REl - 0600268-93.2024.6.21.0123 - Voto Relator(a) - Sessão: 18/06/2025 00:00 a 20/06/2025 23:59

VOTO

GILBERTO REIS AMARAL recorre da sentença que desaprovou suas contas referentes às Eleições Municipais de 2024 e determinou o recolhimento de R$ 1.500,00 ao Tesouro Nacional, em virtude do recebimento de recursos de origem não identificada relativos a dois depósitos bancários sucessivos, realizados na mesma data, em espécie, nos valores de R$ 1.000,00 e R$ 500,00, respectivamente, identificados com o CPF do próprio recorrente.

Em suas razões, alega que, devido à demora na liberação de talões de cheques, fez dois depósitos de R$ 1.500,00 em sua conta de campanha, com origem em seus rendimentos como vereador, para cumprir obrigações de campanha. Defende que, embora o valor excedente seja de R$ 435,90, a Resolução TSE n. 23.607/19 permite doações de até R$ 1.064,10, não houve prejuízo ao uso dos recursos. Requer a reforma da sentença, aplicando-se os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, para aprovação das contas com ressalvas.

A r. sentença registou que “foram realizados depósitos pelo próprio candidato no valor superior a R$ 1.064,10, realizados de forma distinta da opção de transferência eletrônica ou cheque cruzado e nominal ou PIX, entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação” o que contaria “o disposto no art. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, sujeito ao recolhimento previsto no art. 32, caput, da referida Resolução.”.

A Procuradoria Regional Eleitoral entende que é irrelevante para a solução da questão que o doador tenha sido identificado, porquanto a realização de depósitos identificados por determinada pessoa é incapaz, por si só, de comprovar sua origem, devido à ausência de trânsito prévio dos recursos pelo sistema bancário.

Do exame do parecer técnico (ID 45877338), constato que, de fato, houve duas doações sucessivas realizadas pelo próprio candidato, ora recorrente, em 03.10.2024, em espécie, nos valores de R$ 1.000,00 e R$ 500,00, perfazendo o montante total de R$ 1.500,00, mas sem a devida transferência eletrônica entre contas bancárias ou emissão do respectivo cheque nominal e cruzado. Tal procedimento descumpre norma expressa de contabilidade eleitoral e impacta diretamente a confiabilidade das contas.

Os referidos valores não deveriam ser utilizados no financiamento de campanha e, no caso de utilização, como na hipótese dos autos, devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional na forma do disposto nos arts. 21, §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 5º; 32, caput; e 79, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19, verbis:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

(...)

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias da doadora ou do doador e da beneficiária ou do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por uma mesma doadora ou um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação da doadora ou do doador, ser a ela ou a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificada(o) a doadora ou o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução.

§ 5º Além da consequência disposta no parágrafo anterior, o impacto sobre a regularidade das contas decorrente da utilização dos recursos recebidos em desacordo com este artigo será apurado e decidido por ocasião do julgamento.

(…)

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatas ou candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

(…)

Art. 79. A aprovação com ressalvas da prestação de contas não obsta que seja determinada a devolução dos recursos recebidos de fonte vedada ou a sua transferência para a conta única do Tesouro Nacional, assim como dos recursos de origem não identificada, na forma prevista nos arts. 31 e 32 desta Resolução.

(…) 

 

Dessa forma, a decisão recorrida merece ser mantida, pois, inequivocamente, o procedimento adotado contraria o art. 21, inc. I, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19, que estabelece o limite de R$ 1.064,10 para doações bancárias sucessivas em espécie, realizadas por um mesmo doador, em um mesmo dia.

Tal exigência normativa visa assegurar a rastreabilidade dos recursos (origem e destino) recebidos pelos candidatos, o que resta comprometido quando a operação é realizada por meio diverso, como feito pela recorrente.

Nesse cenário, ainda que os comprovantes de depósitos indiquem o CPF do doador, que, no caso destes autos, é o próprio candidato, há irregularidade, porque houve superação do limite diário de recebimento de doação em dinheiro, a qual inviabiliza o rastreamento. Os depósitos foram realizados de maneira sucessiva, estando correta, pois, a conclusão do juízo a quo no sentido de que os valores não estão com a origem devidamente identificada, o que conduz ao recolhimento ao erário, na forma prevista no caput do art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Ressalto que o egrégio Tribunal Superior Eleitoral entende que a obrigação de as doações acima de R$ 1.064,10 serem realizadas mediante transferência bancária não se constitui em mera exigência formal, sendo que o seu descumprimento enseja, em tese, a desaprovação das contas, consoante precedente a seguir colacionado:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DOAÇÃO. DEPÓSITO BANCÁRIO. EM ESPÉCIE. VALOR SUPERIOR A R$ 1.064,10. TRANSFERÊNCIA ELETRÔNICA. EXIGÊNCIA. ART. 18, § 1º DA RES. TSE Nº 23.463/2015. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. PROVIMENTO.

(...)

2. Nas razões do regimental, o Parquet argumenta que não foi observado o art. 18, § 1º, da Res.-TSE nº 23.463/2015, segundo o qual "as doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação". 3. A Corte Regional, soberana na análise dos fatos e provas, atestou a identificação da doadora do valor apontado como irregular por meio do número do CPF impresso no extrato eletrônico da conta de campanha.

4. Consoante decidido nesta sessão, no julgamento do AgR-REspe nº 265-35/RO, a maioria deste Tribunal assentou que a exigência de que as doações acima de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) sejam feitas mediante transferência eletrônica não é meramente formal e o seu descumprimento enseja, em tese, a desaprovação das contas.

(...)

7. Agravo regimental acolhido para dar provimento ao recurso especial, com determinação de recolhimento ao erário do valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

(Recurso Especial Eleitoral n. 52902, Relator Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Publicação: DJE, Tomo 250, Data: 19.12.2018, pp. 92-93.) (grifo nosso)

 

A sentença está em sintonia com a jurisprudência pacífica deste Tribunal no sentido de vedar depósitos de dinheiro em espécie, ainda que identificado o CPF do doador, quando realizados depósitos sucessivos, no mesmo dia, burlando artificialmente o limite de doações de até R$ 1.064,10 nessa modalidade:

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO. DEPUTADO FEDERAL. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. BAIXO PERCENTUAL. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Prestação de contas apresentada por candidato não eleito ao cargo de deputado federal, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas eleições gerais de 2022.

2. Recurso de origem não identificada. Realização de três depósitos sucessivos em espécie, na mesma data, identificados com o número do CPF do próprio candidato. Matéria disciplinada nos arts. 21 e 32 da Resolução TSE n. 23.607/19. Na hipótese, o montante do aporte superou objetivamente o limite de R$ 1.064,10 permitido por lei para depósitos em espécie, e a doação deveria ter observado a exigência de transferência eletrônica ou cheque cruzado e nominal. Ademais, o depósito identificado, em situações como a dos autos, é incapaz de comprovar a efetiva origem dos recursos, haja vista a ausência de seu trânsito prévio pelo sistema bancário e a natureza essencialmente declaratória desse ato financeiro. Caracterizado o recebimento de recursos de origem não identificada, impondo o recolhimento do valor ao Tesouro Nacional.

3. A irregularidade representa 1,88% do total das receitas declaradas na campanha, sendo adequado, razoável e proporcional o juízo de aprovação das contas com ressalvas, na linha do que vem decidindo este Tribunal Regional e o Tribunal Superior Eleitoral.

4. Aprovação com ressalvas. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

(TRE/RS, PCE nº 0602178-10.2022.6.21.0000, Relator Desembargador Voltaire De Lima Moraes, Publicação: DJE 23/10/2023).

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO ELEITO. DEPUTADO FEDERAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS DE CAMPANHA. PARECER TÉCNICO PELA DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA - RONI. DEPÓSITO EM ESPÉCIE REALIZADO NO MESMO DIA SUPERIOR AO MÍNIMO PERMITIDO. INFRAÇÃO AO ART. 21, § 2º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. QUANTIA DE BAIXO VALOR. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. DETERMINADO O RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Prestação de contas apresentada por candidato eleito ao cargo de deputado federal, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas Eleições Gerais de 2022.

2. Identificados de seis depósitos em espécie, realizados por um mesmo doador, em um mesmo dia, em valor acima do limite regulamentar. O art. 21, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19, estipula que as doações sucessivas, realizadas por um mesmo doador, em uma mesma data, devem ser somadas para fins de aferição do limite. Ainda que os depósitos glosados, isoladamente, não tenham excedido o valor de R$ 1.064,10, o conjunto de transações alcançou cifra superior. O montante recebido em desacordo com a norma impossibilita o cruzamento de informações com o sistema financeiro nacional e obsta a confirmação da exata origem dos recursos recebidos, uma vez que para o depósito em espécie são lançadas as informações declaradas pelo depositante, diferentemente da transferência bancária, onde a operação é "conta a conta", o que garante a correta identificação da origem dos recursos. Portanto, reputam-se como sendo de origem não identificada os recursos advindos da doação em tela. Dever de recolhimento ao Tesouro Nacional, conforme prescreve o art. 32, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19.

3. A irregularidade representa 0,20% da receita total declarada pelo candidato, razão pela qual, de acordo com a pacífica jurisprudência do TSE, seguida por este Regional, cabe no caso a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, a fim de aprovar as contas com ressalvas. Mantida a obrigação do recolhimento do montante apontado como irregular ao Tesouro Nacional.

4. Aprovação com ressalvas. Recolhimento ao Tesouro Nacional. (TRE, PCE nº 0602403-30.2022.6.21.0000, Relator Desembargador Eleitoral Amadeo Henrique Ramella Buttelli, Publicado em Sessão, 23/11/2022.)

 

Assim, permanece a irregularidade, sendo inviável acolher o pedido de aprovação, ainda que com ressalvas, das contas.

Com efeito, as falhas totalizam o valor de R$ 1.500,00 e representam 58,81% das receitas declaradas (R$ 2.551,50), percentual superior a 10% do total de recursos arrecadados, razão pela qual é acertada a desaprovação das contas, não sendo hipótese de aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, na esteira da jurisprudência do TSE e deste Tribunal:

 

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. VEREADOR. CONTAS DE CAMPANHA DESAPROVADAS. EXTRAPOLAÇÃO DO LIMITE DE GASTOS. BENS ESTIMÁVEIS. FALHA GRAVE. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. REJEIÇÃO.

1. O suposto vício apontado denota propósito do embargante de rediscutir matéria já decidida, providência inviável na via aclaratória. Precedentes.

2. Na espécie, no aresto embargado, assentou-se de modo expresso que extrapolar em quase 18% o limite de gasto de campanha, sem justificativas plausíveis para o excesso, constitui irregularidade de natureza grave apta a ensejar rejeição de contas.(…)

5. Embargos de declaração rejeitados.

(Recurso Especial Eleitoral nº 16966, Acórdão, Relator(a) Min. Jorge Mussi, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 185, Data 14/09/2018, Página 73/74)

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018.

(...)

3. Falha que representa 18,52% dos valores auferidos em campanha pelo prestador. Inviabilidade da aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade como forma de atenuar a gravidade da mácula sobre o conjunto das contas.

4. Desaprovação.

(Prestação de Contas n 060235173, ACÓRDÃO de 03/12/2019, Relator Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão).

 

Com essas considerações, em linha com o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, concluo que o recurso merece ser desprovido porque a manutenção do juízo de desaprovação das contas e a determinação de recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional é medida que se impõe.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.