REl - 0600103-89.2020.6.21.0057 - Voto Relator(a) - Sessão: 06/11/2020 às 14:00

VOTO

Admissibilidade

O recurso é tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade, razões pelas quais dele conheço.

Preliminar

Em suas razões recursais, o recorrente postula a nuli:} p´=ade da sentença, sob o fundamento de infringência aos princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, por não observância ao disposto nos arts. 40 a 43 da Resolução TSE 23.609/19 e nos arts. 3º a 7º da Lei Complementar n. 64/90. Alega que o magistrado deixou de acolher pedido de produção de prova, bem como de abrir prazo para o Ministério Público apresentar parecer.

No ponto, trago manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral, adotando a fundamentação ali exposta como razão para afastar a matéria preliminar:

De início, cumpre frisar que não houve qualquer atropelo processual no presente caso, visto que o Ministério Público, uma vez tendo impugnado o registro de candidatura e requerido a produção de provas, as teve deferidas pelo magistrado, que intimou o candidato e o hospital contratante a darem explicações e a juntarem documentos.

Na sequência, uma vez não sendo aberta a fase instrutória, abriu-se vista ao Ministério Público Eleitoral (ID 8943683), o qual, no caso, se confunde com o impugnante, razão pela qual incabível o retorno dos autos para apresentação de parecer, conforme determina o art. 43, § 4º, da Resolução TSE nº 23.609/2019.

O Ministério Público Eleitoral, em tal ocasião (ID 8943833), requereu nova intimação ao hospital, a fim de que juntasse todos os contratos de prestação de serviços de médicos por meio de pessoas jurídicas, referindo, contudo, expressamente que “os documentos contratuais demonstram que os contratos não são de adesão, com cláusulas uniformes, sendo negociados com cada pessoa jurídica representativa dos serviços médicos pessoais prestados”. Ademais, referiu, como necessidade para a produção da aludida prova, que apenas alguns contratos de prestação de serviços de médicos haviam sido trazidos aos autos, cabendo a análise de todos.

Com efeito, foram trazidos quatro instrumentos contratuais firmados entre o Hospital Santa Casa de Uruguaiana com a empresa em tela visando à prestação de serviços médicos (IDs 893233, 893283, 893333 e 8943383), sendo suficientes tais instrumentos para aferir se se tratam realmente de cláusulas uniformes, que é o verdadeiro cerne da matéria controvertida nos autos. Outrossim, apenas um contrato, aliado às demais informações trazidas aos autos, já seria suficiente para aferir se há espaço de negociação nas contratações.

Saliente-se, ademais, que, nos termos do art. 370, parágrafo único, do Código de Processo Civil, compete ao juiz indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias, sendo certo que, no caso, o juiz fundamentou a desnecessidade dos referidos documentos para a formação do seu convencimento.

Portanto, não se verifica, no caso, nem desrespeito ao rito procedimental da Resolução TSE nº 23.609/2019, nem cerceamento de defesa ao ente ministerial, o qual, frise-se, possuía competência para impugnar o registro de candidatura e também para requisitar os documentos que entendesse pertinentes ao Hospital.

Por essas razões, não restando caracterizada a suposta nulidade, rejeito a preliminar.

Mérito

Trata-se de recurso eleitoral interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL (ID 8944083) contra sentença do Juízo da 57ª Zona Eleitoral (ID 8943983), que deferiu o pedido de registro de candidatura de TELSON MORSCH DOS REIS para concorrer ao cargo de vereador, pelo PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO (PTB), no Município de Uruguaiana.

A questão cinge-se a verificar a ocorrência ou não da hipótese de inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. II, al. “i”, da LC n. 64/90:

Art. 1º São inelegíveis:

II - para Presidente e Vice-Presidente da República:

i) os que, dentro de 6 (seis) meses anteriores ao pleito, hajam exercido cargo ou função de direção, administração ou representação em pessoa jurídica ou em empresa que mantenha contrato de execução de obras, de prestação de serviços ou de fornecimento de bens com órgão do Poder Público ou sob seu controle, salvo no caso de contrato que obedeça a cláusulas uniformes;

(Grifo nosso)

Cabe aqui fazer um registro de que tal hipótese de inelegibilidade deve ser combinada com o disposto no inc. VII, al. “b”, do art. 1º da LC n. 64/90, pois trata-se de requisito relativo a postulante ao cargo de vereador.

Prossigo.

O candidato possui contrato de prestação de serviços médicos de cirurgia pediátrica, por meio da pessoa jurídica REIS & VERA LTDA. - ME – CNPJ 14.587.924/0001-40, com o Hospital Santa Casa de Uruguaiana que, atualmente, está sob administração do município, por meio de requisição administrativa (ID 8943083).

Em razão disso, alega o recorrente que, nos termos do art. 1º, inc. II, al. i, da LC n. 64/90, o candidato estaria inelegível, pois haveria a necessidade de desincompatibilização no período definido pela legislação eleitoral (seis meses), o que não teria sido respeitado pelo recorrido.

Acrescenta que o contrato que rege a prestação de serviços não se caracteriza como contrato de adesão, com cláusulas uniformes, não se enquadrando na exceção do referido dispositivo.

Sem razão.

Os documentos constantes nos IDs 8943183, 8943333 e 8943233 demonstram a relação contratual existente entre o candidato e o hospital:

ID 8943183 - Ofício do Hospital Santa Casa de Uruguaiana

(…) E ainda, o profissional e o hospital possuem contrato de prestação de serviços, instrumento padrão usual para todas as contratações, devidamente formalizado entre as duas pessoas jurídicas de direito privado, ou seja, Santa Casa de Uruguaiana – CNPJ 98.416.225/0001-28 e a empresa Reis & Vera Ltda. - ME – CNPJ 14.587.924/0001-40, documentos em anexo. (Grifo original)

ID 8943333 - contratos acostados com a empresa do recorrido vinculados ao pagamento pelo município

1.3. Tendo em vista o Termo de Convênio nº 005/2020, entre o Município de Uruguaiana e a Contratante, e com base nesse instrumento, o serviço de cirurgia pediátrica eletiva tem como referência, para a prestação dos serviços, o aludido instrumento, inclusive sua forma de execução do objeto constante na cláusula segunda.

ID 8943233 - contratos vinculados ao pagamento feito pelo Estado do Rio Grande do Sul

1.3. Tendo em vista a contratualização entre o hospital e o Estado do Rio Grande do Sul, e com base nesse instrumento, os serviços de cirurgia geral tem como referência, para a prestação dos serviços, as metas e seu cumprimento conforme contrato com o Estado do Rio Grande do Sul.

O magistrado sentenciante foi bem ao julgar pelo deferimento do registro (ID 8943983), cujas razões transcrevo:

(…)

No caso, é incontroverso que o pré-candidato exerce função de direção, administração e representação na sociedade de responsabilidade limitada Reis & Vera LTDA -ME a qual presta serviços médicos, por meio do próprio pré-candidato, a Santa Casa de Caridade de Uruguaiana. O próprio pré-candidato admitiu tal fato na petição de pg. 21. Ademais, tal relação resta cabalmente comprovada pelos contratos juntados pelo pré-candidato (pg 23) e pela Santa Casa (pg 26-29).

Em que pese a Santa Casa de Caridade de Uruguaiana consubstancie-se em uma entidade filantrópica de natureza privada, consoante evidencia o CNPJ acostado aos autos (pg. 34), é público e notório, ao menos nesta Comarca, que o nosocômio, em virtude da gravíssima crise administrativa que sofreu, foi objeto de "intervenção municipal", mais especificamente de requisição administrativa fundada no art. 5º XXV da CF e art. 15, XIII da lei nº 8.80/1990. É o que comprova o Decreto Municipal nº 002/2019 acostado aos autos (pg. 30).

Mais do que uma simples requisição de bens, o decreto supramencionado previu uma requisição de todos os serviços prestados, uma "intervenção/encampação". É o que deixa claro o art. 3º do decreto:

Art. 3º Os órgão diretivos ou de aconselhamento da Santa casa de Caridade de Uruguaiana, a partir da vigência deste Decreto, ficam desabilitados de sua gestão, a qual passará a ser exercida pela Prefeitura Municipal de Uruguaiana, por meio da nomeação de Gestor Administrativo. (grifei).

Como se percebe o Município de Uruguaiana passou a exercer o controle da entidade, destarte não importa a natureza de direito privada da entidade, a priori, a regra do art. 1º II, "i" c/c VII, "b" da Lei Complementar nº 64/1990, exigindo a desincompatibilização do prestador do serviço, mostrar-se-ia cabível, tendo razão o Ministério Público no ponto.

Não obstante, consoante se vê na transcrição acima e, conforme foi levantado pelo requerente, a regra a exigir a desincompatibilização prevê uma exceção, qual seja, tenha sido o regime de contratação efetuado sem negociação, por meio de contrato de adesão, de cláusulas uniformes.

O Ministério Público opõe-se ao reconhecimento da referida hipótese, alegando que teria ocorrido negociação entre as partes, no entanto, a prova carreada aos autos contradiz tal alegação, corroborando, por seu turno, a versão apresentada pelo requerente.

Com efeito, ao prestar esclarecimentos ao Juízo (pg 25), o representante jurídico da Santa Casa de Caridade de Uruguaiana asseverou que:

O profissional médico, Dr. Telson Morsh dos Reis faz parte do quadro de prestadores de serviços do Hospital Santa Casa de Uruguaiana, há mais de duas décadas, onde o mesmo, realiza serviços médicos na área pediátrica e cirúrgica, urgências/emergências e procedimentos eletivos.

Gize-se que o profissional é o único médico cirurgião pediátrico de nossa cidade.

E ainda, o profissional e o hospital possuem contrato de prestação de serviços, instrumento padrão usual para todas as contratações devidamente formalizado entre as duas pessoas jurídicas de direto privado (...) (grifei).

Como se vê, o representante do nosocômio afirmou que o contrato pactuado com o pré-candidato foi padrão, isto é, de cláusulas uniformes, por adesão. Ressalte-se que não há nada nos autos que deponha contra a idoneidade do representante do hospital, que lhe retire a credibilidade.

Não bastasse isso, observa-se que todas as contratações da Santa Casa na área de especialidade do pré-candidato foram balizadas pelo Termo de Convênio nº 005/2020 (juntado a pg. 32), firmado entre o Município e a Santa Casa, do qual o pré-candidato é alheio, o que já atesta a contratação por adesão.

Mas não só, a cópia de instrumento contratual juntada a pg. 29 demonstra que o pré-candidato foi submetido as mesmas cláusulas que outros contratados para a mesma especialidade ou especialidades similares. No caso, foram contratados outros dois profissionais para prestar serviços de cirurgia, sendo todos submetidos ao mesmo instrumento contratual.

É evidente, consoante dito acima (item 2.1.2), que, conforme a especialidade médica/o serviço contratado, as cláusulas que regem os instrumentos podem variar, é o que se percebe quando comparamos o supracitado instrumento com o instrumento de pg 28. Ainda assim, observa-se que as cláusulas são praticamente as mesmas, uniformes, só variando àquelas pertinentes a especialidade contratada. Tal circunstância, portanto, não descaracteriza a natureza uniforme e por adesão dos contratos, o que importa para tanto é que a proposta de contratação foi feita pelo hospital, conforme o convênio firmado com o Município, e a ela aderiram os profissionais de saúde.

Nesse diapasão, cumpre ter em mira o contexto no qual as contratações foram efetivadas. Com efeito, o hospital passava por grave crise econômica/administrativa, sobrevindo a necessidade de "intervenção administrativa", instrumentalizada pela requisição de bens e serviços, pelo Município, a qual foi, inclusive, provocada pelo Ministério Público (https://www.uruguaiana.rs.gov.br/noticia/view/4361). Com a intervenção, houve e a assunção de uma nova administração, e a necessidade de contratação/recontratação dos profissionais que aderiram a proposta que o hospital podia arcar.

Diante de tal contexto, cumpre reconhecer que o pré-candidato enquadra-se na exceção prevista na parte final do art. 1º, II, "i" c/c VII, "b" da Lei Complementar nº 64/1990, não havendo a necessidade de desincompatibilização na hipótese. (Grifo nosso)

(...)

Como se extrai da decisão de piso, foram trazidos aos autos os contratos firmados com o hospital, o que comprova o vínculo com o recorrido, revelando serem contratos de adesão, elaborados unilateralmente pelo ente público, de forma padronizada, não sendo possível discussão acerca das suas cláusulas.

Portanto, adoto os fundamentos do ilustre magistrado, confirmando a sentença pelos próprios fundamentos.

Ante o exposto, VOTO pelo afastamento da preliminar e, no mérito, pelo desprovimento do recurso, mantendo a sentença que deferiu o requerimento de registro de candidatura de TELSON MORSCH DOS REIS para disputar o cargo de vereador pelo PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO (PTB), no Município de Uruguaiana, no pleito de 2020, nos termos da fundamentação.