REl - 0600238-58.2020.6.21.0039 - Voto Relator(a) - Sessão: 27/10/2020 às 14:00

VOTO

Cumpre verificar a tempestividade do recurso.

A Procuradoria Regional Eleitoral manifesta-se pela intempestividade do recurso, nos seguintes termos:

O prazo para interposição de recurso contra sentença proferida em representação sobre propaganda eleitoral irregular, como é o caso dos autos, é de 24 horas, nos termos do art. 96, § 8º, da Lei 9.504/97.

Desde o dia 26 de setembro, referido prazo é contínuo e peremptório (não se suspendendo aos sábados, domingos e feriados) e tem como termo inicial a data da publicação da sentença no mural eletrônico, tudo na forma dos arts. 7º e 12, caput, da Res. TSE n. 23.608/192 c/c art. 8º, incs. I e IV,da Res. TSE n. 23.624/2020.

No caso, a intimação da sentença deu-se no dia 09-10-2020 (IDs7541583, 7541633 e 7541683) e o recurso somente foi interposto no dia 15-10-2020 (ID 7541783).

Logo, porque não se encontra satisfeito o pressuposto processual da tempestividade, o presente recurso não deve ser conhecido. (grifos no original)

Contudo, entendo pelo conhecimento da irresignação, haja vista a existência de circunstâncias específicas que parecem ter induzido o patrocinador da causa em erro. Explico. 

Por ocasião da interposição, o recorrente anota que “tomou ciência da sentença que ora se combate em 14/10/2020”, informação essa confirmada em consulta aos registros internos do processo, onde também se verifica o prazo de “19.10.2020 23:59:59” como “data limite prevista para ciência ou manifestação”.

Ademais, o procedimento para intimação das partes – mural eletrônico – não foi observado, de forma que, em prestígio da boa-fé, o recurso deve ser considerado tempestivo.

Presentes os demais requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

No mérito, a controvérsia está adstrita à análise da existência de propaganda de cunho alegadamente negativo, veiculada por perfil que utiliza pseudônimo.

Inicialmente, colaciono excerto do relatório do juízo sentenciante:

O candidato ao cargo de Prefeito no Município de Rosário do Sul, sr. Rogério Souto de Azevedo, propôs representação por propaganda irregular em rede social contra o Facebook.

Sinteticamente argumentou que há página de perfil anônimo e falso na rede social Facebook, denominada "Rosário do Sul NÃO pode mais". Que a referida página vem realizando postagens em desfavor do Representante, desabonando suas condutas, ferindo a imagem, a honra e sua dignidade.

O recorrente informou a URL da nominada página que estaria realizando as publicações ofensivas, atendendo ao disposto no art. 17, inc. III e § 2º, da Resolução TSE n. 23.608/19.

Antecipo que o recurso não merece prosperar. A sentença é irretocável.

Isso porque o caso dos autos não é de extrapolação do regular exercício da liberdade de expressão, ainda que sob a utilização de pseudônimo (tema que adiante será tratado).

Trata-se, não há como negar, de crítica à administração do município e a candidatos. Ocorre, contudo, que o TSE tem assentado que críticas, ainda que veementes, são naturais do embate político, cabendo aos competidores eleitorais buscar, no espaço a eles franqueado de forma ordinária, responder às acusações.

As manifestações contrárias a ideologias ou gestões administrativas não constituem, em si mesmas, propaganda eleitoral negativa, incluindo-se no permissivo legal do art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.610/19.

A respeito da liberdade de expressão e do espaço público de debate, José Jairo Gomes leciona:

A liberdade de expressão apresenta uma relevante interface com o Direito Eleitoral.

A livre circulação de ideias, pensamentos, valorações, opiniões e críticas promovida pela liberdade de expressão e comunicação é essencial para a configuração de um espaço público de debate, e, portanto, para a democracia e o Estado Democrático. Sem isso, a verdade sobre os candidatos e partidos políticos pode não vir à luz, prejudicam-se o diálogo e a discussão públicos, refreiam-se as críticas e os pensamentos divergentes, tolhem-se as manifestações de inconformismo e insatisfação, apagam-se, enfim, as vozes dos grupos minoritários e dissonantes do pensamento majoritário.

Depois de lembrar que o direito eleitoral constitui um importante campo de incidência da liberdade de expressão, Aline Osório (2017, p. 129) assinala que

“Durante períodos eleitorais, a importância da liberdade de expressão é amplificada. Partidos e candidatos devem prestar contas de suas ações passadas e expor suas opiniões, propostas e programas futuros. Os meios de comunicação devem funcionar como canais de disseminação de informações, críticas e pontos de vista variados. Os cidadãos precisam de plena liberdade não só para acessarem tais informações, mas para manifestarem livremente as suas próprias ideias, críticas e pontos de vista na arena pública. Nesse processo, é necessário que todas as questões de interesse público – incluindo, é claro, a capacidade e a idoneidade dos candidatos e a qualidade de suas propostas – sejam abertas e intensamente discutidas e questionadas. A efetividade das eleições como mecanismo de seleção de representantes e o próprio funcionamento do regime democrático dependem de um ambiente que permita e favoreça a livre manifestação e circulação de ideias. [...]. Em regimes representativos, o voto e a liberdade de expressão configuram dois importantes instrumentos de legitimação da democracia, permitindo que os interesses e as opiniões dos cidadãos sejam considerados na formação do governo e na atuação dos representantes.

[...]”.

Por outro lado – no âmbito do direito de informação –, os cidadãos têm direito a receber toda e qualquer informação, positiva ou negativa, acerca de fatos e circunstâncias envolvendo os candidatos e partidos políticos que disputam o pleito;

sobretudo acerca de suas histórias, ideias, programas e projetos que defendem. Só assim estarão em condições de formar juízo seguro a respeito deles e definir seus votos de forma consciente e responsável.

É, pois, fundamental que todo cidadão seja informado acerca da vida política do país, dos governantes e dos negócios públicos.

(Direito Eleitoral, 16. ed. – São Paulo: Atlas, 2020, edição eletrônica.)

Destaco, ademais, que a jurisprudência desta Corte Eleitoral firmou-se no sentido de que posicionamentos pessoais, ainda que contundentes, desde que não importem ofensa à honra pessoal, fazem parte do jogo político:

RECURSO. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. ELEIÇÕES 2018. IMPROCEDÊNCIA. PEDIDO LIMINAR PARA REMOÇÃO DO MATERIAL INDEFERIDO. INTERNET. VEICULAÇÃO DE VÍDEO. FACEBOOK. ALEGADO CONTEÚDO INVERÍDICO. CRÍTICAS DIRIGIDAS A FIGURA PÚBLICA. VEDADO CERCEAMENTO. IMPROCEDÊNCIA. DESPROVIMENTO.

Alegada postagem de mensagem na internet com conteúdo tendencioso e inverídico. O pedido liminar de remoção do material da internet foi indeferido com fundamento na garantia do exercício da liberdade de expressão.

Verificada a presença de forte crítica política com relação a atuação do candidato como chefe do poder executivo, no período de 2009 até 2016, em relação a obras realizadas no hospital municipal. Não evidenciada agressão à honra pessoal do candidato ou da agremiação. Críticas dirigidas a postura de homem público, exposto à análise do eleitor, o que não pode ser objeto de cerceamento, sob pena de violação ao princípio democrático.

Esta corte assentou entendimento de que o exercício da liberdade de expressão é especialmente amplificado no período eleitoral, uma vez que a discussão sobre a capacidade e idoneidade dos candidatos é de interesse público, sendo necessária ao debate eleitoral, prevalecendo o disposto no art. 33 da Resolução TSE n. 23.551/17, que impõe a atuação da Justiça Eleitoral com a menor interferência possível no debate democrático.

Desprovimento.

(Rp n. 0601991-41.2018.6.21.0000. Rel. Des. El. Aux. Jorge Alberto Schreiner Pestana. Julgado em 04.10.2018, unânime.)

A título de desfecho, gizo que a questão do alegado anonimato foi devidamente tratada pela sentença – pois a página, na verdade, utiliza um pseudônimo ao veicular manifestações –, de forma que a “ausência de identificação imediata do usuário responsável não constitui circunstância suficiente para a quebra de sigilo de dados, conforme o art. 40, §2º, da Resolução n. 23.610/19”.

Ademais, não seria suficiente a alegação de que o material é anônimo para promover sua remoção; é preciso identificar a frase ou o trecho que caracterize a ofensa – ônus do qual o recorrente não se desincumbiu – para promover a suspensão da mesma, resguardando-se, ao máximo possível, o pensamento livremente expressado.

Por fim, examinando a alegação da existência de vídeo alterado, verifiquei que a peça em questão é uma montagem curta e satírica de trechos de falas do recorrente, a qual, em hipótese alguma, poderia caracterizar distorção de fatos ou mesmo induzir eleitor em erro, de forma que também não transborda os limites da crítica.

E, como a aferição do fato concreto é indispensável, no caso posto, ante a ausência de prática desobediente às normas de regência, não há fundamento para a quebra de dados, providência que seria indicada apenas para atribuir responsabilidade a praticante de ato ilícito, o que não se verifica.

Ante o exposto, VOTO pelo DESPROVIMENTO ao recurso e para manter a sentença pelos seus próprios fundamentos.