REl - 0600181-30.2020.6.21.0107 - Voto Relator(a) - Sessão: 23/10/2020 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Ainda preliminarmente, no tocante às alegações de caracterização de possível conduta vedada ou de abuso do poder econômico, na linha esposada pela sentença recorrida, tenho que incabível a análise da matéria em sede de representação eleitoral por propaganda irregular, cuja base é o art. 96 da Lei n. 9.504/97.

Com efeito, as ações para a apuração de condutas vedadas e abuso de poder exigem procedimento específico, com maior contraditório e dilação probatória, previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90. Essa tramitação é incompatível com a celeridade do rito previsto no art. 96 da Lei das Eleições, cujo escopo é conferir eficácia, ainda no período das campanhas eleitorais, aos provimentos que reconheçam a licitude ou a proibição de determinado ato de campanha.

Nesse sentido, o seguinte julgado de minha relatoria:

Recurso. Representação. Conduta vedada. Propaganda irregular em bloco. Arts. 40 e 73, inc. I e III, da Lei n. 9.504/97 e art. 67 da Resolução TSE n. 23.457/15. Eleições 2016. 1. Prefacial suscitada de ofício. Representação por conduta vedada e por propaganda irregular em bloco, no horário eleitoral gratuito de televisão. Impossibilidade de cumulação das ações, por seguirem ritos diferentes. Eventual prática de conduta vedada deve ser apurada segundo o rito previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90. As representações por propaganda irregular seguem as orientações contidas no art. 96 da Lei n. 9.504/97, cujos prazos são mais exíguos. Sentença reformada quanto à prática de condutas vedadas a agentes públicos, por ausência de pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo. Extinção sem resolução do mérito no ponto. 2. Acolhida a preliminar de perda superveniente do objeto em relação ao exame da propaganda veiculada no horário eleitoral gratuito. Encerrado o pleito eleitoral, nenhum efeito prático poderia advir do pronunciamento judicial em relação à aplicabilidade do disposto nos arts. 51, 53 e 54 da Resolução TSE n. 23.457/15. Apelo prejudicado.

(TRE-RS - RE: 33061 PELOTAS - RS, Relator: DR. SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Data de Julgamento: 15.12.2016, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 229, Data: 19.12.2016, p. 11.) (Grifei.)

 

Logo, considerando que o presente processo seguiu o rito estabelecido no art. 96 da Lei das Eleições, confirmo a extinção do feito sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, inc. IV, do CPC, relativamente às pretensões condenatórios por conduta vedada (art. 73, § 8º, da Lei n. 9.504/97) e abuso de poder.

Portanto, a análise recursal restringe-se à incidência da sanção pecuniária prevista no art. 36, § 3º, da Lei n. 9.504/97 para a hipótese de propaganda eleitoral extemporânea.

Nesse passo, é incontroverso que o Partido Progressista de Chiapetta publicou em sua página na rede social Facebook, antes do período permitido para a campanha eleitoral, a seguinte mensagem, compartilhada por Fernanda Maçalai Both, primeira-dama do município, em favor do prefeito e então pré-candidato à reeleição Eder Luis Both:

MAIS ASFALTO NA ÁREA URBANA!

É com imensa satisfação que compartilhamos com os munícipes chiapetenses a assinatura de mais um contrato para Pavimentação Asfáltica.

O investimento no valor total de R$ 238.856,00 é proveniente de emenda parlamentar do Deputado Federal Jerônimo Goergen, o qual será aplicado na pavimentação total da Rua Ilga Postary Anéas, trecho situado entre a Creche Municipal até o início da Rua Thomazia de Carvalho.

Com a confirmação de mais essa obra, os investimentos em pavimentação asfáltica ultrapassam o valor de R$1 MILHÃO. Entre as obras de infraestrutura Urbana já realizadas: Pavimentação na Rua Thomazia de Carvalho (dois trechos), Recapeamento asfáltico entorno da Praça Carlos Chiapetta, Pavimentação na Rua Luis Fogliato e Rua Theodomiro de Souza.

 

Pois bem.

Conforme o art. 36 da Lei n. 9.504/97, com as alterações trazidas pela EC n. 107/20, a propaganda eleitoral somente é permitida após 26 de setembro do presente ano, inclusive na internet.

Por outro lado, como cediço, a Lei n. 13.165/15, ao modificar a redação do art. 36-A da Lei n. 9.504/97, conferiu maior liberdade no período de pré-campanha. Assim, nos termos do dispositivo, são autorizas divulgações que contenham menção à pretensa candidatura, a exaltação de qualidades pessoais dos candidatos, bem como a exposição de plataformas e projetos políticos, inclusive nas redes sociais, entre outros, sendo imperioso que não envolvam pedido explícito de voto, verbis:

Art. 36-A. Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet: (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

I - a participação de filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, observado pelas emissoras de rádio e de televisão o dever de conferir tratamento isonômico; (Redação dada pela Lei nº 12.891, de 2013)

II - a realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado e a expensas dos partidos políticos, para tratar da organização dos processos eleitorais, discussão de políticas públicas, planos de governo ou alianças partidárias visando às eleições, podendo tais atividades ser divulgadas pelos instrumentos de comunicação intrapartidária; (Redação dada pela Lei nº 12.891, de 2013)

III - a realização de prévias partidárias e a respectiva distribuição de material informativo, a divulgação dos nomes dos filiados que participarão da disputa e a realização de debates entre os pré-candidatos; (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

IV - a divulgação de atos de parlamentares e debates legislativos, desde que não se faça pedido de votos; (Redação dada pela Lei nº 12.891, de 2013)

V - a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive nas redes sociais; (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

VI - a realização, a expensas de partido político, de reuniões de iniciativa da sociedade civil, de veículo ou meio de comunicação ou do próprio partido, em qualquer localidade, para divulgar ideias, objetivos e propostas partidárias. (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015

VII - campanha de arrecadação prévia de recursos na modalidade prevista no inciso IV do § 4o do art. 23 desta Lei. (Incluído dada pela Lei nº 13.488, de 2017)

 

Interpretando o dispositivo em comento, o TSE, no julgamento do AgRg-AI n. 924/SP, em 26.6.2018, de relatoria do Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, estabeleceu os critérios hermenêuticos para a caracterização da propaganda eleitoral que transborde o permissivo legal para a pré-campanha, ficando assentado, no voto do e. Ministro Luiz Fux, que:

“(a) o pedido explícito de votos, entendido em termos estritos, caracteriza a realização de propaganda antecipada irregular, independentemente da forma utilizada ou da existência de dispêndio de recursos;

 

(b) os atos publicitários não eleitorais, assim entendidos aqueles sem qualquer conteúdo direta ou indiretamente relacionados com a disputa, consistem em ‘indiferentes eleitorais’, situando-se, portanto, fora da alçada desta Justiça Especializada;

 

(c) o uso de elementos classicamente reconhecidos como caracterizadores de propaganda desacompanhado de pedido explícito e direto de votos, não enseja a irregularidade ‘per se’, e

 

(d) todavia, a opção pela exaltação de qualidades próprias para o exercício de mandato, assim como a divulgação de plataformas de campanha ou planos de governo acarreta, sobretudo, quando a forma de manifestação possua uma expressão econômica minimamente relevante, os seguintes ônus e exigências: (i) impossibilidade de utilização de formas proscritas durante o período oficial de propaganda (outdoor, brindes, etc); e (ii) respeito ao alcance das possibilidades do pré-candidato médio”.

 

Nessa senda, é necessário, em primeiro lugar, determinar se a mensagem veiculada possui conteúdo eleitoral, isto é, está relacionada com a disputa. Caso contrário, constituirá um “indiferente eleitoral”, estando fora do alcance da Justiça Eleitoral.

Ressalta-se que a propaganda eleitoral antecipada também será identificada pelo uso de elementos que traduzam o pedido explícito de votos. Desse modo, "o pedido explícito de votos pode ser identificado pelo uso de determinadas 'palavras mágicas', como, por exemplo, 'apoiem' e 'elejam', que nos levem a concluir que o emissor está defendendo publicamente a sua vitória" (AgResp n. 29-31, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 03.12.2018).

Outrossim, ainda que ausente o pedido explícito de votos, haverá propaganda extemporânea com a utilização de formas proscritas durante o período oficial de propaganda ou quando ocorrer a violação ao princípio da igualdade de oportunidades entre os candidatos, consubstanciado no uso de meios cuja expressão econômica ultrapassem as possibilidades de realização do pré-candidato médio.

Esses parâmetros foram explicitados igualmente em recente julgado do TSE:

DIREITO ELEITORAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL COM AGRAVO. ELEIÇÕES 2018. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. NÃO CONFIGURAÇÃO. DESPROVIMENTO. 1. Agravo interno contra decisão monocrática que negou seguimento a agravo nos próprios autos interposto para impugnar decisão de inadmissão de recurso especial eleitoral.

2. Na análise de casos de propaganda eleitoral antecipada, é necessário, em primeiro lugar, determinar se a mensagem veiculada tem conteúdo eleitoral, isto é, relacionado com a disputa.

3. Reconhecido o caráter eleitoral da propaganda, deve–se observar três parâmetros alternativos para concluir pela existência de propaganda eleitoral antecipada ilícita: (i) a presença de pedido explícito de voto; (ii) a utilização de formas proscritas durante o período oficial de propaganda; ou (iii) a violação ao princípio da igualdade de oportunidades entre os candidatos.

4. No caso, conforme já destacado na decisão agravada, (i) a expressão "conclamando à todos [sic] uma união total por Calçoene" não traduz pedido explícito de votos, bem como (ii) o acórdão regional não traz informações sobre o número de pessoas que tiveram acesso à publicação ou sobre eventual reiteração da conduta, de modo que não há como concluir pela mácula ao princípio da igualdade de oportunidades. Ademais, o impulsionamento de publicação na rede social Facebook não é vedado no período de campanha, mas, sim, permitido na forma do art. 57–C da Lei nº 9.504/1997.

5. Na ausência de conteúdo eleitoral, ou, ainda, de pedido explícito de votos, de uso de formas proscritas durante o período oficial de propaganda e de qualquer mácula ao princípio da igualdade de oportunidades, deve–se afastar a configuração de propaganda eleitoral antecipada ilícita, nos termos do art. 36–A da Lei nº 9.504/1997.6. Agravo interno a que se nega provimento. (Agravo de Instrumento n. 060009124, Acórdão, Relator Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 25, Data: 05.02.2020) (Grifei.)

 

Postas essas notas introdutórias, passo a analisar a hipótese fática.

Conforme se constata nos autos, não houve pedido explícito de voto na mensagem divulgada, sequer o uso de elementos análogos que poderiam ser compreendidos com essa finalidade, a exemplo das "magic words", ou quaisquer outros elementos com o mesmo valor semântico da palavra "voto".

Com efeito, a publicação consubstancia mera divulgação de verba para obras públicas e outras medidas recentemente alcançadas pela administração municipal, nos termos facultados pelo art. 36-A, caput, inc. V e § 2º, da Lei n. 9.504/97, que permite, inclusive na internet, "o pedido de apoio político e a divulgação da pré-candidatura, das ações políticas desenvolvidas e das que se pretende desenvolver", desde que ausente o pedido explícito de voto.

Ademais, importante registrar que sequer há menção ao pleito vindouro, tendo se restringido a postagem a noticiar o contrato de pavimentação asfáltica durante a gestão atual do município, sem evidências de que tenham sido utilizados recursos públicos para essa divulgação.

Anoto, ainda, que a mensagem não possui expressão econômica relevante, pois consiste em simples postagem em página da rede social e não foi objeto de impulsionamento e, em tudo, está adequada àquela manifestação regularmente realizável pelo “candidato médio”, com preservação do princípio da igualdade de oportunidades entre os concorrentes.

Nesse cenário, a veiculação impugnada não representa propaganda eleitoral antecipada, especialmente tendo em conta que o debate democrático pressupõe a apresentação ao escrutínio do eleitor de realizações, projetos e plataformas políticas dos eventuais concorrentes, não podendo, portanto, ser restringida além das estritas hipóteses previstas em lei.

Sobre o tema, cito o seguinte paradigmático julgado do TSE:

ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA (LEI DAS ELEICOES, ART. 36-A). DIVULGAÇÃO DE MENSAGEM EM FACEBOOK. ENALTECIMENTO DE PARTIDO POLÍTICO. MENÇÃO À POSSÍVEL CANDIDATURA. AUSÊNCIA DE PEDIDO EXPLÍCITO DE VOTOS. NÃO CONFIGURAÇÃO. LEGÍTIMO EXERCÍCIO DA LIBERDADE JUSFUNDAMENTAL DE INFORMAÇÃO. ULTRAJE À LEGISLAÇÃO ELEITORAL NÃO CONFIGURADO. RECURSO ESPECIAL A QUE SE DÁ PROVIMENTO. 1. A liberdade de expressão reclama proteção reforçada, não apenas por encerrar direito moral do indivíduo, mas também por consubstanciar valor fundamental e requisito de funcionamento em um Estado Democrático de Direito, motivo por que o direito de expressar-se - e suas exteriorizações (informação e de imprensa)- ostenta uma posição preferencial (preferred position) dentro do arquétipo constitucional das liberdades. 2. A proeminência da liberdade de expressão deve ser trasladada para o processo político-eleitoral, mormente porque os cidadãos devem ser informados da variedade e riqueza de assuntos respeitantes a eventuais candidatos, bem como das ações parlamentares praticadas pelos detentores de mandato eletivo (FUX, Luiz; FRAZÃO, Carlos Eduardo. Novos Paradigmas do Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016 - prelo). 3. A ratio essendi subjacente ao art. 36, caput, da Lei das Eleicoes, que preconiza que a propaganda eleitoral somente será admitida após 15 de agosto do ano das eleições, é evitar, ou, ao menos, amainar a captação antecipada de votos, visando a não desequilibrar a disputa eleitoral, vulnerar o postulado da igualdade de chances entre os candidatos e, no limite, comprometer a própria higidez do prélio eleitoral. 4. A ampla divulgação de ideias fora do período eleitoral propriamente dito se ancora em dois postulados fundamentais: no princípio republicano, materializado no dever de prestação de contas imposto aos agentes eleitos de difundirem atos parlamentares e seus projetos políticos à sociedade; e no direito conferido ao eleitor de acompanhar, de forma abrangente, as ideias, convicções, opiniões e plataformas políticas dos representantes eleitos e dos potenciais candidatos acerca dos mais variados temas debatidos na sociedade, de forma a orientar a formação de um juízo mais consciente e responsável, quando do exercício de seu ius suffragii. (...). g) O desenho institucional que potencializa e leva a sério o regime democrático requer que seja franqueado maior espaço de difusão de ideias, projetos políticos e opiniões sobre os mais diferentes temas, sobre as qualidades pessoais de pretensos candidatos e sobre os planos de governo futuro, visando a propiciar maior controlabilidade social por parte dos demais players do prélio eleitoral. h) A exposição por largo período de tempo - sem pedido expresso de voto, o que é vedado por lei - permite que essas ideias sejam testadas no espaço público: se, por um lado, forem falsas ou absurdas, a oposição poderá contraditá-las e a população estará mais bem informada; se, por outro lado, forem boas soluções alvitradas, a oposição terá de aperfeiçoar suas propostas e projetos e o cidadão será, mais uma vez, beneficiado. i) Destarte, a mensagem veiculada não acarretou prejuízo à paridade de armas, pois qualquer eventual competidor poderia, se assim quisesse, proceder da mesma forma, divulgando mensagens sobre seus posicionamentos, projetos e qualidades, em igualdade de condições, principalmente por tratar-se de propaganda de custo diminuto, inapta a ocasionar interferência indevida do poder econômico no pleito; 9. Recurso especial provido.

(TSE - RESPE: 00000512420166130052 BRUMADINHO - MG, Relator: Min. Luiz Fux, Data de Julgamento: 18.10.2016, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data: 18.10.2016.) (Grifei.)

 

Desse modo, na linha encampada pela Procuradoria Regional Eleitoral, não há que se falar em propaganda eleitoral antecipada, impondo-se a manutenção da sentença que concluiu no sentido de que "não há como aplicar no presente feito as sanções pecuniárias impostas pela legislação eleitoral".

 

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.