão ao patrimônio público e, concomitantemente, enriquecimento ilícito. Ainda, merece relevo que tais circunstâncias devem ser extraídas da decisão proferida pela Justiça Comum. Colaciono julgado nesse sentido:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ORDINÁRIO. REGISTRO DE CANDIDATURA DEFERIDO. DEPUTADO ESTADUAL. ART. 1º, I, DA LC Nº 64/1990. OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO MONOCRÁTICA NÃO FORAM AFASTADOS. MANUTENÇÃO. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO SUMULAR Nº 182 DO STJ. NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO. 1. Nos termos da jurisprudência do TSE, a inelegibilidade do art. 1º, I, l, da LC nº 64/1990 impõe a presença simultânea de lesão ao patrimônio público e de enriquecimento ilícito nos atos dolosos de improbidade administrativa. Precedentes. Ressalva de entendimento pessoal. 2. Conquanto a decisão agravada tenha reconhecida a presença de dano ao erário nos fundamentos da decisão condenatória do juízo de improbidade, fundada exclusivamente no art. 11 da Lei nº 8.492/1992, manteve o deferimento do registro de candidatura, por entender, na linha da jurisprudência deste Tribunal, ser necessária a presença cumulativa desse requisito legal e de enriquecimento ilícito. 3. O agravante não impugnou especificamente os fundamentos da decisão agravada, pois se limitou a reiterar as razões do recurso ordinário, de modo que incide na espécie o Enunciado Sumular nº 182 do STJ. 4. Por não haver argumentos hábeis a alterar a decisão questionada, esta deve ser mantida por seus próprios fundamentos. 5. Negado provimento ao agravo interno.

(TSE, Recurso Ordinário n. 060065907, Acórdão, Relator Min. Og Fernandes, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 66, Data: 05.4.2019.) (Grifei.)

No caso em apreço, a sentença concluiu que, da leitura do acórdão da Apelação Cível n. 70029704475, verifica-se que o recorrente José Nilton Sallet foi condenado à suspensão de seus direitos políticos pelo prazo de 5 anos por ato doloso de improbidade administrativa que importou, cumulativamente, lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito de terceiro. Transcrevo a decisão:

Preliminarmente, registro que a ausência de manifestação do partido acerca da impugnação não representa prejuízo processual, uma vez que sedimentado o entendimento da inexistência de litisconsórcio passivo necessário entre o candidato e o partido que postulou a candidatura, restando pois, incólumes as questões de natureza adjetiva.

Passo a enfrentar o mérito. E de antemão asseguro que a impugnação merece prosperar.

A inelegibilidade é uma condição ligada à pessoa, ao cargo ou à função, ou decorrente de sancionamento de natureza administrativa, cível ou criminal, que, temporariamente, inibe o exercício dos direitos políticos passivos, constituindo-se em uma proibição que impossibilita a candidatura a cargo eletivo. Ela pode ser aventada por meio de impugnação ou simplesmente apresentada por meio de notícia encaminhada pelo próprio cidadão ao juízo eleitoral, a partir do momento em que são publicados os pedidos de registro de candidatura.

O regramento encontra supedâneo no texto constitucional, com o objetivo de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

A Lei de Inelegibilidade (Lei Complementar 64/90, com as alterações promovidas pela Lei da Ficha Limpa – Lei Complementar 135/2010), assim como outras leis esparsas, elenca situações que, em sendo verificadas, são aptas a afastar do pleito os concorrentes que estejam incursos em alguma das causas impeditivas.

No caso em tela, JOSÉ NILTON SALLET apresentou requerimento de registro de candidatura para concorrer ao cargo de Vereador, nas eleições municipais de 2020, pelo Partido Democrático Trabalhista – PDT, do Município de Coronel Bicaco.

No entanto, o referido candidato teve seu registro impugnado pelo Ministério Público Eleitoral, sob o argumento de que no dia 04/05/2011 transitou em julgado decisão condenatória por ato de improbidade administrativa, proferida nos autos da Apelação Cível n. 70029704475, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, recaindo sobre ele a causa de inelegibilidade descrita no art. 1º, inc. I, alínea “l”, da LC 64/90:

(...)

Nos termos do art. 2º, da mencionada lei, compete à Justiça Eleitoral conhecer e decidir sobre as hipóteses de inelegibilidade arguidas. Incumbe, portanto, a este juízo analisar se a condenação sofrida pelo impugnado na Justiça Comum enquadra-se no dispositivo legal suscitado, de modo a obstar a candidatura pleiteada.

Para tanto, é necessário verificar a presença dos requisitos que caracterizam a causa de inelegibilidade invocada, os quais vêm expressos no próprio dispositivo legal, quer sejam a condenação à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito.

A existência de condenação por ato de improbidade administrativa transitada em julgado é incontroversa, sequer o candidato a discute, conforme, inclusive, certidão narratória acostada aos autos, fazendo-se necessária, portanto, a aferição da presença dos demais requisitos.

Nesta análise, sem rediscutir o mérito da decisão judicial que ensejou a condenação, cabe a este juízo, a fim de fazer o enquadramento jurídico da decisão na causa de inelegibilidade arguida, analisar se os requisitos exigidos para sua incidência foram reconhecidos pelo julgador nos fundamentos que sustentaram a condenação, ainda que não estejam presentes de forma explícita no dispositivo.

Nesse sentido, é assente a jurisprudência dos tribunais:

(...)

Dedico-me, portanto, à análise do título condenatório e sua fundamentação.

Em relação ao dolo.

Note-se que o reconhecimento do dolo no agir do impugnado foi explícito pelo julgador, restando expressamente mencionado na própria ementa do acórdão:

2. Mérito.2.1 –Fracionamento das compras. Ostenta-se ilícito fracionar as compras de medicamentos, fazendo-as durante longo período, em pequenas quantidades cada vez, a fim de, por meio desse artifício, burlar a necessidade de licitação, criando artificialmente a hipótese de dispensa prevista no art. 24, II, da Lei 8.666/93.

2.2 –Procedimento doloso. Não é possível excluir a consciência de ilicitude (rectius, dolo), (a)se o próprio Prefeito Municipal declarou que sabia da necessidade de licitação, (b)se as compras diretas feitas em estabelecimentos da cidade sequer seguiram o critério do menor preço no mercado local, e sim, em diversas oportunidades, compras pelo preço maior, em evidente prejuízo ao erário municipal, inclusive, massivamente, num estabelecimento comprado pelo Chefe do Executivo após o término do mandato eletivo.

Vê-se, portanto, que o julgador não deixou margem para dúvida, inclusive contrapondo-se expressamente ao entendimento do juízo a quo, que mereceu reparo:

2.2 –Consciência da ilicitude. O digno Magistrado julgou improcedente o pedido basicamente por não reconhecer consciência de ilicitude na conduta do réu, isto é, não reconheceu conduta dolosa ou de má-fé, conforme a seguinte passagem (fl. 610): “Não raras vezes, políticos pouco preparados chegam ao poder, muitas delas, sem possuir noção ao acerto do que significa administrar a res pública, tampouco de forma ainda mais imediata como nas cidades pequenas, em que os atos são levados quase que instantaneamente ao conhecimento da população local. (omissis). O dever de licitar é inafastável e não se pode alegar seu desconhecimento, máxime por um agente político. Entretanto, a burla que se quer demonstrar exige a vontade, o dolo e principalmente a má-fé de seu agente na tentativa de ludibriar os órgãos fiscalizadores, fazendo uso de lacunas da própria lei.”

Com a devida vênia, não fosse o fato de que a improbidade do art. 10 pode ocorrer também pela forma culposa, o que não foi considerado na respeitável sentença, penso que há dolo, uma vez não foram apenas alguns atos e durante curto período, e sim foram oitenta e sete e praticados ao longo de um ano e, pior ainda, conforme veremos adiante, feitas compras por preço superior ao previsto no mercado, em outros estabelecimentos na própria localidade. Quer dizer, não houve sequer a preocupação do prévio orçamento ou pesquisa de preço.

Nesse contexto, a revisão realizada em grau recursal, prevalente para a análise que ora se faz, mostra coerência ao conjunto probatório, especialmente levando em conta que a conduta do impugnado não se restringiu a esporádicos e incipientes atos, mas consistiu em prática sabidamente ilícita, repetida oitenta e sete vezes ao longo do ano de 1997, sem observância sequer ao critério do menor preço, conferiu enquadramento ao ato na forma dolosa.

Com efeito, a reiteração consciente, deliberada e inadvertida no agir ilícito do impugnado permitiu ao julgador revisor reconhecer o caráter doloso do ato. Nesse sentido, conquanto o juízo a quo tenha autonomia para analisar os fatos e decidir o caso em primeiro grau, a decisão do tribunal que substitui a sentença, reformando-a, é que deve ser o parâmetro de análise. Em suma, a decisão do tribunal é o verdadeiro título condenatório contra o candidato.

Não fosse bastante o explícito reconhecimento de que a prática ímproba se deu com dolo, registre-se que, para incidência da inelegibilidade prevista na alínea “l”, do inc. I, do art. da LC 64/90, é assente o entendimento de que não se requer dolo específico, bastando o genérico eventual, de modo que, inevitavelmente o ato atribuído ao impugnado atrai a inelegibilidade assinalada, nos precisos e irreparáveis termos da fundamentação do decisium.

Ademais, diante da circunstância de insistência na prática ímproba, mesmo sabidamente irregular, repetida oitenta e sete vezes no ano de 1997, prolongando-se no tempo, é patente que a conduta desborda da simples culpa, recaindo, irremediavelmente, na caracterização dolosa (ainda que eventual), a que fez referência o julgador ad quem.

No que diz à lesão ao patrimônio público e ao enriquecimento ilícito, bem como às teses defensivas.

Ao tratar da lesão ao patrimônio público, observa-se que o julgador demonstrou idêntica clareza e convicção, permitindo a este juízo o perfeito enquadramento exigido pela Lei de Inexigibilidade, senão vejamos:

2.3 –Prejuízo ao erário.

É induvidoso que houve prejuízo ao erário municipal. E aí um detalhe interessante: se a situação financeira do Município era péssima e até caótica, e disso o réu tinha consciência, mais rigoroso devia ser no controle dos gastos, se o propósito era, com sinceridade, proteger os interesses públicos.

Portanto, não há explicação plausível, exceto aquela da improbidade e da má-fé, relativamente às compras em estabelecimento onde o remédio era mais caro, especialmente na Drogaria César, não por casualidade comprada pelo réu após o término do mandato.

Aliás, é oportuno notar que o próprio juízo originário reconheceu a discrepância dos valores pagos, em muitas oportunidades, em pequeno intervalo de tempo, referindo-se também à inegável probabilidade de que as compras realizadas em balcão, prática implementada como “padrão” pelo impugnado, certamente representavam o pagamento de valores superiores àqueles praticados por distribuidores do ramo atacadista.

Registre-se, conforme observado no julgamento reformador, que, à época dos fatos, o município enfrentava acentuadas dificuldades financeiras, fato que era do inteiro conhecimento do gestor, sendo que nem assim se preocupou em bem gerir os parcos recursos que administrava, adotando conduta que onerou ainda mais os cofres públicos.

Com efeito, é notório que a lesão ao patrimônio público restou devidamente reconhecida e foi ponderada no momento do sancionamento, porque, na forma como se deu, tornou evidente que o prejuízo causado ao erário não decorreu de mero descuido ou ignorância mas, reitere-se, de deliberada e astuciosa prática.

A partir desse ponto é possível a análise conjunta da fundamentação que alicerçou a condenação do impugnado para que se torne igualmente cristalina a admissão do enriquecimento ilícito, ainda que não conste explicitamente no acórdão.

E posso dizer, nesse sentido, que estou plenamente convencido de que a conduta ímproba e dolosa do impugnado não se limitou a causar lesão ao patrimônio público, mediante o procedimento fraudulento que ensejou gastou maiores do que os necessários aos cofres públicos, mas também resultou em inegável e ilícito benefício ao proprietário da farmácia que realizou o maior número de vendas de medicamentos para o município (setenta), no período de um ano, mesmo tendo praticado preços muito acima daqueles verificados nas demais farmácias. De fato, o acórdão é claro em apontar que houve inegável e indevida vantagem a terceiro, quem seja, o proprietário da farmácia que realizou as maiores e mais numerosas vendas de medicamentos, a preços inclusive superiores aos praticados no mercado.

Ora, em ambas as instâncias restou reconhecido que o estabelecimento denominado Drogaria Cesar, mesmo praticando preços superiores aos demais fornecedores, realizou setenta vendas de medicamentos para o município de Coronel Bicaco, no ano de 1997, das oitenta e sete compras que foram autorizados pelo impugnado, sem qualquer critério.

Então, é inarredável a conclusão de que houve, sim, enriquecimento ilícito por parte do beneficiado, porquanto forneceu mais de 80% (oitenta por cento) dos medicamentos adquiridos pelo município de Coronel Bicaco no ano de 1997, praticando preços acima dos de mercado, e com isso auferiu indevida e ilegal vantagem que certamente representou acréscimo em seu patrimônio.

Reproduzo novamente trechos já transcritos do julgado:

2.2 –Procedimento doloso. Não é possível excluir a consciência de ilicitude (rectius, dolo), (a)se o próprio Prefeito Municipal declarou que sabia da necessidade de licitação, (b)se as compras diretas feitas em estabelecimentos da cidade sequer seguiram o critério do menor preço no mercado local, e sim, em diversas oportunidades, compras pelo preço maior, em evidente prejuízo ao erário municipal, inclusive, massivamente, num estabelecimento comprado pelo Chefe do Executivo após o término do mandato eletivo.

(…)

Com a devida vênia, não fosse o fato de que a improbidade do art. 10 pode ocorrer também pela forma culposa, o que não foi considerado na respeitável sentença, penso que há dolo, uma vez não foram apenas alguns atos e durante curto período, e sim foram oitenta e sete e praticados ao longo de um ano e, pior ainda, conforme veremos adiante, feitas compras por preço superior ao previsto no mercado, em outros estabelecimentos na própria localidade. Quer dizer, não houve sequer a preocupação do prévio orçamento ou pesquisa de preço.

(..)

Portanto, não há explicação plausível, exceto aquela da improbidade e da má-fé, relativamente às compras em estabelecimento onde o remédio era mais caro, especialmente na Drogaria César, não por casualidade comprada pelo réu após o término do mandato.

Desse modo, tenho que a causa de inelegibilidade arguida pelo impugnante está devidamente caracterizada, porquanto restaram preenchidos todos os seus requisitos, na fundamentação do acórdão proferido na Apelação Cível n. 70029704475, permitindo o adequado enquadramento por esta justiça especial.

Destaco, ainda, que a este juízo não compete perquirir acerca da gravidade, extensão da lesividade ou até mesmo do quantum de acréscimo patrimonial foi auferido pelo terceiro beneficiado, porque tais considerações foram realizadas pelo julgador competente no momento do sancionamento ou dosagem das sanções cominadas.

Tampouco mostra-se relevante trazer à tona a discussão acerca da efetiva aquisição ou não do estabelecimento farmacêutico, denominado Drogaria Cesar, pelo impugnado.

Tendo analisado cautelosamente a fundamentação da decisão para fins de enquadramento da causa de inelegibilidade, da qual estou plenamente convencido, como forma de esgotar definitivamente a discussão trazida aos autos, cumpre fazer expressa referência à tese invocada pelo impugnado para demonstrar que a mesma não se sustenta, mantendo-se incólume a certeza a que chegou este juízo.

Em sua defesa, o impugnado assevera estar em pleno gozo de seus direitos políticos, reportando-se à certidão de quitação eleitoral, obtida perante a justiça eleitoral, bem como fazendo referência à expiração do prazo de suspensão dos direitos políticos determinada na condenação, verificada, a priori, em 04/05/2016.

Todavia, tendo incorrido em hipótese de inelegibilidade, a certidão de quitação eleitoral não possui caráter absoluto, expressando apenas a ausência de débitos perante a justiça eleitoral, bem como a regularidade de seu cadastro para o exercício dos direitos políticos ativos. Até porque a incidência em hipótese de inelegibilidade por ato de improbidade administrativa é circunstância que se analisa somente na eventual formalização de pedido de registro de candidatura, conforme as práticas de procedimentos administrativos e de registros cadastrais adotadas pela Justiça Eleitoral.

Nesse caso, para a data sugerida pelo impugnado somente seria possível atribuir o cumprimento do prazo de cinco anos de suspensão dos direitos políticos, passando a contar, a partir de então, o prazo de oito anos da inelegibilidade, isso sem levar em consideração a data do efetivo adimplemento de todas as cominações impostas na condenação, que teria ocorrido somente em maio deste ano.

Desse modo, é evidente que o impugnado não se encontra em pleno gozo de seus direitos políticos, mas tão somente dos direitos políticos ativos. Com efeito, o prazo da inelegibilidade que recai sobre o impugnado vigorará, minimamente, até maio de 2024.

Prosseguindo em sua defesa, na tentativa de afastar o dolo do ato ímprobo praticado, bem como o reconhecimento da lesão ao erário e do enriquecimento ilícito, o impugnado reporta-se aos fundamentos da decisão absolutória de primeiro grau e do voto vencido em segunda instância. Ora, no que diz respeito à primeira, cumpre anotar que uma vez reformada, inegavelmente teve seus efeitos jurídicos revogados pela oportuna decisão revisora, prolatada pelo órgão competente. De igual modo, não pode este juízo levar em consideração a fundamentação contida no voto vencido, pelo simples fato de que tal entendimento não prevaleceu na apreciação dos fatos, realizada em sede de recurso.

Nesse sentido, tenho que os argumentos trazidos pelo impugnado mostraram-se absolutamente insuficientes para afastar a certeza deste juízo quanto à presença dos requisitos exigidos para a configuração da causa de inelegibilidade, que recai sobre o impugnado, a partir da condenação sofrida, guiando-se exclusivamente pelos fundamentos da decisão transitada em julgado, nos termos reconhecidos como legítimo por ambas as partes, quais sejam: “com base nos fundamentos da decisão, ainda que inexista menção explícita na parte dispositiva do acórdão” (trecho extraído da contestação do impugnado).

Para finalizar, embora dispensável para o julgamento deste caso, mas pela relevância jurídica, dado o dinamismo do direito, é digno mencionar a tese acerca da desnecessidade de cumulatividade dos requisitos de lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, apresentada pelo impugnante, nos seguintes termos:

III – TESE PRINCIPAL: DA DESNECESSIDADE DE CUMULATIVIDADE DOS REQUISITOS LESÃO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO E ENRIQUECIMENTO ILÍCITO

A condenação por ato de improbidade administrativa que importe enriquecimento ilícito (art. 9º da Lei nº 8.429/1992) e/ou dano ao erário (art. 10 da Lei nº 8.429/1992), como ocorre no presente caso, constitui a causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, inciso I, alínea “l”, da LC nº 64/1990, sendo desnecessária a cumulatividade de ambos os referidos requisitos.

Isso porque, a conjuntiva “e” contida no texto do referido dispositivo legal pretendeu apenas adicionar mais uma hipótese de prática ímproba que caracteriza a inelegibilidade (enriquecimento ilícito), além dos atos dolosos que gerem lesão ao erário, e não cumulá-las. É que nem todo ato doloso de improbidade que importa em enriquecimento ilícito do agente público ou de terceiro gera necessariamente lesão ao erário, ou vice-versa.

Portanto, o significado da norma é que nas condenações por ato doloso de improbidade que importem lesão ao erário “e” também naqueles que importem enriquecimento ilícito, presentes os demais requisitos, estará caracterizada a inelegibilidade da alínea “l”.

Com efeito, essa é a interpretação teleológica e sistemática do art. 1º, alínea “l, da LC nº 64/1990 que possui maior conformidade à exigência constitucional de proteção da probidade administrativa e moralidade para exercício de mandato eletivo que fundamenta o referido dispositivo legal, conforme preconizado nos arts. 14, § 9º, e 37 da CF/88.

Sinala-se que o impugnante colacionou entendimento doutrinário que sustenta dita tese, referindo que houve sinalização pelo TSE no sentido da possibilidade de sua aplicação para os pleitos vindouros (a partir de 2016), conforme a decisão proferida no Recurso Especial Eleitoral nº 4932/SP, que teve como Relatora a Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, PSESS – Publicado em Sessão, Data 18.10.2016.

Todavia, no caso em apreço, este juízo restou suficientemente convencido de que não só o dolo, como também a lesão ao erário e o enriquecimento ilícito de terceiro foram devidamente reconhecidos na fundamentação da decisão condenatória. E aqui, cumpre transcrever a acertada ponderação realizada pelo impugnante:

De qualquer sorte, ainda que não acolhida a tese jurídica suscitada no tópico anterior, tem-se que é irrelevante, para a configuração da inelegibilidade prevista na alínea l do inciso I do art. 1º da LC nº 64/1990, a presença do dispositivo legal que fundamentou ou constou na parte dispositiva da decisão condenatória por ato de improbidade administrativa (art. 9º, 10 ou 11 da Lei nº 8.429/1992), já que esse não é um requisito previsto na referida alínea “l”.

Com efeito, consoante a jurisprudência tradicional do TSE, o que é fundamental para fins de configuração da referida inelegibilidade é que se infira da fundamentação fática da decisão condenatória proferida pela Justiça Comum que o ato de improbidade administrativa foi doloso e importou em: (a) lesão ao patrimônio público e (b) enriquecimento ilícito (próprio ou de terceiro).

Nesse caso, portanto, a Justiça Eleitoral não está julgando o acerto ou desacerto da decisão da Justiça Comum (Súmula nº 41 do TSE), mas apenas fazendo o enquadramento jurídico dos requisitos fáticos exigidos para a configuração da inelegibilidade da alínea “l”. Isso, com base na moldura fática assentada na decisão da Justiça Comum, da mesma forma que se faz em relação à inelegibilidade da alínea “g” quanto à rejeição de contas pelos Tribunais de Contas.

Os julgados colacionados pelo impugnante corroboram tal entendimento e merecem ser reproduzidos:

(...)

De fato, a análise da fundamentação do julgado permite identificar de forma satisfatória e irretorquível a presença dos requisitos exigidos para a caracterização da inelegibilidade, nos termos indicados pelo impugnante em sua tese subsidiária.

A seu turno, no que diz respeito à aplicação da LC n. 135/90 a fatos anteriores a sua vigência, a discussão restou sepultada em sede de ADC, nos julgados 29 e 30 do Supremo Tribunal Federal, decidindo-se pela sua constitucionalidade.

A propósito, e apenas para fazer expressa menção, deixo de levar em consideração a ponderação trazida pelo impugnante no que diz respeito ao entendimento acerca de que o início do cumprimento do prazo de inelegibilidade iniciaria sua contagem após o completo adimplemento das sanções cominadas, porquanto entendo dispensável neste caso, uma vez que mesmo levando em consideração apenas o prazo do fim da suspensão dos direitos políticos, verificado em 04/05/2016, a inelegibilidade do impugnante vigorará pelo menos, até 04/05/2024, de modo que, neste momento, e é o que importa para esta decisão, o impugnado encontra-se inelegível.

Por fim, reitero que, após acurada e cautelosa análise dos fundamentos da decisão que condenou o impugnado por ato de improbidade administrativa, proferida na Apelação Cível n. 70029704475, sobressai sem sombra de dúvida que o ilícito praticado se amolda perfeitamente à inelegibilidade prevista no art. 1º, I, alínea “l”, da Lei das Inelegibilidades, impondo a este juízo o respectivo enquadramento para negar a candidatura pretendida pelo impugnado.

ANTE O EXPOSTO, julgo procedente a impugnação manejada pelo Ministério Público Eleitoral e indefiro o pedido de registro de candidatura de JOSÉ NILTON SALLET, para concorrer ao cargo de Vereador, sob o número 12.040, pelo Partido Democrático Trabalhista de Coronel Bicaco, na eleição municipal 2020.

Como se vê, é descabida a tese de que o indeferimento do pedido de registro se deu exclusivamente pela leitura da ementa do acórdão condenatório, uma vez que o juízo a quo fez um exame minucioso e exaustivo da decisão prolatada pelo TJ-RS para verificar a presença de enriquecimento ilícito e de lesão ao erário.

Especificamente no tocante ao enriquecimento ilícito, o Tribunal Superior Eleitoral firmou jurisprudência no sentido de que a inelegibilidade resta atraída quando o benefício é próprio ou de terceiro:

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE REGISTRO DE CANDIDATURA. VEREADOR. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ATO DOLOSO. LESÃO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO E ENRIQUECIMENTO ILÍCITO PRÓPRIO OU DE TERCEIRO. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, l, LC 64/1990. ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL ROVIDO. Verifica-se a inelegibilidade de candidato condenado por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito de terceiro, nos termos da jurisprudência deste Tribunal."

(TSE - AgR-REspe: 3242 CE, Relator: Min. JOSÉ ANTÔNIO DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 14.02.2013.)

No caso dos autos, a sentença recorrida acerta ao concluir que do acórdão condenatório se extrai “inegável e indevida vantagem a terceiro, quem seja, o proprietário da farmácia que realizou as maiores e mais numerosas vendas de medicamentos, a preços inclusive superiores aos praticados no mercado”. Essa conclusão não fica afastada pelo fato de que após a gestão de José Nilton Sallet, a aquisição da “Drogaria Cesar foi realizada pelo Secretário de Saúde de sua gestão, Leandro Moura, e não pelo ex-Chefe do Executivo Municipal”, conforme referido pelo TJ-RS.

A partir do acórdão no agravo regimental no recurso especial eleitoral n. 32-42, julgado por maioria, o qual pode ser considerado como leading case sobre o tema, o TSE firmou o entendimento de que o enriquecimento ilícito de terceiro atrai a incidência da inelegibilidade da alínea “l”, ficando vencida a posição do Relator, Min. Dias Toffoli, de que havia necessidade de ser extraída a configuração de enriquecimento ilícito do próprio agente, ou seja, do candidato que postulava o registro de candidatura.

E até os dias atuais, este é o entendimento adotado pelo TSE e demais Tribunais Regionais:

DIREITO ELEITORAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NO RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2018. INCIDÊNCIA DA CAUSA DE INELEGIBILIDADE PREVISTA NO ART. 1º, I, DA LC nº 64/1990. ACÓRDÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO. EMBARGOS REJEITADOS. 1. Embargos de declaração opostos contra acórdão que negou provimento a agravo interno, para manter o indeferimento do registro de candidatura, em razão da incidência da causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, da LC nº 64/1990. 2. Não há erro, obscuridade, contradição ou omissão no acórdão questionado, uma vez que foram devidamente analisados: (i) a configuração do dolo pelo embargante; e (ii) o enriquecimento ilícito de terceiro, que acarretou dano ao erário no valor de R$ 52.864,00 (cinquenta e dois mil, oitocentos e sessenta e quatro reais), em razão de superfaturamento de contrato concernente à aquisição de equipamentos de informática. Dessa forma, não estão presentes os pressupostos de embargabilidade, conforme art. 1.022 do CPC/2015 e art. 275 do Código Eleitoral. 3. O art. 93, IX, da CF/1988 exige que a decisão seja fundamentada, sem exigir, todavia, o exame pormenorizado de cada uma das alegações da parte. Precedentes. 4. A via recursal adotada não é adequada para o reexame dos fundamentos já rejeitados no acórdão embargado. 5. Embargos de declaração rejeitados.

(TSE, Recurso Ordinário nº 060475559, Acórdão, Relator(a) Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 06/12/2018) - GRIFEI

 

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO. DEPUTADO ESTADUAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. INELEGIBILIDADE DO ART. 1º, I, L, DA LC Nº 64/1990. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONDENAÇÃO CONFIRMADA POR ÓRGÃO COLEGIADO. APLICAÇÃO DA PENA DE SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS. PRESENÇA DE DOLO. PREJUÍZO AO ERÁRIO. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DE TERCEIRO. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. 1. Esta Corte Superior manteve indeferido o registro de candidatura do embargante ao cargo de deputado estadual de Sergipe com base na inelegibilidade do art. 1º, I, l, da LC 64/90 – suspensão de direitos políticos por ato doloso de improbidade administrativa que implicou, cumulativamente, dano ao erário e enriquecimento ilícito. 2. Conforme se assentou de modo claro no acórdão, o agravante fora condenado em ação civil pública com supedâneo no art. 10 da Lei nº 8.429/92, expressamente referido na parte dispositiva do decreto condenatório, às sanções de suspensão de direitos políticos por oito anos, ressarcimento integral do dano, pagamento de multa e perda da função pública. 3. O caso concreto revela também a presença de enriquecimento ilícito das empresas fornecedoras, uma vez que ficou comprovado o sobrepreço na aquisição de medicamentos pelo Município de Itabaiana em situação de dispensa indevida de licitação. 4. Agravo regimental provido para indeferir o registro de candidatura de Luciano Bispo de Lima ao cargo de deputado estadual.

(TSE, Recurso Ordinário nº 060068793, Acórdão, Relator(a) Min. Og Fernandes, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 13/11/2018) - grifei

Assim, a sentença recorrida não merece reparos, uma vez que o recorrente se encontra inelegível e que, devido ao trânsito em julgado da decisão colegiada em 04.5.2011, a inelegibilidade incidirá até 04.5.2024.

Pelo exposto, incorrendo na hipótese de inelegibilidade prevista na al. “l” do inc. I do art. 1º da LC n. 64/90, VOTO pelo desprovimento do recurso para manter a sentença e indeferir o registro de candidatura de JOSÉ NILTON SALLET.