REl - 0600517-74.2020.6.21.0029 - Voto Relator(a) - Sessão: 27/10/2020 às 14:00

VOTO

A publicação impugnada nos autos tem o seguinte conteúdo:

Embora a atual Administração insista em aparentar um equilíbrio sobre os números, está comprovado que o governo Caumo gastou, durante o seu mandato, mais em folha de pagamento do que o governo anterior ao seu.

Essa afirmação fica evidente quando são analisados os valores repassados à empresa Arki Assessoria e Serviços, que presta serviços terceirizados para a Prefeitura desde 2004, quando contratada por dispensa de licitação.

O valor gasto com pessoal em 2016, no governo anterior, com a correção dada no período, e calculando com base no orçamento de 2019, chegou a um percentual de 42,72%. Já o valor gasto pelo governo Caumo, somado à diferença gasta com terceirizados, chegou a 42,91% em 2019.

Em debate com os candidatos a prefeito, Caumo comparou o percentual gasto com folha de pagamento de 2016, que chegou em 49% no governo anterior, com o dele, que chegou em 42% neste último ano de exercício. Porém, o que Caumo não fala e omite da sociedade é que o gasto com terceirizados da Arki aumentou de R$ 8 milhões para R$ 12 milhões neste mesmo período.

Em 2016, antes do governo de Marcelo Caumo, foram pagos mais de R$ 9 milhões mensais em folha de pagamento de servidores municipais. Já em 2019, na gestão de Caumo, este valor subiu para mais de R$ 11 milhões.

É sabido que o atual prefeito de Lajeado e o escritório de advocacia de sua família prestam serviços para a Arki. Também vale dizer que o contrato da prefeitura com a Arki está sendo, nesse momento, investigado pelo Ministério Público pelo uso da empresa como cabide de empregos.

É uma conta que não fecha e os lajeadenses já perceberam isso. Aumentar a receita não significa baixar despesas.

No último debate, na rádio A Hora, Caumo falou em consciência tranquila quanto à investigação pelo Ministério Público. Porém, deixou de revelar todos estes dados. Por isso, é importante esclarecê-los para que a sociedade saiba o que está sendo, de fato, investigado.

 

Junto ao texto, há uma imagem que retrata boneco com cara de espanto e duas duplas, ou seja, quatro, gráficos comparativos em colunas. As colunas superiores contêm valores em reais – 8 milhões e 12 milhões – e as inferiores, os percentuais correspondentes, sendo que 8 milhões equivalem a 42,71%, e 12 milhões a 42,91%.

A sentença recorrida considerou que “o arredondamento de dados não lança a postagem na seara do falso, do atentado a honra ou imagem do candidato da coligação representada”. Transcrevo as razões:

Inicialmente, saliento que o uso do termo amplamente lançado na doutrina e Tribunais de Fake News não é o mais indicado, na medida em que se é falso não é notícia e se é notícia não pode ser falso. Todavia, é do uso comum, mas prefiro o termo 'desinformação online' conforme apontado pelo Prof. Dr. Diogo Rais do Instituto Liberdade Digital em recente curso de Direito Eleitoral Digital para Magistrados na Escola Judiciária Eleitoral.

Dito isso, saliento que a desinformação online é a mentira, o falso, o enganoso frente a estética da verdade. Assim, toma-se uma notícia absolutamente falsa, mentirosa e enganosa, lançando sobre ela a estética da verdade para, com a informação, em termos eleitorais, confundir e enganar o eleitor.

Trata-se da má informação, ofensiva e atentatória à honra, v. g., o discurso de ódio; bem como a desinformação, ou seja, fabricar uma informação para enganar, ludibriar, ou a alteração substancial de um fato ocorrido.

O art. 27, § 1º, da Resolução 23.610/2019 aponta que é permitida a propaganda eleitoral na internet a partir do dia 16 de agosto do ano da eleição, alterado para 27 de setembro de 2020 em razão da EC 107/2020. O § 1º do referido artigo aponta que somente pode haver limitação da propaganda na internet quando ofender a honra ou a imagem de candidatos, partidos ou coligações ou divulgar fatos sabidamente inverídicos.

Feito esta introdução, o campo do ambiente virtual é fértil para uso indevido da desinformação na busca dos mais variados efeitos, seja para desonrar alguém, elevar o outro, atacar ou fomentar ideias, etc..

No entanto, a Justiça Eleitoral não pode tomar as vezes de censor quanto ao conteúdo de postagens na Internet consoante o art. 38, caput, da Resolução 23.610/2019. Deve-se manter o imaculado espaço de debates entre os candidatos onde as acusações e críticas candentes são utilizadas e, por vezes, necessárias para a formação da convicção do eleitor. Apenas graves excessos devem sofrer a intervenção estatal. Esse é o pensamento de Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral, Editora JusPodium, 7ª Edição) com o qual comungo.

No caso dos autos, analisando a postagem da representada Márcia nas redes sociais indicadas, a uma vista grossa, há divergências nos dados lançados nas postagens, mas não supressão de dados ou falso.

No entanto, apesar da divergência, há indicativos de procedência idônea dos dados ofertados na postagem. Assim, mesmo que haja divergência de dados, a essência da informação não está totalmente incorreta, qual seja, eventual elevação de gastos que é reconhecida pela coligação representada.

E o arrendondamento de dados não lança a postagem na seara do falso, do atentado a honra ou imagem do candidato da coligação representada.

Em sendo assim, dentro da dinâmica dos embates eleitorais, entendo que a questão deva ser solvida no campo da campanha, ou seja, entendendo o(a) candidato(a) como alterados os dados, buscar 'desdizer o dito' nos meios de campanha que lhe estão ao alcance.

Digo mais, a campanha eleitoral é via de mão dupla, pode ou não ajudar aquele que lança uso de informações e dados em relação ao outro, na medida em que os eleitores estão muito atentos para filtrar o que é verdadeiro do falso, alterado, etc.. O eleitor tem ferramentas diversas para analisar as informações lançadas deste(a) ou daquele(a) candidato(a).

Ante o exposto, julgo improcedente a Representação Eleitoral movida pela Coligação Juntos Para Seguir Em Frente contra Márcia Scherer e Facebook Seviços Online do Brasil Ltda., todos qualificados.

 

Ocorre que, na contestação e nas contrarrazões, a candidata recorrida afirma que o percentual de 42,71% decorre do valor de R$ 138.184.041,10, que foi “calculado sobre a receita líquida de 2019, razão pela qual foi utilizado no card-postagem”, e que o valor gasto com a empresa Arki, em 2016, totalizou R$ 8.612.570,86 e, em 2019, R$ 11.300.045,43, o que representa um acréscimo de R$ 2.687.474,57, e que esta diferença de R$ 2.687.474,57, somada à despesa com pessoal em 2019 – de R$ 136.080.392,88 –, “alcança o patamar de R$ 138.767.867,45, correspondente ao percentual de 42,91% que fora publicado no post”.

Ou seja, a própria recorrida admite que os valores correspondentes aos percentuais de 42,71% e 42,91%, retratados na imagem da postagem como sendo, respectivamente, 8 milhões e 12 milhões, referem-se, na verdade, às quantias de R$ 138.184.041,10, para 42,71%, e de R$ 138.767867,45, para 42,91%. E tais percentuais são alcançados depois de cálculos aritméticos.

Assim, embora o texto da publicação não apresente conteúdo irregular, a imagem que o acompanha, a qual apresenta gráficos, traz desinformação transmitida com o propósito de confundir ou induzir o eleitor em erro.

A Procuradoria Regional Eleitoral, de forma perspicaz, também verificou o estratagema e citou a frase, atribuída a Confúcio, ao referir que “uma imagem vale mais que mil palavras”, pois sobressai clara a intenção de enganar o eleitor com um jogo de números, pois cediço que 8 milhões equivale a 66,66% de 12 milhões, e não a 40%, conforme o gráfico publicado informa:

É uma grande verdade que uma imagem vale mais do que mil palavras. E isso é ainda mais verdadeiro quando se sabe que grande parte do nosso eleitorado tem baixo nível de escolaridade.

Pois bem. Na imagem supra, facilmente se vê uma distorção no gráfico para beneficiar a candidata representada.

Comumente, os gráficos de barra são inseridos com o propósito de levar facilmente à pessoa que está recebendo uma informação a ideia da proporção existente entre os diversos dados informados.

Assim um gráfico de barras, em que as mesmas não guardam qualquer proporcionalidade no tamanho em relação aos números que representam, conduz a erro aquele que recebe a informação, distorcendo a compreensão dos números que o acompanham.

No caso em tela, está clara a tentativa de levar aos eleitores uma informação distorcida. Na imagem supra, temos dois gráficos que representam as importâncias gastas com terceirizados pela gestão do governo Caumo, atual, e do governo anterior. O governo atual teria gasto 12 milhões e o governo anterior 8 milhões. Como se sabe, 8 milhões equivale a 2/3 (66,66%) de 12 milhões. Porém, na propaganda realizada, os gráficos de barra levam ao eleitor a informação de que os gastos da gestão anterior representam 2/5 dos gastos da gestão atual (40%), conforme o comprimento das barras indica.

Os valores até poderiam estar corretos, mas a imagem certamente não, e esta, como referido, em se tratando de propaganda eleitoral, é bem mais relevante. Ainda que os dados das barras de folha de pagamento da imagem estejam corretos, com base no que referido na contestação, o certo é que o foco da propaganda não é nestas barras, que não justificariam o espanto do personagem colocado na imagem, até porque possuem valores semelhantes. O espanto do personagem está com as barras relacionadas aos terceirizados, exatamente as que não correspondem à realidade.

Sendo assim, estamos convictos de que houve clara intenção de realizar propaganda eleitoral destinada a distorcer a realidade dos fatos perante o eleitorado.

 

De fato, a desinformação está veiculada não no texto propriamente dito, mas na imagem que apresenta signos visuais: de boneco com cara de espanto ou surpresa e de barras de escalas díspares apresentando percentuais não correspondentes aos valores indicados, levando os eleitores a erro na medida em que se tenta produzir, por intermédio de modos semióticos de escrita e imagem, a reação de inquietação e tormento com os dados apresentados.

A propósito de se tratar da semiótica no exame do caso em tela, a qual também estuda a construção de significado da comunicação, cito os ensinamentos do ilustre autor e filósofo Umberto Eco, segundo o qual, “entre a interpretação do autor (muito difícil de descobrir e frequentemente irrelevante para a interpretação de um texto) e a intenção do intérprete que (para citar Richard Rorty) simplesmente ‘desbasta o texto até chegar a uma forma que sirva a seu propósito’ existe uma terceira possibilidade. Existe a intenção do texto”. (Interpretação e Superinterpretação. "Interpretação e História". São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 29).

Destaco que o art. 9o da Resolução TSE n. 23.610/19 é expresso ao estabelecer que “a utilização, na propaganda eleitoral, de qualquer modalidade de conteúdo, inclusive veiculado por terceiros, pressupõe que o candidato, o partido ou a coligação tenha verificado a presença de elementos que permitam concluir, com razoável segurança, pela fidedignidade da informação, sujeitando-se os responsáveis ao disposto no art. 58 da Lei nº 9.504/1997, sem prejuízo de eventual responsabilidade penal”.

A conduta, entretanto, não atrai a penalidade prevista no art. 30 e § 1º da Resolução TSE n. 23.610/19, que regulamentam o art. 57-D e § 2º da Lei n. 9.504/97, pois tal penalidade é especificamente prevista para a hipótese de anonimato, a qual não se verifica na espécie.

Também não há que se falar em concessão de direito de resposta, o qual sequer consta dos pedidos da petição inicial (ID 8226483), seja porque a representação com pedido de direito de resposta tem rito próprio (art. 58 da Lei n. 9.504/97), que foi observado no feito, seja porque a inicial sequer apresenta o texto da resposta, o qual deve ser submetido a controle judicial desde o ajuizamento da ação.

Daí conclui-se que a pretensão da representante, ora recorrente, não é propriamente responder à inverdade divulgada na imagem impugnada, mas, tão somente, fazer cessar a sua veiculação.

Desse modo, a sentença merece ser parcialmente reformada e o recurso parcialmente provido, devendo ser realizada a remoção do conteúdo ora considerado como irregular, consistente na imagem contendo gráficos e boneco, pela própria candidata representada, no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas da publicação da presente decisão, na forma do art. 38, § 4º, da Resolução TSE n. 23.610/19.

 

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo provimento parcial do recurso, para o fim de considerar caracterizada a veiculação de propaganda irregular, especificamente quanto à imagem contendo gráficos e bonecos retratada na inicial e publicada nos endereços URLs informados nos autos, e condeno a recorrida MÁRCIA SCHERER à obrigação de remover das redes sociais o conteúdo irregular, no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas da intimação da presente decisão, devendo comprovar o cumprimento da ordem de retirada e abster-se de realizar publicação com idêntico conteúdo, nos termos do art. 38, § 4º, da Resolução TSE n. 23.610/19.