REl - 0600241-44.2020.6.21.0061 - Voto Relator(a) - Sessão: 27/10/2020 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Inicialmente, a parte recorrida suscita a preliminar de inépcia da petição inicial, uma vez que não houve a identificação do endereçamento eletrônico na internet dos conteúdos cuja remoção é pretendida.

Nesse tocante, como cediço, para remoção de conteúdo na internet é imprescindível a indicação clara, específica e correta do conteúdo apontado como infringente, sob pena de nulidade da ordem judicial que determina a remoção da matéria.

Nessa medida, a Resolução TSE n. 23.608/19, em seu art. 17, inc. III, dispõe que a petição inicial da representação relativa à propaganda eleitoral em ambiente da internet deve ser instruída, sob pena de não conhecimento, com "a identificação do endereço da postagem (URL ou, caso inexistente esta, URI ou URN) e a prova de que a pessoa indicada para figurar como representado é o seu autor".

Confira-se o inteiro teor da aludida norma:

Art. 17. A petição inicial da representação relativa à propaganda irregular será instruída, sob pena de não conhecimento:

(...)

III - no caso de manifestação em ambiente de internet, com a identificação do endereço da postagem (URL ou, caso inexistente esta, URI ou URN) e a prova de que a pessoa indicada para figurar como representado é o seu autor.

 

Na mesma senda, o art. 38, § 4º, da Resolução TSE n. 23.610/19 dispõe que a decisão judicial no tocante à propaganda irregular na internet não prescinde da indicação da URL específica do conteúdo que se pretende remover, verbis:

Art. 38.

(...)

§4º. A ordem judicial que determinar a remoção de conteúdo divulgado na internet fixará prazo razoável para o cumprimento, não inferior a 24 (vinte e quatro) horas, e deverá conter, sob pena de nulidade, a URL e, caso inexistente esta, a URI ou a URN do conteúdo específico, observados, nos termos do art. 19 da Lei nº 12.965/2014, o âmbito e os limites técnicos de cada provedor de aplicação de internet.

 

Portanto, compete à parte que provocar a atuação da Justiça Eleitoral indicar, de forma clara, precisa e individualizada, o conteúdo questionado, sob pena de não conhecimento da petição inicial, sendo nula a decisão que determinar a remoção de publicações sem a indicação da URL específica, pois impossível o cumprimento da ordem, consoante o art. 17, inc. III, da Resolução TSE n. 23.608/19, art. 38, § 4º, da Resolução TSE n. 23.610/19 e art. 19, § 1º, da Lei n. 12.965/14 (Marco Civil da Internet).

No presente caso, por se tratar de aplicativo do Whatsapp, faz-se necessária a indicação do código hash da mensagem impugnada, ou seja, uma série numérica que funciona como identidade digital, assim como a URL nas redes sociais na internet, que permitiria o rastreamento da origem do material, mesmo após vários compartilhamentos.

Entretanto, a petição inicial menciona apenas o nome do grupo na qual é compartilhada (“Bolsonaro Farroupilha”) e a imagem da referida mensagem (ID 7426133), o que é nitidamente insuficiente para que se localize e remova a divulgação.

Os códigos identificadores somente vieram aos autos por ocasião da interposição recursal, sob a justificativa de que o recorrente “não teria como realizar a contratação de uma empresa de informática ou de um profissional da área digital para fazer esse tipo de avaliação e obter o referido número de identificação, necessário para impedir o compartilhamento das imagens, sem que houvessem gastos. Por esse motivo é que a prova não foi juntada em momento anterior”.

A alegação não autoriza o conhecimento inaugural de suposto endereçamento das mensagens nesta instância, posto que a celeridade ínsita às representações eleitorais exige que a petição inicial seja instruída, desde logo, com provas, indícios e circunstâncias.

Sobre o ponto, colho a lição de José Jairo Gomes (Direito Eleitoral. Editora Atlas: São Paulo, 2018, p. 490):

Ante a celeridade do rito, é imprescindível que a prova do fato alegado acompanhe a inicial, devendo, nesse sentido, ser documentada ou préconstituída. No entanto, sendo isso impossível, cumpre ao autor indicá-la para posterior produção em juízo. (...). Mas a produção ulterior abrange apenas as provas que não poderiam ter sido desde logo apresentadas com a exordial.

 

Dessa feita, verifica-se que, no tocante à obrigação de fazer relativa à remoção da publicação, a petição inicial é inepta, na dicção do art. 17, inc. III, da Resolução TSE n. 23.608/19, vez que, no particular, há falta de pressuposto essencial a possibilitar a prestação jurisdicional e o regular desenvolvimento do processo (art. 485, inc. IV, CPC).

Todavia, ainda que não tenha o juízo monocrático indeferido, entendo possível a aplicação do entendimento deste Egrégio Tribunal, principiado no julgamento do RE n. 0600018-59.2020.6.21.0007, de relatoria do ilustre Des. Eleitoral Miguel Antônio Silveira Ramos, sessão de 03.9.2020, de que a questão alusiva à especificação do endereçamento eletrônico pode ser analisada com o mérito da demanda, quando, no cotejo das demais provas acostadas aos autos, for possível essa apreciação.

Nesse passo, afastada a matéria preliminar, verifica-se que, em relação ao mérito, quanto ao alcance da postagem, o representante apenas alegou que está havendo divulgação em massa entre usuários do Whatsapp e trouxe um print de tela da postagem no grupo "Bolsonaro Farroupilha", sem, ao menos, informar quantas pessoas participam desse grupo.

Assim, a afirmação de divulgação em massa não se comprova com apenas a juntada do print da postagem em um grupo de Whatsapp, cujo número de integrantes, inclusive, é ignorado.

Ressalto que a prova suficiente e robusta da chamada "viralização", ou seja, da difusão massiva da imagem entre uma grande diversidade de usuários e grupos, seria essencial à pretensão do ora recorrente, do que não se desincumbiu a contento.

Logo, no quadro probatório evidenciado nos autos, tem-se que as postagens foram veiculadas em grupo restrito e privado na rede social Whatsapp, o qual o TSE entende tratar-se de ambiente de conversas particulares, sem cunho de conhecimento geral das manifestações, insuscetível de constituir-se em palco de propaganda eleitoral.

Nesse sentido, colaciono paradigmático julgado da Corte Superior:

ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL EXTEMPORÂNEA. PROCEDÊNCIA PARCIAL NA ORIGEM. CONDENAÇÃO EM MULTA NO MÍNIMO LEGAL. VEICULAÇÃO DE MENSAGENS NO APLICATIVO WHATSAPP CONTENDO PEDIDO DE VOTOS. AMBIENTE RESTRITO. CONVERSA CIRCUNSCRITA AOS USUÁRIOS DO GRUPO. IGUALDADE DE OPORTUNIDADE ENTRE OS CANDIDATOS E LIBERDADE DE EXPRESSÃO. CONFLITO ENTRE BENS JURÍDICOS. "VIRALIZAÇÃO". FRAGILIDADE DA TESE. AUSÊNCIA DE DADOS CONCRETOS. POSIÇÃO PREFERENCIAL DA LIBERDADE COMUNICATIVA OU DE EXPRESSÃO E OPINIÃO. PROVIMENTO. Histórico da demanda 1. O Tribunal Regional Eleitoral de Sergipe (TRE/SE) entendeu configurada a propaganda eleitoral extemporânea, incontroverso o pedido explícito de voto "em data anterior ao dia 15 de agosto de 2016", quando a recorrente, "em diálogo travado no grupo de Whatsapp 'Na Boca do Povo', expressou, por mais de uma vez, o pedido de voto em favor do pré-candidato Danilo Alves de Carvalho", filho do seu ex-marido, nos seguintes termos: "Nena vote em Danilo" e "vote em consideração ao velho". 2. Interposto recurso especial eleitoral por Dayana Rodrigues Moreira dos Santos, aparelhado na afronta aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, aos arts. 5º, IV, da Constituição Federal; 36-A, V, da Lei nº 9.504/1997; e 21, §§ 1º e 2º, da Res.-TSE nº 23.457/2015, coligidos arestos a amparar o dissenso pretoriano. Do recurso especial eleitoral 3. Existe na espécie certo conflito entre bens jurídicos tutelados pelo ordenamento jurídico de um lado, a igualdade de oportunidade entre os candidatos e, de outro, a liberdade de expressão e opinião do cidadão eleitor (liberdade comunicativa), de modo que a atividade hermenêutica exige, por meio da ponderação de valores, o reconhecimento de normas carregadas

com maior peso abstrato, a ensejar, por consequência, a assunção por uma delas, de posição preferencial, como é o caso da liberdade de expressão. 4. Dada a sua relevância para a democracia e o pluralismo político, a liberdade de expressão assume uma espécie de posição preferencial (preferred position) quando da resolução de conflitos com outros princípios constitucionais e direitos fundamentais. 5. Quando o enfoque é o cidadão eleitor, como protagonista do processo eleitoral e verdadeiro detentor do poder democrático, não devem ser, a princípio, impostas limitações senão aquelas referentes à honra dos demais eleitores, dos próprios candidatos, dos Partidos Políticos e as relativas à veracidade das informações divulgadas (REspe n 29-49, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJe de 25.8.2014). 6. As mensagens enviadas por meio do aplicativo Whatsapp não são abertas a público, a exemplo de redes sociais como o Facebook e o Instagram. A comunicação é de natureza privada e fica restrita aos interlocutores ou a um grupo limitado de pessoas, como ocorreu na hipótese dos autos, o que justifica, à luz da proporcionalidade em sentido estrito, a prevalência da liberdade comunicativa ou de expressão. 7. Considerada a posição preferencial da liberdade de expressão no Estado democrático brasileiro, não caracterizada a propaganda eleitoral extemporânea porquanto o pedido de votos realizado pela recorrente em ambiente restrito do aplicativo Whatsapp não objetivou o público em geral, a acaso macular a igualdade de oportunidade entre os candidatos, mas apenas os integrantes daquele grupo, enquanto conversa circunscrita aos seus usuários, alcançada, nesta medida, pelo exercício legítimo da liberdade de expressão. 8. Consignada pelo Tribunal de origem a possibilidade em abstrato de eventual "viralização" instantânea das mensagens veiculadas pela recorrente, ausente, contudo, informações concretas, com sólido embasamento probatório, resultando fragilizada a afirmação, que não pode se amparar em conjecturas e presunções. (...).

(TSE - Recurso Especial Eleitoral n. 13351 -ITABAIANINHA – SE - Acórdão de 07.5.2019 – Rel. Min. Rosa Weber - DJe de 15.8.2019, pp. 51-52.)

 

Este Tribunal Regional, por seu turno, no âmbito do Whatsapp, teve a oportunidade de pronunciar-se em idêntico sentido, consoante ilustram os seguintes julgados:

RECURSO. REPRESENTAÇÃO. DIVULGAÇÃO DE PESQUISA ELEITORAL IRREGULAR. ART. 33, § 3º, DA LEI N. 9.504/97. REDES SOCIAIS. FACEBOOK. WHATSAPP. IMPROCEDÊNCIA. ELEIÇÕES 2016. AUSÊNCIA DE CRITÉRIOS TÉCNICOS. MANIFESTAÇÃO DE APOIO A CANDIDATOS. DESPROVIMENTO.

(...).

3. Encaminhamento de mensagem a grupo restrito de WhatsApp, onde são apresentados nomes de candidatos à majoritária com a respectiva percentagem de votos e de candidatos à proporcional que seriam eleitos. Tratamento a ser dispensado como semelhante à hipótese de utilização da rede social Twitter. Entendimento do TSE no sentido de tratar-se de ambiente de conversas particulares, sem cunho de conhecimento geral das manifestações, insuscetível de constituir-se em palco de propaganda eleitoral e causar ofensa ao bem jurídico tutelado, ex vi do art. 33 da Lei n. 9.504/97.

4. Não havendo elementos mínimos para a caracterização de divulgação como verdadeiras pesquisas eleitorais, incabível a imposição da multa prevista no normativo de regência. Ademais, diante da simplicidade das publicações impugnadas, o sancionamento, ainda que no mínimo legal, resultaria em malferimento ao princípio da proporcionalidade, tomado no sentido de vedar a punição excessiva, a qual extrapola o intento repressivo da norma.

Provimento negado.

(Recurso Eleitoral n. 47382, ACÓRDÃO de 03.10.2018, Relatora MARILENE BONZANINI, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 182, Data: 05.10.2018, p. 6.)

 

Recurso. Representação por propaganda eleitoral antecipada no aplicativo "WhatsApp". Art. 36-A, da Lei n. 9.504/97. Eleições 2016.

Veiculação de conteúdo eleitoral em "Grupos de WhatsApp". A existência de pedido de voto nas manifestações, em período vedado pela legislação, em mensagens que circularam apenas entre os participantes do grupo, inviabiliza a propagação de seu conteúdo ao público externo.

O Tribunal Superior Eleitoral, em situação análoga, envolvendo o uso da rede social "Twitter", já assentou que inexiste propaganda eleitoral em ambiente sem cunho de conhecimento geral das manifestações nele divulgadas.

Manifestação de caráter eleitoral, em ambiente virtual hermético, sem o condão de caracterizar propaganda eleitoral extemporânea.

Manutenção da sentença de improcedência.

Provimento negado.

(Recurso Eleitoral n. 2810, ACÓRDÃO de 1º.9.2016, Relator DES. CARLOS CINI MARCHIONATTI, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data: 1º.9.2016.)

 

O posicionamento restou confirmado para as eleições de 2020 na Resolução TSE n. 23.610/19, que, em seu art. 33, § 2º, assim dispõe sobre a matéria em apreço:

Art. 33. (...).

(…)

§2º As mensagens eletrônicas e as mensagens instantâneas enviadas consensualmente por pessoa natural, de forma privada ou em grupos restritos de participantes, não se submetem a caput deste artigo e às normas sobre propaganda eleitoral previstas nesta Resolução (Lei n. 9.504/1997, art. 57-J).

 

Desse forma, na linha do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, entendo que não há elementos suficientes para configuração da mensagem como propaganda eleitoral negativa, representando, na linha da jurisprudência do TSE, mero exercício da liberdade de expressão e de opinião em grupo privado de amigos e simpatizantes, que é insuficiente para merecer reprimenda desta Justiça Especializada.

 

Ante o exposto, VOTO pela rejeição da preliminar e, no mérito, pelo desprovimento do recurso, a fim de confirmar a sentença que julgou improcedente a representação.