REl - 0600102-40.2020.6.21.0046 - Voto Relator(a) - Sessão: 29/10/2020 às 10:00

VOTO

O recurso é tempestivo e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

No mérito, o registro de candidatura foi indeferido porque a certidão criminal de segundo grau apontou a existência de causa de inelegibilidade prevista no art. 1.º, inc. I, al. “e”, da Lei Complementar n. 64/90, em razão de condenação transitada em julgado pela prática de crime contra a administração pública, mais precisamente, por incurso no delito de prevaricação previsto no Código Penal Militar.

A legislação de regência trata da questão mediante as prescrições do art. 14, § 3º, inc. II, e § 9º, da Constituição Federal, c/c art. 1.º, inc. I, al. “e”, e § 4º, da LC n. 64/90, com a redação dada pela LC n. 135/10 (Lei da Ficha Limpa), in verbis:

Constituição Federal

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

[…]

§ 3º São condições de elegibilidade, na forma da lei:

[…]

II – o pleno exercício dos direitos políticos;

[…]

§ 9.º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

Lei Complementar n. 64/90

Art. 1.º São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

[...]

e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes: (Redação dada pela Lei Complementar n.º 135, de 2010)

[...]

§ 4.º A inelegibilidade prevista na alínea e do inciso I deste artigo não se aplica aos crimes culposos e àqueles definidos em lei como de menor potencial ofensivo, nem aos crimes de ação penal privada.

Em relação ao recorrente, consta que no processo n. 1000554-81.2014.9.21.0001, o qual tramitou perante a 1ª Auditoria da Justiça Militar Estadual (Porto Alegre/RS), foi condenado pela prática do crime previsto no art. 319 do Código Penal Militar (crime contra a administração pública), à pena de 6 (meses) de detenção com sursis por 2 (dois) anos, tendo a decisão transitado em julgado em 27.5.2015 e a pena extinta em 24.7.2018, conforme informação extraída do Sistema de Informações de Óbitos e Direitos Políticos (ID 8045033).

Logo, ainda não ocorreu, após o cumprimento da pena, o transcurso do prazo de 08 anos.

Isso porque o prazo de inelegibilidade previsto na alínea “e” do inc. I do art. 1.º da LC n. 64/90, decorrente de condenação criminal, por órgão colegiado ou transitada em julgado, nos crimes nela especificados, projeta-se da condenação até oito anos após o cumprimento da pena, seja ela privativa de liberdade, restritiva de direito ou multa. Assim, o prazo final da inelegibilidade se efetivará na data de 24.7.2026.

Nesse sentido, dispõe a Súmula TSE n. 61, verbis:

Súmula n. 61. O prazo concernente à hipótese de inelegibilidade prevista no art. 1.º, I, e, da LC n.º 64/90 projeta-se por oito anos após o cumprimento da pena, seja ela privativa de liberdade, restritiva de direito ou multa.

Assim, forçoso reconhecer a inelegibilidade do recorrente, consoante se observa das prescrições do art. 14, § 3º, inc. II, e § 9º, da Constituição Federal, c/c art. 1º, inc. I, al. “e”, n. 2, da LC n. 64/90, com a redação dada pela LC n. 135/10 (Lei da Ficha Limpa).

Ademais, nos termos do art. 15, inc. III, da Carta Magna, resulta na suspensão dos direitos políticos do recorrente:

Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:

(...)

III – condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;

Colaciono jurisprudência do TSE a respeito do tema:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO REGIMENTAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. DEPUTADO FEDERAL. INDEFERIMENTO. RECURSO ORDINÁRIO. FUNGIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL. SENTENÇA CRIMINAL TRANSITADA EM JULGADO. SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS. CONDIÇÃO DE ELEGIBILIDADE. ART. 15, III, DA CF. AUSÊNCIA. DECISÃO AGRAVADA. FUNDAMENTOS. NÃO IMPUGNAÇÃO. SÚMULA Nº 26/TSE. DESPROVIMENTO. (…) 6. In casu, o registro foi indeferido na Corte de origem, porquanto o candidato, ora agravante, foi condenado pela prática dolosa de crimes de lesão corporal e de ameaça em violência doméstica, descritos nos arts. 129, § 9º, e 147 do Código Penal, conforme acórdão transitado em julgado em 10.4.2018. Segundo consta do acórdão regional, a pena ainda não foi cumprida. 7. Para a incidência do art. 15, III, da CF, é irrelevante a espécie de crime, a natureza da pena, bem como a suspensão condicional do processo, conforme iterativa jurisprudência desta Corte Superior. O aludido dispositivo constitucional é autoaplicável, sendo efeito automático do trânsito em julgado do decreto condenatório criminal. Precedentes. (...) 9. Agravo regimental desprovido.

(TSE – Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 0601088-93.2018.6.07.0000 – Ministro Tarcisio Vieira De Carvalho Neto – Data: 13.11.2018.) (Grifei.)

Cumpre referir que, conforme decidido pelo STF no Tema 370, “a suspensão de direitos políticos prevista no art. 15, inc. III, da Constituição Federal aplica-se no caso de substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos”, tratando-se de norma autoaplicável, como consequência imediata da sentença penal condenatória transitada em julgado.

Assim, para relevar a suspensão dos direitos políticos, o demandante deveria ter demonstrado o cumprimento da pena, sua extinção ou a existência de prescrição da pretensão executória, considerando o prazo legal de transcurso, ou seja, a se implementar em 24.7.2026.

Por fim, no pertinente à alegação de que, pelo fato de haver sido condenado por crime equiparado à infração de menor potencial ofensivo, se mostra perfeitamente possível, e até mesmo recomendada, a aplicação da exceção do art. 1º, § 4º, da LC n. 64/90, bem como sobre a não aplicação da lei dos Juizados Especiais Criminais no âmbito da Justiça Militar a afastar a inelegibilidade, entendo no mesmo sentido do parecer ministerial, o qual, a fim de evitar tautologia, transcrevo, adotando-o como razões de decidir, in verbis:

Ademais, o TSE já teve oportunidade de assentar que a condenação do recorrido por crime do art. 319 do Código Penal Militar não se enquadra na exceção prevista no art. 1º, I, § 4º da LC nº 64/90, apesar de sua pena em abstrato não ultrapassar dois anos de detenção, já que não se aplicam à Justiça Militar as disposições da Lei nº 9.099/95, conforme disposto no seu art. 90–A.

Nesse sentido, o seguinte precedente do egrégio Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2018. RECURSO ORDINÁRIO. REGISTRO DE CANDIDATURA. CARGO. DEPUTADO FEDERAL. CONDENAÇÃO CRIMINAL. ART. 319 DO CÓDIGO PENAL MILITAR. INAPLICABILIDADE DA LEI Nº 9.099/95 NO ÂMBITO DA JUSTIÇA MILITAR. CONSELHO PERMANENTE DA JUSTIÇA MILITAR. ÓRGÃO COLEGIADO. INELEGIBILIDADE PREVISTA NO ART. 1º, I, E, 1, DA LC Nº 64/90. COLIGAÇÃO NÃO OBTEVE VOTAÇÃO SUFICIENTE PARA OBTENÇÃO DE VAGA NA CÂMARA FEDERAL. PREJUÍZO.1. A inelegibilidade prevista no art. 1°, I, e, 1, da LC n° 64/90 decorre de condenação criminal com trânsito em julgado ou proferida por órgão colegiado, pela prática de crime contra a Administração Pública, e se estende desde a condenação até oito anos após o cumprimento da pena.2. A colegialidade contida na referida norma não está intrinsecamente ligada a um órgão de segundo grau de jurisdição, mas à garantia de independência de vários membros julgadores, em oposição à contenção da vontade do julgador individual. 3. O fato de o Conselho Permanente de Justiça integrar a primeira instância da Justiça Militar Estadual não afasta o caráter colegiado do referido órgão – composto por um Juiz–Auditor, um oficial superior e três oficiais de posto até capitão–tenente ou capitão (art. 16, b, da Lei nº 8.457/92) –, pois a inelegibilidade em comento "[...] não inclui que a colegialidade tenha de ser órgão recursal (vide a questão dos julgados do Supremo Tribunal Federal em instância originária) nem apenas decisões recorríveis ou extraídas de recursos" (RO 169795/MT, Rel. designada Min. Carmem Lúcia, PSESS 02.12.2010) 4. A condenação do recorrido por crime do art. 319 do Código Penal Militar não se enquadra na exceção prevista no art. 1º, I, § 4º da LC nº 64/90 apesar de sua pena em abstrato não ultrapassar dois anos de detenção. Isso porque não se aplica à Justiça Militar as disposições da Lei nº 9.099/95, conforme disposto no seu art. 90–A. […]

(Recurso Ordinário nº 060066541, Acórdão, Relator(a) Min. Edson Fachin, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 18/10/2018) – grifou-se

De outra parte, a questão envolvendo a não aplicação da lei dos Juizados Especiais Criminais no âmbito da Justiça Militar, já foi analisada pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, que não só reafirmou tal vedação, como assentou a constitucionalidade do art. 90-A da Lei nº 9.099/95:

Ementa: Penal Militar. Habeas corpus. Deserção – CPM, art. 187. Crime militar próprio. Suspensão condicional do processo - art. 90-A, da Lei n. 9.099/95 – Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Inaplicabilidade, no âmbito da Justiça Militar. Constitucionalidade, face ao art. 98, inciso I, § 1º, da Carta da República. Obiter dictum: inconstitucionalidade da norma em relação a civil processado por crime militar. O art. 90-A, da n. 9.099/95 - Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais -, com a redação dada pela Lei n. 9.839/99, não afronta o art. 98, inciso I, § 1º, da Carta da República no que veda a suspensão condicional do processo ao militar processado por crime militar. In casu, o pedido e a causa de pedir referem-se apenas a militar responsabilizado por crime de deserção, definido como delito militar próprio, não alcançando civil processado por crime militar. Obiter dictum: inconstitucionalidade da norma que veda a aplicação da Lei n. 9.099 ao civil processado por crime militar. Ordem denegada.

(HC 99743, Relator: MARCO AURÉLIO, Relator p/ Acórdão: LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 06.10.2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-164 DIVULG. 20.8.2012 PUBLIC. 21.8.2012.)

Dessa forma, verifica-se que o candidato se encontra inelegível, por incidir na causa de inelegibilidade do art. 1.º, inc. I, al. “e”, da LC n. 64/90, devendo ser mantida a sentença que indeferiu o seu pedido de registro de candidatura.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso de LUIZ ROBERTO SILVA DA COSTA, para indeferir seu registro de candidatura ao cargo de vereador, relativo às eleições 2020.