REl - 0600244-87.2020.6.21.0064 - Voto Relator(a) - Sessão: 23/10/2020 às 14:00

VOTO

Admissibilidade Recursal

O ato de comunicação da sentença foi disponibilizado no Processo Judicial Eletrônico (PJe) no dia 12.10.2020 (ID 7376583), tendo a candidata interposto o recurso no dia 13.10.2020 (ID 7376783).

Como o recurso é tempestivo, uma vez observado o prazo recursal de 3 (três) dias definido no art. 58, § 2º, da Resolução TSE n. 23.609/19, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, dele conheço.

Matéria Preliminar: Nulidade Processual por Inobservância do Procedimento previsto nos arts. 36, § 2º, e 50, parágrafo único, da Resolução TSE n. 23.609/19

A CANDIDATA aduziu, preliminarmente, a nulidade do processo por não lhe ter sido oportunizada manifestação, em momento anterior à sentença, acerca da causa de inelegibilidade do art. 1º, inc. II, al. “d”, da LC n. 64/90, que embasou o indeferimento do pedido de registro da sua candidatura, em contrariedade ao que determinam os arts. 36, § 2º, e 50, parágrafo único, da Resolução TSE n. 23.609/19, os quais possuem a seguinte redação:

Art. 36 (...)

§ 2º Se o juiz ou relator constatar a existência de impedimento à candidatura que não tenha sido objeto de impugnação ou notícia de inelegibilidade, deverá determinar a intimação do interessado para que se manifeste no prazo de 3 dias.

(...)

Art. 50

Parágrafo único. Ainda que não tenha havido impugnação, o pedido de registro deve ser indeferido quando constatado pelo juiz ou relator a existência de impedimento à candidatura, desde que assegurada a oportunidade de manifestação prévia, nos termos do art. 36.

Todavia, não lhe assiste razão.

Ao analisar os autos, verifiquei que, após a juntada da Informação ID 7375983 pela serventia cartorária, na qual constou que a RECORRENTE havia ocupado cargo integrante dos quadros da administração pública nos últimos 6 (seis) meses, o juiz de primeiro grau determinou a sua intimação para que, em 3 (três) dias, juntasse a lei municipal contendo a descrição das atribuições do cargo de assessor jurídico por ela desempenhado junto à Prefeitura de Rodeio Bonito, para verificar o cumprimento do prazo de desincompatibilização aplicável à espécie, sob pena de indeferimento do pedido de registro (ID 7376283).

O magistrado a quo, ao proferir o despacho em tela, referiu que a juntada do documento solicitado serviria à análise do prazo mínimo de desincompatibilização exigível, sinalizando, expressamente, a matéria controvertida sobre a qual a CANDIDATA deveria se manifestar, de modo que entendo ter sido respeitado o procedimento descrito nos aludidos dispositivos da Resolução TSE n. 23.609/19.

Ademais, ainda que se adotasse entendimento diverso, tenho que a decretação da nulidade não seria cabível no presente caso, uma vez que, no concernente ao mérito, a pretensão recursal merece ser acolhida, devendo, assim, ser privilegiados os princípios da prevalência do julgamento de mérito e da instrumentalidade das formas, com esteio no art. 282, § 2º, do Diploma Processual Civil, aliados à necessidade de se conferir maior celeridade aos feitos que tramitam perante esta Especializada durante o período eleitoral.

Rejeitada a prefacial arguida, prossigo na apreciação do mérito recursal.

Mérito

GRAZIELA SZADKOSKI interpôs recurso (ID 7376783) contra a sentença prolatada pelo Juízo da 64ª Zona Eleitoral de Rodeio Bonito (ID 7376533), que indeferiu o pedido de registro da sua candidatura (RRC) para disputar o cargo de vereador pelo PROGRESSISTAS (PP) no citado município no pleito de 2020, sob o fundamento de ter incorrido na causa de inelegibilidade descrita no art. 1º, inc. II, al. “d”, da LC n. 64/90, por não ter se desincompatibilizado, no prazo de 6 (seis meses) anteriores ao pleito, do cargo em comissão de assessor jurídico da prefeitura, ao qual são atribuídas funções relacionadas à representação, em qualquer instância judicial, do ente púbico, inclusive em ações de execução fiscal, destinadas à cobrança da dívida ativa.

O art. 1º, inc. II, al. “d”, da LC n. 64/90, norma que estabelece prazo de desincompatibilização que deve ser observado na disputa ao cargo de vereador, por força do inc. VII, al. “b”, c/c o inc. IV, al. “a”, do mesmo dispositivo legal, tem a seguinte redação:

Art. 1º São inelegíveis:

(...)

II - para Presidente e Vice-Presidente da República:

(...)

d) os que, até 6 (seis) meses antes da eleição, tiverem competência ou interesse, direta, indireta ou eventual, no lançamento, arrecadação ou fiscalização de impostos, taxas e contribuições de caráter obrigatório, inclusive parafiscais, ou para aplicar multas relacionadas com essas atividades;

(...).

A interpretação do citado comando normativo pode ensejar debate, especialmente no que respeita à delimitação da competência ou do interesse indireto ou eventual no lançamento, arrecadação ou fiscalização de tributos inseridos na esfera de competência tributária e fiscal do ente público ao qual se vincula a circunscrição do pleito, conferindo certa margem de discricionariedade ao órgão julgador, a qual, a meu ver, deve se aproximar ao máximo dos fins buscados pelo ordenamento jurídico enquanto um todo sistêmico.

Nesse sentido, a doutrina leciona que, sempre que o órgão julgador se deparar com situações de potencial restrição ao ius honorum, como as verificadas em processos de registro de candidatura, deve prestigiar a interpretação que potencialize a liberdade fundamental política de ser votado, e não o inverso, na esteira da dogmática própria da teoria dos direitos fundamentais, que tem como princípio basilar assegurar a sua máxima efetividade ou fruição pelos seus titulares (FUX, Luiz; FRAZÃO, Carlos Eduardo. Novos Paradigmas do Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2016, p. 229).

O Tribunal Superior Eleitoral, atento à obrigatoriedade de transposição dessa premissa à seara eleitoral, tem reiterado, no julgamento de casos análogos, que “causas de inelegibilidade devem ser interpretadas restritivamente, evitando-se a criação de restrição de direitos políticos sobre fundamentos frágeis, inseguros e indeterminados” (REspe n. 531807, Relator Ministro GILMAR MENDES, DJE de 03.6.2015, p. 18; REsp n. 21321, Relator Ministro LUIZ FUX, DJE de 05.6.2017), “vedada a interpretação extensiva” (REspe n. 33.109, Relator Ministro MARCELO RIBEIRO, publicado na sessão de 2.12.2008).

No tocante às normas de desincompatibilização, esses primados interpretativos ganham maior relevo, na medida em que os seus conteúdos restritivos se justificam, em última análise, para impedir que os candidatos vinculados à administração pública utilizem as prerrogativas e a projeção social intrínsecas aos seus cargos para influenciar, de maneira espúria, a liberdade de consciência do eleitor no processo de formação da sua vontade política, em detrimento do princípio da isonomia entre os candidatos, levando ao desiquilíbrio das forças em disputa e ao comprometimento da legitimidade e da higidez das eleições.

O Tribunal Superior Eleitoral, por sua vez, ao interpretar a norma vertida no art. 1º, inc. II, al. “d”, da LC n. 64/90, no contexto das eleições de 2016, restringiu o seu alcance aos servidores públicos ocupantes de cargos com atribuições equivalentes às de fiscal de tributos e contribuições parafiscais, como se depreende das ementas dos seguintes arestos:

RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. VEREADOR. REGISTRO DE CANDIDATURA. ART. 1º, II, D, DA LC 64/90. DESINCOMPATIBILIZAÇÃO. SERVIDOR PÚBLICO. FISCAL DE POSTURAS. JURISPRUDÊNCIA. INCIDÊNCIA. EXCLUSIVIDADE. AGENTES DE TRIBUTOS. RESSALVA. POSIÇÃO. PROVIMENTO.

1. Autos recebidos no gabinete em 21.2.2017. HISTÓRICO DA DEMANDA.

2. Trata-se de pedido de registro de candidatura de Ivan Mateus Pereira ao cargo de vereador de Ponto Belo/ES, impugnado pela Coligação Ponto Belo no Caminho Certo.

3. Apontou-se incidência da causa de inelegibilidade do art. 1º, II, d, da LC 64/90, por falta de desincompatibilização das funções de fiscal de posturas do Município no prazo de seis meses antes do pleito.

4. O TRE/ES, reformando sentença, indeferiu o registro. Consignou que o candidato, dentre outras atribuições, emite autos de infração, o que ensejou recurso especial. INELEGIBILIDADE DO ART. 1º, II, D, DA LC 64/90.

5. A teor do art. 1º, II, d, da LC 64/90, são inelegíveis, para os cargos de prefeito e vereador, os candidatos que "até 6 (seis) meses antes da eleição tiverem competência ou interesse, direta, indireta ou eventual, no lançamento, arrecadação ou fiscalização de impostos, taxas e contribuições de caráter obrigatório, inclusive parafiscais, ou para aplicar multas relacionadas com essas atividades".

6. Para as Eleições 2016, o Tribunal Superior Eleitoral assentou que a hipótese de desincompatibilização em comento "refere-se expressamente ao universo tributário e parafiscal, sendo seus destinatários somente os agentes fiscais de tributos" (REspe n. 235-98/TO, redator designado Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, sessão de 13.12.2016).

7. Ressalva de posição deste Relator, pois o art. 1º, II, d, da LC 64/90 é claro ao dispor que o afastamento incide perante quem tiver "competência ou interesse, direta, indireta ou eventual, no lançamento, arrecadação ou fiscalização de impostos, taxas e contribuições de caráter obrigatório, inclusive parafiscais, ou para aplicar multas relacionadas com essas atividades".HIPÓTESE DOS AUTOS.

8. O recorrente é fiscal de posturas do Município de Ponto Belo/ES e afastou-se de suas funções em 2.7.2016, ou seja, faltando apenas três meses para a eleição.

9. O TRE/ES reportou-se a artigo da Lei Municipal 240/2007, que dispõe competir ao fiscal de posturas "registrar quaisquer irregularidades verificadas nas áreas de fiscalização do Município, [...] notificando e emitindo autos de infração aos responsáveis" (fl. 149).

10. Também de acordo com a Corte a quo, "o pré-candidato exerce funções de fiscalização e atribuições para lançamento e arrecadação de tributos, uma vez que, embora exerça o cargo de fiscal de postura e não de fiscal de tributos, possui atribuições para emitir autos de infração" (fl. 149).

11. Apesar de entender que essas atribuições relacionam-se - ainda que de modo indireto ou eventual - a lançamento, fiscalização ou arrecadação de impostos, taxas e contribuições de caráter obrigatório, o candidato não exerce cargo específico de agente de tributos, cabendo aplicar a jurisprudência firmada para o pleito de 2016, ressalvado meu posicionamento acerca da matéria.

CONCLUSÃO 12. Recurso especial provido para deferir registro de candidatura de Ivan Mateus Pereira ao cargo de vereador de Ponto Belo/ES nas Eleições 2016.

(Recurso Especial Eleitoral n. 12667, Relator(a) MIN. HERMAN BENJAMIN, DJE de 0.08.2017). (Grifei.)

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATURA AO CARGO DE PREFEITO. DEFERIMENTO NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. VICE-PRESIDENTE DA APAS. DESINCOMPATIBILIZAÇÃO. INELEGIBILIDADE DAS ALÍNEAS "D" E "I" DO INCISO

II DO ART. 1° DA LC 64/90. COMPETÊNCIA PARA LANÇAMENTO, ARRECADAÇÃO OU FISCALIZAÇÃO DE IMPOSTOS, TAXAS E CONTRIBUIÇÕES DE CARÁTER OBRIGATÓRIO. INEXISTÊNCIA. CONTRATO DE EXECUÇÃO DE OBRAS E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. NÃO CONFIGURAÇÃO. AUSÊNCIA DE ARGUMENTOS

HÁBEIS PARA MODIFICAR A DECISÃO AGRAVADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. Há significativa diferença entre a decisão que peca pela inexistência de alicerces jurídicos e aquela que traz resultado desfavorável à pretensão do litigante. Inexistência de afronta ao art. 275, incisos I e II do CE e aos arts. 1.022, incisos I e II e parágrafo único, inciso II, e 489, § 1°, incisos II, III e IV do CPC/2015.

2. O Juiz é o condutor do processo, incumbindo-lhe determinar, inclusive de ofício, a produção das provas necessárias ao deslinde da controvérsia, mas também afastar as diligências inúteis ou meramente protelatórias. Inteligência do art. 370 do CPC/2015.

3. Agravo Regimental e Recurso Especial que asseveram que o candidato recorrido, ocupante da função de Vice-Presidente de associação que tutela os interesses de supermercados do Estado de São Paulo, não teria se desincompatibilizado no prazo das alíneas "d" e "i" do inciso II do art. 1° da LC 64/90.

4. Deve-se atribuir significado razoável à norma disciplinadora dos prazos de desincompatibilização de cargos, empregos ou funções públicas, de tal sorte que as oportunidades de concorrência democrática às eleições sejam ampliadas, e não restringidas. No caso em exame, a alínea "d" do inciso II do art. 1° da LC 64/90 refere-se expressamente ao universo tributário e parafiscal, sendo seus destinatários somente os agentes fiscais de tributos, vedando-se interpretações ampliativas que tenham o propósito de limitar o direito de acesso à elegibilidade. Nesse sentido: REspe 235-98/TO, Rel. Min. ANTONIO HERMAN DE VASCONCELLOS E BENJAMIN, Redator para o acórdão Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, publicado na sessão de 13.12.2016.

5. No tocante à causa de inelegibilidade prevista na alínea "i" do inciso II do art. 1° da LC 64/90, este Tribunal Superior já decidiu pela inviabilidade de se concluir de forma diversa quando o Tribunal Regional firmou não estar comprovada a manutenção de contrato de execução de obras, de prestação de serviços ou de fornecimento de bens entre a pessoa jurídica de que o candidato é Diretor ou Administrador e o Poder Público. Nesse sentido: REspe 21.837/SP, Rel. Min. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, publicado na sessão de 19.8.2004.

6. Agravo Regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 3362, Relator Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJE de 29.3.2017, pp. 12-13.) (Grifei.)

 

ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. VEREADOR. ALEGADA INELEGIBILIDADE, POR NÃO. DESINCOMPATIBILIZAÇÃO DE SERVIDOR PÚBLICO. ART. 1o, INCISO II, ALÍNEA D DA LC 64/90. CARGO DE FISCAL DE ATIVIDADE AGROPECUÁRIA.

AFASTAMENTO PELO PRAZO DE 3 MESES ANTES DO PLEITO. RESPEITO À DIRETRIZ RESTRITIVA DA NORMA. DESCABIMENTO DE EXPANSÃO DAS SUAS HIPÓTESES. INELEGIBILIDADE QUE MERECE SER AFASTADA. DESPROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL PARA MANTER O DEFERIMENTO DO REGISTRO DE

CANDIDATURA.

1. O candidato que exerce atividade relacionada à fiscalização agropecuária não se enquadra nas funções descritas na alínea d do inciso II do art. 1o da LC 64/90, sendo inexigível, por conseguinte, a sua desincompatibilização no prazo de 6 meses antes do pleito, e sim no prazo de 3 meses, a teor da alínea l do referido dispositivo legal. Cumpre que a interpretação de regra que restringe direito ou garantia observe fielmente o seu objetivo, evitando-se a extensão de proibições que não decorram direta e imediatamente do seu texto: a regra que excepciona direito ou garantia há de ser prévia, clara, escrita e estrita.

2. Deve-se atribuir significado razoável à norma disciplinadora dos prazos de desincompatibilização de cargos, empregos ou funções públicas, de tal sorte que as oportunidades de concorrência democrática às eleições sejam ampliadas, e não restringidas. No caso em exame, a regra legal que disciplina o aludido refere-se expressamente ao universo tributário e parafiscal, sendo seus destinatários somente os agentes fiscais de tributos, e não o fiscal agropecuário, vedando-se interpretações ampliativas que tenham o propósito de limitar o direito de acesso à elegibilidade.

3. Recurso Especial desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 23598, Relator(a) Min. HERMAN BENJAMIN, Publicado em Sessão, Data: 13.12.2016). (Grifei.)

Como consolidado pelo Tribunal Superior Eleitoral, a norma do art. 1º, inc. II, al. “d”, da LC n. 64/90, que prevê o prazo de desincompatibilização de 6 (seis) meses, mais alongado do que o de 3 (meses) imposto aos servidores públicos em geral (al. “l” do mesmo artigo), deve abranger os servidores públicos ocupantes de cargos com atribuições equivalentes às de agente fiscal de tributos e de contribuições parafiscais, os quais, efetivamente, realizam, de forma direta, indireta ou eventual, as atividades administrativas de lançamento, arrecadação e fiscalização tributária, aplicando, quando cabível, a penalidade de multa estritamente decorrente dessas atividades, que são, aliás, plenamente vinculadas e requerem investidura em cargo específico com tais atribuições, ou delegação válida no âmbito interno do ente federado.

Seguindo essa abordagem, a norma não pode ser interpretada ampliativamente para alcançar cargos públicos aos quais se atribua o exercício do contencioso judicial, ainda que guarde alguma relação com as atividades de lançamento, arrecadação ou fiscalização tributárias, como se verifica quanto ao ajuizamento de execuções fiscais, porque essa diretriz interpretativa descuidaria do escopo do legislador de evitar o uso das prerrogativas inerentes ao cargo público junto aos cidadãos, no seu relacionamento cotidiano e direto com os órgãos da administração pública, com o objetivo de obter vantagem eleitoral ilícita em benefício do seu ocupante ou de terceiros envolvidos na disputa eleitoral.

Diversamente, o exercício de deveres funcionais atrelados à representação judicial do ente público em processos de natureza tributária ou fiscal não ocorre de foram direta entre os cidadãos e o servidor público investido em cargo com tais atribuições, com a possibilidade de abertura de espaço a negociações travadas em desvio da finalidade pública no âmbito administrativo, mas com a interveniência do Poder Judiciário, cuja atividade é orientada pelos princípios da legalidade, da preservação do interesse público e da independência e liberdade funcional de seus membros, caracterizando um contexto fático substancialmente distinto daquele idealizado pelo legislador eleitoral ao definir prazo maior de desincompatibilização no art. 1º, inc. II, al. “d”, da LC n. 64/90.

Na hipótese, conforme descrito na Lei Municipal n. 3.316/12, que dispôs sobre o quadro de cargos e funções públicas e estabeleceu o plano de carreira para os servidores públicos municipais (ID 7376433, fl. 39), as atribuições do cargo em comissão de assessor jurídico, exercido pela RECORRENTE, no pertinente à matéria ora controvertida, abrangem, tão somente, a representação do Município de Rodeio Bonito em todas as instâncias judiciais, nos feitos em que figurar como parte ou terceiro interessado, incluindo os processos de cobrança judicial da dívida ativa municipal.

Inexiste menção, sequer implícita, a funções assemelhadas àquelas tipicamente realizadas por agentes de tributos ou contribuições fiscais, quanto ao lançamento, à arrecadação ou à fiscalização tributária, tampouco à intermediação de acordos extrajudiciais firmados com os contribuintes para a quitação de dívidas tributárias, ou à imposição de penalidade de multa pelo inadimplemento de obrigações dessa natureza, atividades reservadas ao Diretor de Departamento Tributário, como demonstra o Termo de Opção, Parcelamento, Confissão e Novação de Débitos Fiscais firmado entre o município e o contribuinte interessado (ID 7376783).

Nesse particular, considero que o paralelo traçado na sentença e no parecer ministerial com o cargo de Procurador da Fazenda Nacional, a partir de julgados do Tribunal Superior Eleitoral (dentre os quais o RCand n. 66879, Relator Ministro OLINDO HERCULANO DE MENEZES, republicado na sessão de 15.8.2014 e o RCand n. 70568, Relator Ministro GERALDO DE ALMEIDA SANTIAGO, DJE de 25.8.2014, p. 4), não espelha as particularidades do caso concreto.

Como ventilado nos memoriais apresentados pela RECORRENTE, os procuradores fazendários são vinculados ao Ministério da Fazenda, competindo-lhes, além da representação privativa da União na execução de sua dívida ativa de caráter tributário, entre outras atribuições, apurar a liquidez e certeza da dívida ativa tributária da União, inscrevendo-a, para fins de cobrança, amigável ou judicial, assim como examinar previamente a legalidade dos contratos, acordos, ajustes e convênios que interessem ao Ministério da Fazenda, inclusive os referentes à dívida pública externa, e promover a respectiva rescisão por via administrativa ou judicial (art. 12 da LC n. 73/93), atividades que não estão incluídas no feixe de atribuições funcionais do cargo de assessor jurídico que foi exercido pela RECORRENTE.

Desse modo, com a vênia do ilustre Procurador Regional Eleitoral, que filiou-se ao entendimento adotado na sentença, a RECORRENTE sujeita-se à exigência do prazo de desincompatibilização de 3 (três) meses, imposto aos servidores públicos em geral, fixado no art. 1º, inc. II, al. “l”, da LC n. 64/90, c/c o Verbete Sumular n. 54 do Tribunal Superior Eleitoral, o qual, aliás, foi devidamente atendido com a sua exoneração do cargo comissionado de assessor jurídico na data de 03.7.2020 (ID 7375883), preenchendo, assim, todos os requisitos necessários ao deferimento do registro da sua candidatura para participar das eleições do corrente ano.

Diante do exposto, VOTO pelo afastamento da matéria preliminar e, no mérito, pelo provimento do recurso, a fim de deferir o requerimento de registro de candidatura de GRAZIELA SZADKOSKI para disputar o cargo de vereador pelo PROGRESSISTAS (PP) do Município de Rodeio Bonito no pleito de 2020, nos termos da fundamentação.