REl - 0600075-24.2020.6.21.0057 - Voto Relator(a) - Sessão: 06/11/2020 às 14:00

VOTO

 

Admissibilidade

O recurso é tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade, razões pelas quais dele conheço.

Mérito

Trata-se de recurso eleitoral interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL (ID 8760183) contra sentença do Juízo da 057ª Zona Eleitoral (ID 8760033), que deferiu o pedido de registro de candidatura de PAULO ROBERTO INDA KLEINUBING, para concorrer ao cargo de vereador, pelo PARTIDO REPUBLICANOS (REPUBLICANOS), no Município de Uruguaiana.

A questão cinge-se em verificar a ocorrência, ou não, da hipótese de inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. II, al. “i”, da Lei Complementar n. 64/90:

Art. 1º São inelegíveis:

II - para Presidente e Vice-Presidente da República:

i) os que, dentro de 6 (seis) meses anteriores ao pleito, hajam exercido cargo ou função de direção, administração ou representação em pessoa jurídica ou em empresa que mantenha contrato de execução de obras, de prestação de serviços ou de fornecimento de bens com órgão do Poder Público ou sob seu controle, salvo no caso de contrato que obedeça a cláusulas uniformes;

(Grifo nosso)

Cabe aqui fazer um registro de que tal hipótese de inelegibilidade deve ser combinada com o disposto no inc. VII, al. “b”, do art. 1º da LC n. 64/90, pois trata-se de requisito relativo a postulante ao cargo de vereador.

Prossigo.

O candidato possui contrato de prestação de serviços médicos de traumatologia, por meio da pessoa jurídica TRAUMATOLOGISTAS ASSOCIADOS URUGUAIANENSES S/S – CNPJ 13.716.043/0001-10 com o Hospital Santa Casa de Uruguaiana que, atualmente, está sob administração do município, por meio de requisição administrativa (ID 8759233).

Em razão disso, alega o recorrente que, nos termos do art. 1º, inc. II, al. "i", da LC n. 64/90, o candidato estaria inelegível, pois haveria a necessidade de desincompatibilização no período definido pela legislação eleitoral (seis meses), o que não teria sido respeitado pelo recorrido.

Segundo o recorrente, o candidato, na condição de sócio-administrador de pessoa jurídica que presta serviços ao Hospital Santa Casa de Uruguaiana, controlado pela Administração Municipal, incide na exigência legal.

Acrescenta que o contrato que rege a prestação de serviços não se caracteriza como contrato de adesão, com cláusulas uniformes, não se enquadrando na exceção do referido dispositivo.

Sem razão.

O magistrado sentenciante foi bem a julgar pelo deferimento do registro, cujas razões transcrevo:

(…)

No caso, é incontroverso que o pré-candidato exerce função de direção, administração e representação na sociedade de responsabilidade limitada a qual presta serviços médicos, por meio do próprio pré-candidato, a Santa Casa de Caridade de Uruguaiana. O próprio pré-candidato admitiu tal fato na petição de pg. 20. Ademais, tal relação resta cabalmente comprovada pelos contratos juntados pelo pré-candidato (pg 23) e pela Santa Casa (pg 26-29).

Em que pese a Santa Casa de Caridade de Uruguaiana consubstancie-se em uma entidade filantrópica de natureza privada, consoante evidencia o CNPJ acostado aos autos (pg. 36), é público e notório, ao menos nesta Comarca, que o nosocômio, em virtude da gravíssima crise administrativa que sofreu, foi objeto de "intervenção municipal", mais especificamente de requisição administrativa fundada no art. 5º XXV da CF e art. 15, XIII da lei nº 8.80/1990. É o que comprova o Decreto Municipal nº 002/2019 acostado aos autos (pg. 31).

Mais do que uma simples requisição de bens, o decreto supramencionado previu uma requisição de todos os serviços prestados, uma "intervenção/encampação". É o que deixa claro o art. 3º do decreto:

Art. 3º Os órgão diretivos ou de aconselhamento da Santa casa de Caridade de Uruguaiana, a partir da vigência deste Decreto, ficam desabilitados de sua gestão, a qual passará a ser exercida pela Prefeitura Municipal de Uruguaiana, por meio da nomeação de Gestor Administrativo. (grifei).

Como se percebe o Município de Uruguaiana passou a exercer o controle da entidade, destarte não importa a natureza de direito privada da entidade, a priori, a regra do art. 1º II, "i" c/c VII, "b" da Lei Complementar nº 64/1990, exigindo a desincompatibilização do prestador do serviço, mostrar-se-ia cabível, tendo razão o Ministério Público no ponto.

Não obstante, consoante se vê na transcrição acima e, conforme foi levantado pelo requerente, a regra a exigir a desincompatibilização prevê uma exceção, qual seja, tenha sido o regime de contratação efetuado sem negociação, por meio de contrato de adesão, de cláusulas uniformes.

O Ministério Público opõe-se ao reconhecimento da referida hipótese, alegando que teria ocorrido negociação entre as partes, no entanto, a prova carreada aos autos contradiz tal alegação, corroborando, por seu turno, a versão apresentada pelo requerente.

Com efeito, observa-se que todas as contratações da Santa Casa na área de especialidade do pré-candidato foram balizadas pelo Termo de Convênio nº 005/2020 (juntado a pg. 34), firmado entre o Município e a Santa Casa, do qual o pré-candidato é alheio, o que já atesta a contratação por adesão.

Mas não só, a cópia de instrumento contratual juntada a pg. 28 demonstra que o pré-candidato foi submetido as mesmas cláusulas que outros contratados para a mesma especialidade ou especialidades similares. No caso, foi contratado outro profissional para prestar serviços de cirurgia (Dr. Fernando Tarrago), sendo submetidos ao mesmo instrumento contratual.

No que concerne a toda a gama de contratos firmados pela Santa Casa após a intervenção, é evidente, que, conforme a especialidade médica/o serviço contratado, as cláusulas que regem os instrumentos podem variar. Ainda assim, observa este juízo, diante dos casos similares julgados neste processo eleitoral, que as cláusulas são praticamente as mesmas, uniformes, só variando àquelas pertinentes a especialidade contratada. Tal circunstância, portanto, não descaracteriza a natureza uniforme e por adesão dos contratos, o que importa para tanto é que a proposta de contratação foi feita pelo hospital, conforme o convênio firmado com o Município, e a ela aderiram os profissionais de saúde.

Nesse diapasão, cumpre ter em mira o contexto no qual as contratações foram efetivadas. Com efeito, o hospital passava por grave crise econômica/administrativa, sobrevindo a necessidade de "intervenção administrativa", instrumentalizada pela requisição de bens e serviços, pelo Município, a qual foi, inclusive, provocada pelo Ministério Público (https://www.uruguaiana.rs.gov.br/noticia/view/4361). Com a intervenção, houve e a assunção de uma nova administração, e a necessidade de contratação/recontratação dos profissionais que aderiram a proposta que o hospital podia arcar.

Diante de tal contexto, cumpre reconhecer que o pré-candidato enquadra-se na exceção prevista na parte final do art. 1º, II, "i" c/c VII, "b" da Lei Complementar nº 64/1990, não havendo a necessidade de desincompatibilização na hipótese. (Grifo nosso)

Como se extrai da decisão de piso, foram trazidos aos autos os contratos firmados com o hospital, o que comprova o vínculo com o recorrido, revelando serem contratos de adesão, elaborados unilateralmente pelo ente público, de forma padronizada, não sendo possível discussão acerca das suas cláusulas (ID's 8759033, 8759083, 8759133 e 8759183).

Portanto, adoto os fundamentos do ilustre magistrado, confirmando a sentença e mantendo, por consequência, o deferimento do registro de candidatura do recorrido.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.