REl - 0600113-90.2020.6.21.0039 - Voto Relator(a) - Sessão: 23/10/2020 às 14:00

VOTO

Admissibilidade

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do prazo de 3 (três) dias previsto no art. 58, § 2º, da Resolução TSE n. 23.609/20.

Mérito

Em suas razões (ID 7543633), os recorrentes sustentam que foi demonstrada satisfatoriamente a condição de alfabetizada de SUELEN GALIANO LEITES, razão pela qual seu registro de candidatura deve ser deferido.

Tenho que não lhes assiste razão.

A questão decorre de previsão contida na Constituição Federal que, no art. 14, § 4º, determina serem inelegíveis os analfabetos:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: [...]

§ 4º - São inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos.

A Lei Complementar n. 64/90 reproduziu o comando constitucional, verbis:

Art. 1º São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

a) os inalistáveis e os analfabetos;

[...]

A Resolução TSE n. 23.609/20, que disciplina o registro de candidatura para o pleito deste ano, reza, em seu art. 27, § 5º, que o documento apto a suprir o comprovante de escolaridade é a “declaração de próprio punho preenchida pelo interessado, em ambiente individual e reservado, na presença de servidor de qualquer Cartório Eleitoral do território da circunscrição em que o candidato disputa o cargo, ainda que se trate de eleições gerais”.

Como é cediço, não há consenso acerca do conceito de analfabetismo, uma vez que, para alguns, ser alfabetizado é ter domínio gramatical, ou seja, saber ler, escrever e interpretar o texto, ao passo que, para outros, cujo cotidiano não mantém proximidade com o mundo das letras, ser alfabetizado é saber o suficiente para o seu trabalho que, na maioria das vezes, tem caráter braçal, não necessitando de grande conhecimento da língua.

Sobre o tema, Adriano Soares da Costa afirma o seguinte (Instituições de Direito Eleitoral – 6ª ed. rev. Ampl. e atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 162 e 163):

Há, na aplicação do signo, em casos concretos, a necessidade de ponderações e temperanças com vista à finalidade da sua exigência: a obtenção do direito de ser votado. Por isso, necessário levar em consideração alguns aspectos importantes: (a) toda análise dos eleitores, quanto ao seu grau de alfabetização, deve ser feita individualmente, caso por caso; b) o grau de alfabetização exigido é mínimo, apenas o necessário para que se afaste a hipótese de analfabetismo total, porquanto é inelegível o analfabeto, não o semi-analfabeto; (c) deve-se dar atenção à leitura, mais do que a escrita, pois mais importa ao mandatário a compreensão do texto já escrito, do que escrevê-lo (até porque outros poderão escrever para ele, ao passo que a leitura feita por outros acarreta maiores dificuldades e perigos).

Segue o doutrinador dizendo que, na sua opinião, as gradações de analfabetismo devem ser analisadas perante a importância do cargo em disputa, e que um candidato a vereador de cidade pequena não necessita apresentar os mesmos predicados intelectuais de um candidato de uma metrópole:

O que poderá ser tolerável numa câmara municipal de cidade pequena de interior, poderá ser algo desbragadamente escandaloso em uma cidade mais desenvolvida. De modo que não endossamos a zelosa preocupação de Pedro Henrique Niess, quando vergasta o fato da aplicação de diferentes critérios e provas para aferir o grau de analfabetismo dos candidatos nas diversas zonas eleitorais. Tal diversidade é necessária, justamente pelas dissimilitudes da vida, das comunidades e de seu desenvolvimento.

Assim, se no primeiro momento pode parecer inaceitável o deferimento de registro de candidatura de cidadão que, em tese, poderá ter dificuldades para a comunicação escrita no legislativo, especialmente considerando as funções precípuas de legislar e fiscalizar o executivo, uma reflexão mais aprofundada leva ao acompanhamento da doutrina e da jurisprudência.

O Tribunal Superior Eleitoral, por sua vez, é firme no sentido de que uma interpretação rigorosa quanto ao quesito alfabetização dificultaria a ascensão política de minorias e excluiria importantes lideranças do acesso a cargos eletivos (RO n. 060247518, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, PSESS 18.9.2018 / REspe n. 8941, Rel. Min. Luciana Lóssio, PSESS 27.9.2016). No mesmo sentido é o entendimento deste Tribunal, como se infere do Recurso Eleitoral n. 14826, Rel. Desª Federal Maria Lúcia Luz Leiria (PSESS 17.8.2012).

No caso concreto, todavia, embora admissível a juntada de documentos por ocasião do recurso, a mídia digital apresentada nas razões recursais não demonstra o mínimo de escrita (ID 7543733). Essencialmente, porque neste vídeo a recorrente aparece escrevendo tão somente o seu nome, revelando tratar-se, até prova em contrário, à míngua de qualquer outro adminículo probante, de pessoa analfabeta.

Por outro lado, a Procuradoria Regional Eleitoral bem afirma que o cenário envolvendo essa mídia não observou a forma prevista no § 5º do art. 27 da Resolução TSE n. 23.609/19, mesmo fundamento para não ser validada a “declaração de próprio punho” trazida pela requerente, ao ensejo do seu requerimento de registro de candidatura. Isso porque, na letra daquele dispositivo, o documento apto a suprir o comprovante de escolaridade é a “declaração de próprio punho preenchida pelo interessado, em ambiente individual e reservado, na presença de servidor de qualquer Cartório Eleitoral do território da circunscrição em que o candidato disputa o cargo, ainda que se trate de eleições gerais”.

Aqui, faz-se importante ressaltar: embora oportunamente intimada pelo juízo a quo para sanar a omissão de documentos relativos à comprovação da escolaridade, a ora recorrente silenciou (certidão ID 7543183).

Tal cenário milita em seu desfavor, na medida em que, tendo oportunidade, quedou-se inerte, não sendo possível acolher a justificativa lançada nas razões de recurso de que “não dispõe do tempo necessário para conseguir juntar aos autos comprovantes de escolaridade/histórico escolar”.

Todos esses elementos, ênfase na ausência de documento apto a afastar a presunção de analfabetismo, demonstram a inobservância do art. 14, § 4º, da CF/88, c/c o art. 1º, inc. I, al. “a”, da LC n. 64/90.

Por fim, faço questão de frisar, é justamente o conjunto das circunstâncias do caso vertente que me leva à conclusão diversa das que já proferi em casos cujo tema de fundo era análogo. É que no presente feito não há, nos termos legais, um mínimo de prova, sendo flagrante, reitero, a insuficiência da mídia colacionada com as razões recursais.

Logo, na esteira do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, a manutenção da sentença que indeferiu o registro de candidatura subjacente é medida que se impõe.

 

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, para confirmar a sentença que indeferiu o registro de candidatura de SUELEN GALIANO LEITES ao cargo de vereador, requerido pelo PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA - PDT do Município de Rosário do Sul.