REl - 0600103-52.2020.6.21.0037 - Voto Relator(a) - Sessão: 29/10/2020 às 10:00

VOTO

Admissibilidade

O recurso preenche todos os requisitos de admissibilidade aplicáveis à espécie, razão por que dele conheço.

Mérito

Trata-se de irresignação de RICARDO POLL COSTA contra decisão do Juízo da 37ª Zona Eleitoral, que indeferiu pedido de dispensa aos trabalhos eleitorais (na condição de mesário no pleito de 2020) por ausência de previsão legal quanto ao motivo aduzido, qual seja, a convivência do recorrente com seus pais, os quais, em razão da idade avançada, seriam pertencentes ao grupo de risco para a Covid-19.

Com efeito, aduz o recorrente que teme contaminar seus genitores, caso venha a trabalhar no próximo pleito, consoante narrativa que transcrevo parcialmente (ID 7617983):

Esse é o meu caso:

Meus pais são idosos e moram comigo. Minha mãe tem problemas cardiovasculares e meu pai foi fumante por décadas. Eles têm 68 e 71 anos, respectivamente. Duplamente grupo de risco. Minha família não é do RS. Meu pai é oficial da Marinha (hoje na reserva) e serviu no 5º Distrito Naval.

Na década de 90, resolvemos nos radicar em Rio Grande/RS. Meu irmão atualmente reside em Boa Vista/RR (Oswaldo Poll Costa, Procurador da República) e minha irmã em Novo Hamburgo/RS (Elaine Poll Costa, Analista da Receita Federal). Somos apenas 3 irmão.

Portanto, sou a única família que meus pais têm na cidade.

Estamos cumprindo rigorosamente o isolamento social, desde março, quando a pandemia chegou ao país. Estou trabalhando em regime de ‘home office’ desde então (sou servidor do MPF). Não recebemos ninguém em casa. Só saímos eventualmente para ir ao supermercado, com toda a prevenção possível e mantendo contato apenas com o caixa da loja. Se eu tiver de trabalhar nas eleições, serei forçado a deixar meus pais sozinhos, ao menos durante algumas semanas, até ter certeza de que não fui infectado. Também terei de achar um lugar isolado para cumprir essa “quarentena”. Não sei se conseguirei.

Como os Srs. podem confirmar, sou mesário voluntário. Sempre tive muito orgulho e satisfação de prestar esse serviço ao país. Mas não vou correr o risco de contaminar meus pais. Se eu tiver mesmo de participar das eleições, é muito provável que eu não volte mais a conviver com eles até que se encontre uma cura ou uma vacina para essa doença. E não posso deixá-los sozinhos nesse momento.

Esse é a minha justificativa.

 

Em paralelo, anexada pelo recorrente documentação de identidade sua e de seus pais, além de comprovantes de residência da família (ID 7617733 e 7617833).

Prossigo.

Decerto que o serviço eleitoral se constitui em dever, dentro da conformação jurídica imposta pela legislação.

O Estado Democrático de Direito, aliás, não apenas fornece direitos aos cidadãos; impõe-lhes obrigações cívicas, para que exatamente se perpetue a manutenção de um regime no qual vigorem tanto a democracia representativa como a origem do poder no povo. Nesse sentido, há de se estimular e propagar a importância do trabalho dos mesários para a Justiça Eleitoral.

Todavia, no caso vertente, as circunstâncias levam-me a acolher a pretensão do recorrente.

Veja-se que o eleitor buscou diligenciar a sua dispensa de forma clara e escorreita, lançando mão do que estava ao seu alcance e apresentando justificativa plausível à impossibilidade de comparecimento ao serviço eleitoral. Em razão do momento que vivemos, é patente a preocupação do recorrente – nobre, diga-se de passagem – com a saúde dos seus pais (potencialmente integrantes do grupo de risco da Covid-19).

É sob esse enfoque que entendo ser proporcional, no caso em concreto, prestigiar os primados da vida e da saúde, até mesmo porque ainda há tempo para substituição do recorrente pela Justiça Eleitoral.

Logo, embora se possa questionar o valor jurídico da situação fática em exame, ou mesmo dos documentos que a acompanham, considero-a aceitável e compreensível, ao efeito de acolher o pedido de dispensa formulado.

Em igual sentido é o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, o qual adoto como razões de decidir (ID 7965983), verbis:

O recorrente, convocado para a função de mesário nas eleições de 2020, afirma que reside com seus pais, pessoas idosas e que pertencem ao grupo de risco para a COVID-19.

Tal circunstância vem amparada pelos documentos juntados no ID 7617833, os quais comprovam que o eleitor convocado Ricardo Poll Costa é filho de Ronaldo Costa e de Avani Poll Costa (fl. 9), os quais possuem, respectivamente, 70 e 68 anos de idade (fls. 4 e 2). Os comprovantes de residência juntados também apontam claramente que os três residem no mesmo endereço, qual seja, Rua Doutor Nascimento, nº 88, Centro, Rio Grande/RS (ID 7617733 e ID 7617833, fls. 5/7).

Ademais, é de conhecimento público e notório que a COVID-19 possui maior taxa de letalidade em relação aos indivíduos mais idosos, aumentando drasticamente para pessoas a partir dos 60 anos e ainda mais para aquelas acima dos 70 anos.

Nesse contexto, mesmo que o convocado que requer a escusa do serviço eleitoral não pertença, ele próprio, ao aludido grupo de risco, deve-se ter em conta que, no dia da eleição, mesmo com todos os protocolos de segurança determinados pela Justiça Eleitoral sendo seguidos, estará em contato, durante boa parte desse dia, com diversas pessoas que circulam pelas sessões eleitorais para o exercício do direito de voto.

Diante disso, não parece razoável submetê-lo a tal serviço, pois a sua maior exposição ao risco de contaminação acarretará, logicamente, um risco idêntico para as pessoas que com ele residem, estas sim integrantes do grupo de risco para a referida doença conforme frisado.

Com efeito, o § 4º do art. 120 do Código Eleitoral permite que os mesários convocados aleguem “motivos justos (…) para recusar a nomeação”, e, independentemente de haver ou não ato normativo da Justiça Eleitora, aplica-se ao caso o art. 5º, caput, da Constituição Federal, que resguarda o direito fundamental à vida e à integridade física dos genitores idosos do requerente.

Incide, igualmente, o princípio da proporcionalidade, pois a Justiça Eleitoral tem como convocar outra pessoa, no lugar do requerente, que não esteja e não possua familiares no grupo de risco, não sendo razoável que, diante dessa possibilidade, ainda assim seja o mesmo obrigado a uma maior exposição ao contágio do COVID-19 e, via de consequência, a expor os seus genitores idosos a esse mesmo risco aumentado.

Portanto, a sentença deve ser reformada, a fim de que se conceda a dispensa do serviço eleitoral postulada. (Grifei.)

 

Portanto, dentro desse contexto, a reforma da sentença é medida que se impõe.

Diante do exposto, VOTO pelo provimento do recurso interposto por RICARDO POLL COSTA, para deferir a dispensa do serviço eleitoral na condição de mesário das eleições de 2020.

Comunique-se o juízo de origem.