REl - 0600198-30.2020.6.21.0022 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/11/2020 às 14:00

VOTO

Inicialmente, conheço dos documentos juntados com o recurso e contrarrazões, na forma do entendimento firmado por este Tribunal no acórdão do recurso REL n. 0600134-34.2020.6.21.0082, da minha relatoria, julgado na sessão de 20.10.2020.

 

Preliminar

Passo ao enfrentamento da preliminar de nulidade da sentença, por não conhecimento da impugnação apresentada pela Coligação Chegou A Hora Da Mudança, e adianto que prospera.

Conforme consta dos autos, o prazo para oferecimento da impugnação ao registro de candidatura iniciou em 25.9.2020 e findou em 30.9.2020, tendo sido apresentada a impugnação pela Coligação Chegou a Hora da Mudança somente em 02.10.2020, em razão da indisponibilidade do sistema PJe ocorrida tanto no dia final do prazo (30.9.2020), quanto no dia subsequente (1º.10.2020), na forma das certidões apresentadas com o recurso.

No dia 30.9.2020, o PJe teve indisponibilidade certificada pelo TSE entre 13h e 14h30min (ID 8692683), circunstância que prorrogaria o prazo para o dia 1º.10.2020, mas nessa data também houve indisponibilidade do PJe, entre 23h e 23h59min, o que teria prorrogado o último dia do prazo para 02.10.2020, por aplicação do caput do art. 11 da Resolução TSE n. 23.417/14:

Art. 11. Os prazos que vencerem no dia da ocorrência de indisponibilidade de quaisquer dos serviços referidos no art. 9º serão prorrogados para o dia útil seguinte, quando:

 

I - a indisponibilidade for superior a sessenta minutos, ininterruptos ou não, se ocorrida entre seis horas e vinte e três horas; e

 

II - ocorrer indisponibilidade na última hora do prazo, independentemente da sua duração.

 

§ 1º As indisponibilidades ocorridas entre zero hora e seis horas dos dias de expediente forense e as ocorridas em feriados e finais de semana, a qualquer hora, não produzirão o efeito referido no caput, exceto no período eleitoral em que se observará o art. 48 desta Resolução.

 

§ 2º Os prazos em curso fixados em hora ou minuto serão prorrogados até as doze horas do dia seguinte àquele em que terminaria, no caso de indisponibilidade ocorrida nos sessenta minutos anteriores a seu término.

 

§ 3º A prorrogação de que trata este artigo será feita automaticamente pelo sistema PJe, sem necessidade de requerimento pelo interessado.

 

§ 4º As indisponibilidades ocorridas serão obrigatoriamente divulgadas nos sítios dos tribunais eleitorais ou do Conselho Nacional de Justiça.

 

As referidas disposições contidas na regulamentação do TSE são idênticas às editadas pelo CNJ na Resolução n. 185/13, também em seu art. 11, norma que institui o Processo Judicial Eletrônico (PJe) como sistema de processamento de informações e prática de atos processuais e estabelece os parâmetros para sua implementação e funcionamento:

Art. 11. Os prazos que vencerem no dia da ocorrência de indisponibilidade de quaisquer dos serviços referidos no art. 8º serão prorrogados para o dia útil seguinte, quando:

 

I – a indisponibilidade for superior a 60 (sessenta) minutos, ininterruptos ou não, se ocorrida entre 6h00 e 23h00; ou

 

II – ocorrer indisponibilidade entre 23h00 e 24h00.

 

§ 1º As indisponibilidades ocorridas entre 0h00 e 6h00 dos dias de expediente forense e as ocorridas em feriados e finais de semana, a qualquer hora, não produzirão o efeito do caput.

 

§ 2º Os prazos fixados em hora ou minuto serão prorrogados até às 24h00 do dia útil seguinte quando:

 

I – ocorrer indisponibilidade superior a 60 (sessenta) minutos, ininterruptos ou não, nas últimas 24 (vinte e quatro) horas do prazo; ou

 

II – ocorrer indisponibilidade nos 60 (sessenta) minutos anteriores ao seu término.

 

§ 3º A prorrogação de que trata este artigo será feita automaticamente pelo sistema PJe.

 

Portanto, ainda que o § 1º do art. 11 da Resolução TSE n. 23.417/14 refira que esse dispositivo não se aplica no período eleitoral, deve ser considerada a regra geral prevista no art. 11 da Resolução CNJ n. 185/13 que, aliás, é idêntica, porque a indisponibilidade do PJe para o período das eleições ainda não foi regulamentada pelo TSE, nada obstante a previsão do art. 48 da Resolução TSE n. 23.417/14, que estabelece: “Art. 48. O funcionamento do PJe durante o período eleitoral será disciplinado oportunamente em resolução própria”.

A Resolução TRE-RS n. 347/20, de igual modo, não regulamenta o procedimento que deve ser observando em caso de indisponibilidade do PJe no período eleitoral, limitando-se a referir que entre 26.9.2020 e 18.12.2020 os prazos processuais relativos aos feitos das eleições de 2020 não se suspenderão aos sábados, domingos e feriados, sendo contados de forma contínua e ininterrupta.

E, ainda que assim não fosse, é certo que a prorrogação do dia do vencimento prevista no art. 11 da Resolução TSE n. 23.417/14 deve ocorrer tanto quando a indisponibilidade ocorre no último dia do prazo, quanto no dia subsequente já acobertado pela prorrogação, exatamente conforme requer a recorrente, ao demonstrar o prejuízo causado pelo PJe em decorrência da instabilidade ocorrida no prazo do vencimento e no dia subsequente. Colaciono precedente neste sentido:

AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INTEMPESTIVIDADE DO RECURSO ESPECIAL. PRORROGAÇÃO DO PRAZO RECURSAL PARA O PRIMEIRO DIA ÚTIL SEGUINTE APENAS QUANDO A INDISPONIBILIDADE DA COMUNICAÇÃO ELETRÔNICA OCORRE NOS DIAS DO COMEÇO E DO VENCIMENTO. INTELIGÊNCIA DO ART. 224, § 1º, DO CPC/2015. O prazo para interposição do recurso especial é de 15 (quinze) dias úteis, a contar da publicação da decisão recorrida (recurso interposto sob a égide do CPC/15). Quando há indisponibilidade do sistema de peticionamento eletrônica da Corte local por motivo técnico e, desde que tal situação ocorra no termo inicial ou final do prazo de interposição do recurso, há prorrogação automática do prazo recursão para o primeiro dia útil seguinte, conforme preconiza o art. 224, § 1º, do CPC/2015. Agravo interno provido" (AgInt nos Edcl no Agravo de Instrumento em Recurso Especial n. 1491122 – SP. 3ª Turma. Julgado em 30.03.2020. Relatora Min. Nancy Andrighi).

(TJ-MS - AGT: 14115771920198120000 MS 1411577-19.2019.8.12.0000, Relator: Des. Vladimir Abreu da Silva, Data de Julgamento: 13.4.2020, 4ª Câmara Cível, Data de Publicação: 14.4.2020.)

 

No caso dos autos, é razoável e proporcional considerar prorrogado o prazo para apresentação da impugnação, especialmente por se tratar de prazo decadencial para a propositura da ação de impugnação ao registro de candidatura (AIRC).

Ademais, é manifesto o prejuízo causado à parte, pois a impugnação não foi conhecida pelo juízo a quo justamente por ser intempestiva.

Assim, acolho a preliminar, para o fim de considerar tempestiva a impugnação apresentada, anulando a sentença no ponto em que entendeu pelo seu não conhecimento.

Entretanto, considerando que a matéria trazida na impugnação ofertada pela Coligação Chegou A Hora Da Mudança também constou da impugnação manejada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, a qual foi processada pelo rito próprio, com garantia da ampla defesa e do contraditório, é desnecessária a baixa dos autos para processamento também da sua impugnação.

Tendo em conta que a documentação juntada ao processo é suficiente para esclarecer as razões que fundamentam o pedido de indeferimento de registro de candidatura, estando o feito maduro para julgamento, conforme estabelece o art. 1.013, § 1º, do CPC, segundo o qual caberá a apreciação e julgamento pelo tribunal de todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado.

Ademais, considerando que, no mérito, o pedido impugnatório é procedente, aplicam-se ao feito também as disposições estabelecidas no art. 219 do Código Eleitoral e 282, § 2º, do CPC, segundo as quais, “Quando puder decidir o mérito a favor da parte a quem aproveite a decretação da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta”.

Com esses fundamentos, acolho a matéria preliminar e declaro a nulidade parcial da sentença, no ponto em que considerou intempestiva a impugnação apresentada pela Coligação Chegou A Hora Da Mudança.

 

Mérito

No mérito, é fato incontroverso nos autos, porquanto reconhecido pelo Ministério Público Eleitoral, pela Coligação Chegou A Hora Da Mudança e pela recorrida, a circunstância de que Marisa Judith Bordin integrou, até 27.8.2020, de forma gratuita, ou seja, não remunerada, a junta médica oficial do Município de Guaporé, para realizar perícias dos servidores públicos municipais.

Os impugnantes afirmam que tal fato se enquadra na hipótese de inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. II, al. “l”, da Lei Complementar n. 64/90, o qual demanda afastamento da função no prazo de 3 meses antes da eleição:

Art. 1º São inelegíveis:

(…)

II - para Presidente e Vice-Presidente da República:

(…)

I) os que, servidores públicos, estatutários ou não,»dos órgãos ou entidades da Administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e dos Territórios, inclusive das fundações mantidas pelo Poder Público, não se afastarem até 3 (três) meses anteriores ao pleito, garantido o direito à percepção dos seus vencimentos integrais;

 

Nas contrarrazões, a candidata afirma que participava da junta médica apenas por colaboração e amor à medicina, e de forma totalmente esporádica. Sustenta que não possuía poder de decisão sobre os casos que analisava, e que desempenhava a função semanalmente, atendendo um que outro funcionário público, junto com mais dois colegas médicos, mas não com agenda em todas as semanas. Refere que atuava na análise e revisão de casos envolvendo doenças e acidentes de servidores públicos, circunstância que não tem qualquer influência no pleito eleitoral.

Ocorre que, na linha dos precedentes do TSE, somente o médico credenciado ao SUS, que esteja no exercício particular da medicina e preste atendimentos eventuais, não está sujeito à desincompatibilização:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL. DESINCOMPATIBILIZAÇÃO. MÉDICO PARTICULAR. CREDENCIADO DO SUS. DESNECESSIDADE DE AFASTAMENTO. [...].

1. Na esteira dos precedentes do TSE, o médico credenciado ao SUS que esteja no exercício particular da medicina não está sujeito à desincompatibilização do art. 1º, II, l, c.c. o inc. IV, a, da Lei Complementar nº 64/90.

2. A teor da Súmula-STF nº 279, é vedado nesta instância especial o reexame de fatos e provas.

3. Agravo a que se nega provimento.

(AgRgAg n. 6.646/GO, DJ de 06.8.2008, rel. Min. Joaquim Barbosa.)

 

No caso em tela, considerando que a candidata mantinha vínculo direto com a administração pública municipal, tendo sido nomeada para integrar a junta médica de Guaporé, não é possível considerar que sua atividade representa exercício particular da medicina, uma vez que se trata de atividade direta desempenhada ao ente público, embora de forma não remunerada.

Não se desconhece o entendimento do TSE no sentido de que “O médico particular meramente credenciado perante o Detran não está sujeito à desincompatibilização prevista no art. 10, II, 1, da LC 64/90, que trata de servidor público, estatutário ou não” (TSE - RESPE: 00002325820166260215 ANGATUBA - SP, Relator: Min. Henrique Neves Da Silva, Data de Julgamento: 16.11.2016, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data: 16.11.2016).

Contudo, conforme já referido, não é esse o caso dos autos. A candidata participava da junta médica do Município de Guaporé, realizando perícia dos servidores públicos municipais, tendo se afastado somente em 27 de agosto de 2020, por meio da Portaria n. 1199/20, desobedecendo ao prazo mínimo para afastamento da atividade pública.

Aqui, desimporta se atividade habitual ou eventual, remunerada ou não, porquanto é manifesta a existência de vínculo direto entre a candidata e o ente municipal a partir da sua nomeação para integrar a junta médica oficial daquela cidade.

Assim, deveria a recorrente ter se desincompatibilizado, no prazo de 3 meses antes da eleição, da função de membro de junta médica oficial do município, na esteira da jurisprudência sobre o tema:

RECURSO - IMPUGNAÇÃO A REGISTRO DE CANDIDATURA - CÂMARA MUNICIPAL - MEMBRO DE JUNTA MÉDICA OFICIAL - LC N. 64/90 - INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. - Os dispositivos da Lei Complementar n. 64/90 comportam direitos negativos e exigem interpretação restritiva. Assim, membro de junta médica oficial que pretende concorrer à Câmara de Vereadores não se enquadra na alínea d do inciso II do art. 1o daquela lei, mas na alínea l do mesmo inciso, porque deve ser considerado servidor público lato sensu. SERVIDOR PÚBLICO - ART. 1o, II, L, LC N. 64/90 - DESINCOMPATIBILIZAÇÃO - PRAZO - OBSERVÂNCIA - ELEGIBILIDADE.Para concorrer ao cargo de vereador deve o servidor público que exerce seu ofício na circunscrição do pleito desincompatibilizar-se 3 (três) meses antes. Observado esse prazo, o candidato é elegível.

(TRE-SC - RDJE: 1549 SC, Relator: ANGELA REGINA DA CUNHA LEAL, Data de Julgamento: 30.8.2000, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data: 30.8.2000.)

 

Com esses fundamentos, acolho a matéria preliminar para conhecer da impugnação apresentada pela COLIGAÇÃO CHEGOU A HORA DA MUDANÇA e, no mérito, VOTO pelo provimento dos recursos interpostos para indeferir o pedido de registro de candidatura de MARISA JUDITH BORDIN ao cargo de vereadora.