REl - 0600066-92.2020.6.21.0144 - Voto Relator(a) - Sessão: 06/11/2020 às 14:00

VOTO

Admissibilidade

O recurso foi aviado tempestivamente e preenche os pressupostos de admissibilidade, comportando conhecimento.

Preliminar – Nulidade por Ofensa ao Princípio do Devido Processo Legal

O RECORRENTE suscitou, preliminarmente, a nulidade do processo por ofensa ao princípio do devido processo legal, por ter sido indeferido o seu pedido de juntada, pela serventia cartorária, de certidão demonstrativa do exercício do voto pela RECORRIDA nos pleitos de 2016 e 2018, a qual, no seu entender, seria indispensável à comprovação do descumprimento da penalidade de suspensão dos direitos políticos, que lhe foi imposta pelo prazo de 3 anos nos autos da Ação Civil Pública n. 116/1.04.0000742-3/RS.

Embora o exame dessa questão preambular se confunda com o próprio mérito da irresignação vertida no recurso, adianto que eventuais defeitos na administração dos serviços judiciários não podem ser revertidos em prejuízo das partes interessadas, transferindo-lhes ônus que importa restrições ilegais a seus direitos.

Nessa ordem de ideias, ainda que a RECORRIDA tenha exercido a sua capacidade eleitoral ativa nas eleições de 2016 e 2018, por conta de falha na comunicação entre os órgãos da Justiça Estadual e desta Especializada, falha essa que teria retardado o lançamento da condenação proferida nos autos da mencionada ação civil pública no Cadastro Nacional de Eleitores, permitindo-lhe, indevidamente, o exercício do voto, essa circunstância não possui relevância jurídica à interrupção ou restabelecimento do prazo de 3 anos de suspensão dos seus direitos políticos.

A contagem desse prazo iniciou-se, de forma automática, a partir da data do trânsito em julgado da decisão condenatória, ou seja, em 15.12.2015 (ID 8815433, fl. 2), consoante disposto no art. 20, caput, da Lei n. 8.429/92, já tendo transcorrido em sua integralidade.

Por assim dizer, o magistrado de primeiro grau, ao indeferir a juntada da certidão pelo cartório eleitoral, atuou dentro dos limites do seu poder instrutório, indeferindo diligência que seria inútil à apreciação do mérito da causa ou meramente protelatória da marcha processual, como lhe autoriza o art. 371, parágrafo único, do CPC, sem violar o princípio do devido processo legal.

Assim, superada essa questão preliminar, passo ao exame do mérito.

Mérito

A RECORRIDA foi condenada, nos autos da Ação Civil Pública n. 116/1.04.0000742-3/RS, pela prática de ato de improbidade administrativa, em virtude do seu envolvimento em procedimentos licitatórios fraudulentos, realizados à época em que desempenhava o cargo de Secretária Adjunta de Saúde do Município de Planalto, às penas de suspensão dos seus direitos políticos pelo período de 3 anos e de multa civil, correspondente ao décuplo da sua remuneração, com fundamento nos arts. 11, caput, e 12, inc. III e parágrafo único, da Lei n. 8.429/92.

Após o julgamento dos recursos interpostos perante as instâncias ordinária e especial, a decisão condenatória transitou em julgado em 15.12.2015 (ID 8815233, 8815333, 8815433, fl. 2, e 8815483), já tendo transcorrido lapso temporal superior a 3 anos desde essa data, que constitui o termo inicial da contagem do prazo restritivo, nos moldes do art. 20, caput, da Lei n. 8.429/92, segundo a qual a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória – único pressuposto à implementação do sancionamento, encontrando-se a RECORRIDA no pleno gozo dos seus direitos políticos, atendendo à condição de elegibilidade exigida no art. 14, § 3ª, inc. II, da Constituição Federal.

Nesse sentido, como referi ao afastar a preliminar de nulidade processual suscitada no recurso, a peculiar circunstância de a RECORRIDA ter votado nas eleições de 2016 e 2018, devido à falha de comunicação oportuna entre os órgãos do Poder Judiciário, que inviabilizou a atividade fiscalizatória da Justiça Eleitoral, não interrompe ou suspende a fluência do prazo de suspensão dos seus direitos políticos, que teve início a partir da data do trânsito em julgado da decisão condenatória, de acordo com o art. 20, caput, da Lei n. 8.429/92, na esteira de reiteradas decisões do Tribunal Superior Eleitoral, dentre as quais me reporto à proferida no julgamento do RO n. 00018195220146260000/SP, Relator Ministro HENRIQUE NEVES DA SILVA, DJE de 04.02.2016, p. 126.

No tocante ao reconhecimento da causa de inelegibilidade estatuída no art. 1º, inc. I, al. “l”, da LC n. 64/90, exige-se a presença concomitante do dano ao patrimônio público e do enriquecimento ilícito do responsável pela conduta ímproba, conforme dicção literal desse dispositivo:

Art. 1º São inelegíveis:

(...)

l) os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena; (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

O Tribunal Superior Eleitoral tem reconhecido a indispensabilidade de ambos esses pressupostos para a caracterização da inelegibilidade prevista na al. “l” do inc. I do art. 1º da LC n. 64 /90, cuja hipótese de incidência não se perfectibiliza com a condenação por ato doloso de improbidade administrativa fundada exclusivamente na violação aos princípios norteadores da Administração Pública, nos termos do art. 11 da Lei n. 8.429/92, como colho das ementas abaixo colacionadas:

ELEIÇÕES 2016. REGISTRO DE CANDIDATURA. PREFEITO. INELEGIBILIDADE. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONDENAÇÃO. LEI 8.429/92. ART. 11. VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS. INELEGIBILIDADE NÃO CARACTERIZADA. CONDIÇÃO DE ELEGIBILIDADE. FILIAÇÃO. PRAZO. SUSPENSÃO. DIREITOS POLÍTICOS. IMPOSSIBILIDADE DE CONTAGEM DO PERÍODO DE SUSPENSÃO. REGISTRO INDEFERIDO. 1. Na linha da jurisprudência do Tribunal, a condenação por prática de ato de improbidade apenas com base na violação a princípios da Administração Pública (art. 11 da Lei 8.429/92) não enseja o reconhecimento da inelegibilidade prevista no art. 1º, I, L, da Lei Complementar 64/90. Precedentes. Votação unânime. 2. Não há eficácia da filiação partidária, para atender o prazo de seis meses antes da eleição, durante o período em que perdurou a suspensão de direitos políticos decorrente do trânsito em julgado da condenação por improbidade. 3. Na espécie, o posterior exaurimento do prazo da suspensão não altera o fato de os direitos políticos do candidato estarem suspensos no momento da convenção para escolha dos candidatos e do registro de candidatura. Votação por maioria. 4. Agravos providos para restabelecer a decisão regional que indeferiu o registro da candidatura.

(TSE - RESPE: 11166 PETROLINA DE GOIÁS - GO, Relator: Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Data de Julgamento: 30.3.2017, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data: 17.5.2017.) (Grifei.)

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO. REGISTRO DE CANDIDATURA. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, L, DA LC 64/90. ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. COMPRA DE MERCADORIAS COM PAGAMENTO À VISTA E ENTREGA INTEMPESTIVA DEPOIS DE DEZ MESES. DANO AO ERÁRIO E ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. CUMULATIVIDADE. RESSALVA DE POSIÇÃO. CASO DOS AUTOS. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. DESPROVIMENTO. 1. Autos recebidos no gabinete em 22.11.2016. 2. São inelegíveis, para qualquer cargo, "os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena" (art. 1º, I, l, da LC 64/90). 3. Para incidência da inelegibilidade, enriquecimento ilícito e dano ao erário devem ser cumulativos, a teor do que firmado por maioria, por esta Corte, no REspe 49-32/SP, Rel. Min. Luciana Lóssio, sessão de 18.10.2016, em que fiquei vencido neste ponto com os e. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho e Rosa Weber. 4. No caso, Jovelino Francisco Zago teve direitos políticos suspensos por prática de ato doloso de improbidade administrativa que importou dano ao erário, pois, como Presidente da Câmara de Vereadores de Barros Cassal/RS, adquiriu diversas mercadorias, dentre elas aparelho de fac-símile, suporte de televisor e antena parabólica, com pagamento à vista às empresas (sendo uma de propriedade de sua esposa), cuja entrega fora realizada apenas dez meses depois. 5. Extrai-se do decreto condenatório: "ao diferir a execução da prestação para futuro incerto, já que ficaram em aberto os prazos para seu cumprimento, a Administração Pública agiu de forma manifestamente temerária. Isto [sic] porque pagou integralmente o preço por conta de entrega futura sem exigir qualquer garantia para a hipótese de inadimplemento, pondo em risco o dinheiro público. Dessa forma, a Administração Pública obrou em manifesta má gestão da coisa pública, tornando de alto risco o negócio jurídico celebrado". 6. Todavia, além da efetiva entrega dos produtos, ainda que com atraso, não se tem notícia de que a contratação ocorreu mediante preço maior que o de mercado. Assim, não há como se reconhecer enriquecimento ilícito. 7. Agravo regimental desprovido.

(TSE - RESPE: 00001644720166210054 BARROS CASSAL - RS, Relator: Min. Antonio Herman De Vasconcellos E Benjamin, Data de Julgamento: 15.12.2016, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data: 15.12.2016.) (Grifei.)

Na presente hipótese, a parte dispositiva da decisão exarada nos autos da Ação Civil Pública n. 116/1.04.0000742-3/RS restringiu-se, com relação à RECORRIDA, à condenação por ato doloso de improbidade administrativa atentatório contra os princípios da Administração Pública, em contrariedade ao art. 11, caput, da Lei n. 8.429/92 (ID 8815233), sem abranger as condutas ímprobas tipificadas nos arts. 9º e 10 da Lei n. 8.429/92, que requerem comprovação da obtenção de vantagem patrimonial indevida ou lesão ao erário e atraem a causa de inelegibilidade do art. 1º, inc. I, al. “l”, da LC n. 64/90.

A análise dos fundamentos fático-jurídicos deduzidos pelo juízo estadual não deixam dúvida a respeito da natureza do ato de improbidade atribuído à RECORRIDA, como se depreende do seguinte trecho extraído do corpo da sentença (ID 8815233, fls. 11-12):

Quanto aos réus Altair Vanin, Marinês Bertoletti Piaia e Auristela Cristina de Barros, está comprovada a prática de ato de improbidade. Isso porque a realização de licitação para a terceirização de serviços cuja necessidade é permanente fere frontalmente o disposto no artigo 37, incisos II e IX da CRFB, ficando configurada a hipótese do artigo 11, caput, da Lei 8.429/92. No caso em comento, foram contratados servidores terceirizados para desempenhar funções para as quais existia cargo vago no quadro do Município (testemunha Edmundo Boakoski, fls. 2678/2685) ou para a área de saúde, cuja necessidade evidentemente é permanente e não excepcional, tendo em vista o disposto no artigo 196 da CRFB, tudo com o objetivo de burlar a exigência constitucional da realização do concurso para acesso aos cargos públicos.

É bom frisar que o fato de os artigos 197 e 199, § 1º, da CRFB autorizarem a contratação de particulares para a prestação de serviços de saúde não afasta a ilicitude das licitações realizadas. Ora, tais dispositivos constitucionais devem ser harmonizados com as normas do artigo 37, II e IX da CRFB, igualmente de estatura constitucional, de modo que nenhum anule integralmente os outros, buscando-se, assim, a concordância prática entre eles. Sendo assim, a melhor interpretação constitucional é aquela segundo a qual a delegação do serviço público de saúde a particulares é viável, mas apenas quando não seja possível a realização de concurso público. Além disso, deve a Administração buscar os serviços de entidade especializada na área de saúde e não contratar empresas de fornecimento de mão-de-obra em geral como no caso em comento, sob pena de ficar caracterizada a burla ao concurso público. (Grifei.)

Portanto, não caberia à Justiça Eleitoral, em sede de processo de registro de candidatura, desnaturar a essência da condenação derivada da Justiça Comum Estadual por ato de improbidade administrativa, emprestando-lhe significado e extensão embasados em suposições e ilações sem correspondência com a linha intelectiva traçada pelo juízo competente, ao efeito de ter como configurada a causa de inelegibilidade da al. “l” do inc. I do art. 1º da LC n. 64 /90, como se denota do Enunciado da Súmula n. 41 do Tribunal Superior Eleitoral:

Súmula - TSE n. 41

Não cabe à Justiça Eleitoral decidir sobre o acerto ou desacerto das decisões proferidas por outros órgãos do Judiciário ou dos tribunais de contas que configurem causa de inelegibilidade.

Por esses motivos, alinhando-me ao parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, a pretensão recursal de observância do prazo de inelegibilidade de 8 anos após o cumprimento da pena, com respaldo no art. 1º, inc. I, al. “l”, da LC n. 64/90, não merece acolhida, devendo ser mantida a sentença que deferiu o registro da candidata para disputar a chefia do Poder Executivo municipal nas eleições do corrente ano.

Em desfecho, tenho, igualmente, por não acolher o pedido, formulado em contrarrazões, de condenação do RECORRENTE à penalidade por litigância de má-fé, na medida em que não restaram evidenciados o dolo ou a culpa grave na sua atuação processual, em comportamento desleal, procrastinatório ou temerário, sob qualquer das formas descritas no art. 80 do Diploma Processual Civil, que justificassem o afastamento da presunção de boa-fé com relação ao seu comportamento durante o desenvolvimento do processo.

Cito, a respeito do tema, o seguinte precedente deste Regional:

Recurso. Registro de candidatura. Interposição contra decisão monocrática que, ao julgar extinta a impugnação ao registro de candidatura de chapa majoritária, cominou multa a parte autora por litigância de má-fé. Eleições 2013.

A impugnação manifestamente improcedente não justifica por si só a imposição de multa por litigância de má-fé, visto que necessária a intenção de tumultuar o processo eleitoral ou restar demonstrada a flagrante deslealdade processual.

A utilização pela parte dos meios processuais postos à sua disposição, ainda que julgado improcedente, não justifica a imposição de penalidade com fundamento no art. 18, do Código de Processo Civil.

Provimento.

(RE n. 19-27, Relator Des. El. INGO WOLFGANG SARLET, julgado na sessão de 21.5.2013). (Grifei.)

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo conhecimento do recurso, afastando a matéria preliminar suscitada e, no mérito, pelo seu desprovimento, mantendo a sentença que julgou improcedente a ação de impugnação proposta pelo PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB) do município de Planalto e deferiu o pedido de registro da candidatura de AURISTELA CRISTINA DE BARROS para disputar o cargo de prefeito pelo PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) nas eleições de 2020, indeferindo, ainda, o pedido de condenação do RECORRENTE à penalidade de multa por litigância de má-fé, nos termos da fundamentação.