REl - 0600114-71.2020.6.21.0008 - Voto Relator(a) - Sessão: 29/10/2020 às 10:00

VOTO

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, está a merecer conhecimento.

Trata-se de requerimento de registro de candidatura que sofreu impugnação pelo Ministério Público Eleitoral, com base no art. 1º, inc. I, al. “b”, da Lei Complementar n. 64/90, o qual dispõe:

Art. 1º São inelegíveis:

I – para qualquer cargo:

(…)

b) os membros do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas, da Câmara Legislativa e das Câmaras Municipais, que hajam perdido os respectivos mandatos por infringência do disposto nos incisos I e II do art. 55 da Constituição Federal, dos dispositivos equivalentes sobre perda de mandato das Constituições Estaduais e Leis Orgânicas dos Municípios e do Distrito Federal, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos oito anos subsequentes ao término da legislatura

 

Na sentença, a d. magistrada de primeiro grau entendeu que a impugnação do MPE merecia guarida e indeferiu o pedido de registro de candidatura de MOACIR ANTÔNIO CAMERINI pois, com fundamento no art. 4º do Decreto-Lei n. 201/67, o recorrente teria perdido seu cargo de vereador por quebra do decoro parlamentar.

O pretenso candidato, então, recorre, ao argumento de que obteve perante a Justiça Comum decisão suspensiva da referida cassação de mandato.

De fato.

Nota-se, a teor da liminar concedida no bojo dos autos do Mandado de Segurança n. 5001329-87.2020.8.21.0005, que se encontra suspensa a causa de inelegibilidade, como apontado pelo d. Procurador Regional Eleitoral.

Transcrevo a íntegra da decisão, exarada em 08.10.2020:

Vistos.

Trata-se de mandado de segurança impetrado por MOACIR ANTONIO CAMERINI em face do Presidente - CAMARA MUNICIPAL DE BENTO GONCALVES, buscando a suspensão dos atos praticados pela CPI das Fake News, que culminou na cassação de seu mandato como vereador.

Inicialmente, destaco que o deferimento de medida liminar em mandado de segurança exige a presença dos requisitos do inciso III do art. 7º da Lei nº 12.016/2009, com as ressalvas do § 2º:

Art. 7º Ao despachar a inicial, o juiz ordenará:

(...)

III - que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica.

(...)

§ 2º Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza.

(…)

Na doutrina, Pedro Roberto Decomain destaca que são dois os requisitos cuja satisfação o inciso III do art. 7º da Lei n. 12.016/09 exige para que possa ser concedida no mandado de segurança a antecipação de tutela: a relevância do fundamento invocado pelo impetrante e o risco de que a decisão final possa resultar ineficaz, se a providência não for desde logo adotada.

In casu, o impetrante alega a nulidade da CPI pelos seguintes motivos:

a) Irregularidade na notificação (exiguidade de tempo para constituição de advogado, já que foi notificado no dia 07/06/2019 (sexta) e a inquirição das testemunhas ocorreu em 10/06/2019 (segunda).

b) Indeferimento da oitiva de testemunhas;

c) Negativa da testemunha em responder perguntas da defesa;

d) Suspeição (possibilidade do suplente - que tinha interesse no resultado do processo - em exercer o voto de misericórdia); e

e) Cassação - medida desproporcional e em desacordo com o Código de Ética da Câmara.

Com efeito, é evidente que antes de fazer incidir a penalidade ao impetrante, cumpria ao impetrado oportunizar ampla defesa ao vereador, em observância do disposto no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal, que trata dos direito e garantias fundamentais, in verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

A respeito da necessidade de observância dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, cabe trazer à baila os ensinamentos de Alexandre de Moraes1, a seguir transcritos:

O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa (direito a defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal).

O devido processo legal tem como corolários a ampla defesa e o contraditório, que deverão ser assegurados aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, conforme o texto constitucional expresso (art. 5º, LV). Assim, embora no campo administrativo, não exista necessidade de tipificação estrita que subsuma rigorosamente a conduta à norma, a capitulação do ilícito administrativo não pode ser tão aberta a ponto de impossibilitar o direito de defesa, pois nenhuma penalidade poderá ser imposta, tanto no campo judicial, quanto nos campos administrativos ou disciplinares, sem a necessária amplitude de defesa.

Por ampla defesa entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário, enquanto o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo (par conditio), pois a todo ato produzido pela acusação caberá igual direito da defesa de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que melhor lhe apresente, ou, ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor. Salienta Nelson Nery Júnior que “o princípio do contraditório, além de fundamentalmente constituir-se em manifestação do princípio do Estado de Direito, tem íntima ligação com o da igualdade das partes e o do direito de ação, pois o texto constitucional, ao garantir aos litigantes o contraditório e a ampla defesa, quer significar que tanto o direito de ação, quanto o direito de defesa são manifestação do princípio do contraditório”.

Nestes termos, entendo que algumas das questões suscitadas pelo impetrante, tornam ilegal o ato perpetrado pelo impetrante, que não oportunizou, de maneira satisfatória e ampla, que o impetrado exercesse seu direito de defesa.

Isso porque o impetrado, além de não poder fazer perguntas diretamente as testemunhas, teve indeferido seu pedido de inquirição das testemunhas indicadas pela defesa, o que configura, sem sombra de dúvidas, em evidente cerceamento de defesa.

Como dito pelo Ministério Público, "a dispensa da oitiva daquelas indicadas pela defesa “por não terem nenhuma conexão com a presente investigação” – concretizam a ofensa às garantias mínimas de qualquer procedimento acusatório, e com muito mais razão quando este procedimento culmina na perda de um mandato constituído democraticamente".

Deste modo, em juízo de cognição sumária, verifico a presença dos requisitos autorizadores do deferimento da tutela, sendo o caso de conceder a liminar para suspender todos os efeitos da cassação do mandado do impetrante, até decisão final da presente lide.

Em que pese a autoridade coatora tenha se manifestado nos autos do agravo, ainda não foi formalmente notificada, nos presentes autos, para prestar as devidas informações. Dessa forma, entendo prudente (a fim de evitar futuras alegações de nulidade), que ocorra sua notificação antes da decisão final da lide.

Ante o exposto, DEFIRO a medida liminar postulada e DETERMINO a suspensão dos efeitos da cassação do mandato do impetrante, operada pelo legislativo municipal.

Notifique-se a autoridade dita coatora para, no prazo de dez dias, prestar informações, nos termos do art. 7º, inciso I, da Lei nº 12.016/2009.

Dil. Legais.

 

O recurso merece ser provido, portanto. Nos termos do Tribunal Superior Eleitoral:

RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATO. PREFEITO. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, b, DA LC Nº 64/90. DECISÃO. CASSAÇÃO. MANDATO PARLAMENTAR. SUSPENSÃO. EFICÁCIA. PROVIMENTO JUDICIAL. AUSÊNCIA. CHAPA MAJORITÁRIA. INDEFERIMENTO. ADPF-STF Nº 144/DF. INAPLICABILIDADE. DESPROVIMENTO.

1. Para afastar a inelegibilidade prevista no art. 1º, I, b, da LC nº 64/90, não basta o mero ajuizamento de ação desconstitutiva ou mandado de segurança, visando anular o ato do órgão legislativo, faz-se necessário comprovar a obtenção de provimento judicial, mesmo em caráter provisório, suspendendo os efeitos desse ato.

[...]

4. Recurso desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 31531, Acórdão de 13.10.2008, Relator Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data: 13.10.2008 RJTSE - Revista de Jurisprudência do TSE, Volume 19, Tomo 4, p. 321.) (Grifei.)

 

Assim, e como bem apontado no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, é o caso de incidência do art. 11, § 10, da Lei n. 9.504/97:

[...]

§ 10. As condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, ressalvadas as alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes ao registro que afastem a inelegibilidade.

 

Ante o exposto, VOTO pelo provimento do recurso de MOACIR ANTÔNIO CAMERINI, para reformar a sentença que acolheu a impugnação oferecida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, e DEFERIR o registro de sua candidatura.