MSCiv - 0600350-47.2020.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 27/10/2020 às 14:00

 

VOTO

De início, repiso haver competência da Justiça Eleitoral para o julgamento do presente mandado de segurança. Conforme o Tribunal Superior Eleitoral, eventual colisão de interesses entre ente regional e ente municipal de agremiação partidária há de ser analisada pela Justiça Eleitoral, quando a base fática possa ter “reflexos na competição eleitoral” (v.g. MS n. 0601453-16, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 29.9.2016; AgR-REspe n. 31.913, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 12.11.2008; Ed-AgR-Respe n. 23.913, Rel. Min. Gilmar Mendes, 26.10.2004).

No que diz respeito à viabilidade de impetração contra ato de dirigente partidário, a Lei n. 12.016/09, em seu art. 1º, § 1º, equiparou a autoridades, forma expressa, “[...] os representantes ou órgãos de partidos políticos [...]”, de modo que aqui também o presente remédio constitucional afigura-se cabível, quando hipoteticamente considerado.

Ademais, é admitida a possibilidade de que o representante de órgão partidário seja considerado autoridade coatora. O Tribunal Superior Eleitoral tem entendido que incumbe aos Tribunais Eleitorais, e não ao juízos de primeiro grau, a competência para o julgamento de ato oriundo de órgãos estaduais das agremiações – MS n. 0601038-62, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, j. em 16.9.2018.

Quanto ao mérito propriamente dito, adianto que não vejo motivos para modificar o entendimento, já manifestado monocraticamente e, também, por ocasião do julgamento do agravo interno, perante esta Corte: não há direito líquido e certo a amparar o impetrante. O direito à ampla defesa e ao contraditório, invocados não amparam o impetrante, no caso posto.

Inicialmente, gizo que os partidos políticos possuem autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento (art. 17, § 1º, da CF/88 e art. 7º, caput e § 2º, da Lei 9.096/95), de modo que alegada violação do devido processo legal em atos e decisões internas perpassa, necessariamente, pela análise das respectivas normas estatutárias, pois neles, estatutos, é que constam as “normas de disciplina e fidelidade partidária”.

E o caso dos autos é expressamente regulamentado pelo art. 29, parágrafo único, do Estatuto do PSL:

Art. 29. Nos Municípios onde não houver Diretório constituído ou houver ocorrido sua dissolução, a Comissão Provisória Estadual ou Comissão Executiva Estadual designará uma Comissão Provisória Municipal composta por no mínimo 07 (sete) e no máximo 09 (nove) membros do Município, indicando no ato um presidente, um vice-presidente, um secretário, um primeiro secretário, um tesoureiro, um primeiro tesoureiro e demais membros, denominados de vogais.

Parágrafo Único. As Comissões Provisórias designadas nos termos dos artigos 28 e 29 deste Estatuto terão validade de 180 (cento e oitenta) dias, a contar do protocolo no respectivo Tribunal Regional Eleitoral, podendo ser prorrogadas até o limite máximo de tempo permitido pela legislação eleitoral vigente, e destituídas ou modificadas a qualquer tempo, a critério dos órgãos hierarquicamente superiores. (Grifei.)

 

Repito: o impetrante não logrou apresentar a liquidez e certeza do invocado direito. Ao contrário: o próprio Estatuto prevê que as comissões provisórias podem “ser prorrogadas até o limite máximo de tempo permitido pela legislação eleitoral vigente, e destituídas ou modificadas a qualquer tempo, a critério dos órgãos hierarquicamente superiores”.

Aliás, o preceito estatutário em questão teve sua compatibilidade legal e constitucional recentemente aferida pelo próprio TSE, por ocasião do julgamento da Petição n. 18, da relatoria do Min. Sérgio Silveira Banhos (DJE de 13.8.2020). Note-se os termos em que o e. Superior aferiu a compatibilidade constitucional do art. 29, parágrafo único do Estatuto do PSL:

PETIÇÃO. PARTIDO SOCIAL LIBERAL (PSL). ALTERAÇÕES ESTATUTÁRIAS. ANOTAÇÃO. DEFERIMENTO. HIPÓTESE

1. Trata-se de pedido de anotação das alterações estatutárias aprovadas pelo Diretório Nacional do Partido Social Liberal (PSL), na Convenção Nacional Extraordinária, realizada no dia 1º.10.2019.

2. O pedido foi regularmente instruído e não recebeu impugnações, tendo o Ministério Público Eleitoral se manifestado pela homologação parcial.

3. Entre os pontos questionados pelo Parquet, consta um dispositivo que não foi objeto de deliberação na convenção submetida ao crivo da Justiça Eleitoral, circunstância que não ganha maior relevo na espécie, ante a não oposição da agremiação em submeter o dispositivo à apreciação desta Corte, além do que a matéria é idêntica ao dispositivo modificado, só alterando os órgãos partidários envolvidos. RENOVAÇÃO DE COMISSÕES PROVISÓRIAS

4. O disposto no parágrafo único do art. 29 do estatuto, ao prever a possibilidade de prorrogação de comissões provisórias até o limite máximo do prazo estabelecido na legislação vigente, está de acordo com o mais recente entendimento desta Corte a respeito do tema.

5. Este Tribunal, no julgamento do registro do estatuto do Partido Unidade Popular (UP), nos autos do Registro de Partido Político 0600412-09, de relatoria do Min. Jorge Mussi, DJE de 5.3.2020, ao analisar o limite de prorrogação do prazo de validade de comissão provisória, consignou que o partido deveria adequar seu estatuto aos preceitos do art. 3º, § 3º, da Lei 9.096/95, de modo a possibilitar a vigência dos órgãos provisórios ao prazo de até 8 anos.

6. No referido precedente, foi destacada a impossibilidade de o Tribunal Superior Eleitoral analisar a constitucionalidade do § 3º do art. 3º da Lei 9.096/95, incluído pela Lei 13.831/2019, em sede de processo administrativo, bem como a existência da ADI 6230, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República, que tem por objeto o referido dispositivo, ainda pendente de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal.

PRORROGAÇÃO DE MANDATO DE ÓRGÃO PARTIDÁRIO POR OUTRO ÓRGÃO PARTIDÁRIO

7. Os §§ 2º e 3º do art. 24 do estatuto, ao estabelecerem o prazo de duração dos mandatos dos diretórios do partido (nacional, estadual e municipal) e a possibilidade de prorrogação a critério da comissão executiva (nacional e estadual), estão de acordo com o art. 15, VI, da Lei 9.096/95. Pedido de anotação das alterações estatutárias deferido

 

Portanto, o ato praticado prescinde de prévia consulta e/ou aquiescência da Comissão Provisória a que se endereça, e o impetrante invoca a necessidade da presença de contraditório e ampla defesa em um ato que sequer trata de sanção, ou apenamento. Trata-se de um regime jurídico ao qual ele aderiu livremente, e aqui se encontra o devido processo legal.

Ora, não se olvida que o contraditório e a ampla defesa se tratam de princípios constitucionais, mas não; contudo, repito, a destituição da comissão provisória não se trata de sanção, nos termos do próprio diploma partidário. Não há sequer lógica, portanto, em invocar direitos cuja incidência é cogente quando se trata de procedimento de caráter sancionador, em expediente que não possui tal característica.

Nessa linha é que esta própria Corte decidiu, recentemente e à unanimidade, que “os atos de prorrogação, destituição ou modificação podem se dar a qualquer tempo, a critério dos órgãos hierarquicamente superiores, de modo unilateral e sem que, para a eficácia do ato praticado, seja necessária prévia consulta e/ou aquiescência dos administradores da comissão provisória a que se endereçam”.

Trata-se do processo PET n. 0600336-63, julgado em 19.10.2020, em que presidente de congênere Comissão Provisória Municipal (PSL de Passo Fundo) requereu ao Exmo. Presidente desta Corte a prorrogação de seu funcionamento:

RECURSO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. PARTIDO POLÍTICO. PRORROGAÇÃO DE COMISSÃO PROVISÓRIA MUNICIPAL. INTERFERÊNCIA NO PROCESSO ELEITORAL. MITIGAÇÃO DA AUTONOMIA PARTIDÁRIA. PERSONALIDADE JURÍDICA. COMPETÊNCIA DA COMISSÃO EXECUTIVA ESTADUAL. ESTATUTO PARTIDÁRIO. RESOLUÇÃO TSE N. 23.571/18. QUESTÃO INTERNA CORPORIS. DESPROVIMENTO.

1. Indeferimento de pedido de prorrogação do prazo de vigência de comissão provisória. Ainda que o ora recorrente não possua mais personalidade jurídica, o conhecimento da matéria mostra-se adequado, em prestígio à segurança jurídica, mesmo que em sede de processos administrativos. Ademais, o rol de legitimados para a apresentação de recurso administrativo é nitidamente ampliado, incluindo, por exemplo, “aqueles cujos direitos ou interesses forem indiretamente afetados pela decisão recorrida”, conforme disposto no art. 58, inc. II, da Lei n. 9.784/99.

2. Prerrogativa da comissão executiva estadual de prorrogar a validade de comissão provisória municipal, nos termos do art. 85 do estatuto partidário. Encerramento das atribuições pelo decurso do tempo, inexistindo qualquer irregularidade no ato do órgão estadual.

3. Os atos de prorrogação, destituição ou modificação podem se dar a qualquer tempo, a critério dos órgãos hierarquicamente superiores, de modo unilateral e sem que, para a eficácia do ato praticado, seja necessária prévia consulta e/ou aquiescência dos administradores da comissão provisória a que se endereçam. O desacordo dentro da agremiação configura questão interna corporis resguardada pela autonomia partidária, nos termos do art. 3º da Resolução TSE n. 23.571/18.

4. Provimento negado. (Grifei.)

 

Além disso, trago uma analogia, os cargos de provimento comissionado: (1) O superior hierárquico pode ordenar, ao ocupante de cargo em comissão, a prática de um ato ilegal? Não; (2) pode exonerá-lo a qualquer momento, sem motivação alguma? Sim; (3) seria possível invocar a inobservância de contraditório ou de ampla defesa em uma exoneração de um cargo comissionado? Não.

Ademais: acaso se entendesse pela concessão da segurança, quais seriam os parâmetros? Em que termos seriam estabelecidos o contraditório e a ampla defesa? Em que rito, com que prazos? Os mais de trinta partidos políticos brasileiros deveriam seguir o mesmo rito?

Note-se: acaso algum filiado entenda restar prejudicado, o prejuízo referido está nos planos e ambições políticas, como no caso, de se lançar como candidato a prefeito.

A título de desfecho, e devido à indicação de precedentes do TSE, fundamental traçar distinções que os afastam da condição de paradigmas:

1. no Agravo de Instrumento n. 21862, e 05.4.2018, rel. Min. Admar Gonzaga, há referência clara no sentido de que “não se concedeu à comissão provisória municipal oportunidade para que se defendesse, com observância de procedimento previsto no estatuto partidário”;

2. no Recurso Especial Eleitoral n. 44833, de 24.5.2018, rel. Min. Herman Benjamin, indicou-se expressamente que houve violação das “disposições do estatuto do próprio partido, vez que a medida disciplinar foi adotada sem ser conferida qualquer oportunidade”;

3. no Recurso Especial Eleitoral n. 7090, de 30.11.2017, rel. Min. Luiz Fux, consignou-se ter havido “inobservância das normas estatutárias”, tendo sido igualmente registrado que os estatutos partidários consubstanciam “autênticas normas jurídicas e, como tais, são dotadas de imperatividade e de caráter vinculante”;

4. no Mandado de Segurança n. 060145316, rel. Min. Luiz Fux, j. 27.10.2017, o ente hierarquicamente superior dissolveu, com eficácia retroativa, a comissão provisória inferior (o que não é, aqui, o caso).

 

Assim, não demonstrada a existência de direito líquido e certo, entendo por denegar a segurança.

ANTE O EXPOSTO, VOTO para denegar o mandado de segurança.