REl - 0600032-66.2020.6.21.0161 - Voto Relator(a) - Sessão: 22/10/2020 às 14:00

Com a vênia do eminente relator, estou por acompanhar a divergência quanto ao mérito, ao efeito de manter a decisão do Juízo da 161ª Zona Eleitoral, que julgou procedente a representação oferecida contra a chapa majoritária MOVIMENTO MUDA PORTO ALEGRE (Manuela e Rosseto), no sentido de vedar a realização do evento com apresentação do artista Caetano Veloso, marcado para o dia 07.11.2020.

Na linha do disposto no artigo 39, § 7º, da Lei n. 9.504/97 e do decidido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na Consulta n. 0601243-23, é caso de acolhimento da representação.

Isso porque, o § 7º do art. 39 da Lei n. 9.504/97 é expresso ao proibir a realização de showmício e de evento assemelhado para promoção de candidatos, bem como a apresentação, remunerada ou não, de artistas com a finalidade de animar comício e reunião eleitoral.

E tal artigo de lei foi analisado pelo egrégio TSE no âmbito da Consulta n. 061243-23, restando concluído que (a) “A realização de eventos com a presença de candidatos e de artistas em geral, transmitidos pela internet e assim denominados como "lives eleitorais", equivale à própria figura do showmício, ainda que em formato distinto do presencial, tratando–se, assim, de conduta expressamente vedada pelo art. 39, § 7º, da Lei 9.504/97”; (b) “A proibição compreende não apenas a hipótese de showmício, como também a de ‘evento assemelhado’, o que, de todo modo, albergaria as denominadas ‘lives eleitorais’; (c) Nos termos expressos da lei eleitoral, a restrição alcança os eventos dessa natureza que sejam ou não remunerados; e (d) “As manifestações de natureza exclusivamente artísticas, sem nenhuma relação com o pleito vindouro, permanecem válidas, conforme as garantias constitucionais insculpidas nos incs. IV e IX do art. 5º da Constituição da República”.

Assim, a meu ver, o evento, nos termos do proposto pelos recorrentes, caracteriza clara ofensa ao disciplinado nos arts. 39, § 7º, da Lei n. 9.504/97 e 17 da Resolução TSE n. 23.610/19, pois a participação de artistas na campanha eleitoral recebeu atenção especial na legislação, vedando-se a apresentação, remunerada ou não, em eventos que tenham relação com a propaganda de candidatos e a eleição.

Ademais conforme bem consignado pelo magistrado de primeiro grau: “Os atos de divulgação (do evento) associam a apresentação do renomado cantor a evento planejado e que tem evidente relação com a campanha eleitoral da candidata Manuela, revelando-se aberto o comando do artigo 39, § 7º, da Lei n. 9.504/97, na medida em que veda a participação de artistas em ‘showmício’ ou ‘evento assemelhado’, desimportando a existência, ou não, de remuneração”. Lógico, aqui, que os fatos em tela não se enquadram perfeitamente na conceituação de “showmício”; mas, com certeza, enquadram-se no que a legislação denomina “evento assemelhado”.

É extremamente importante deixar claro que não se está proibindo que o cantor Caetano Veloso promova suas apresentações artísticas e expresse livremente suas opções e pensamentos, o que obviamente afrontaria a liberdade de expressão garantida no art. 5º, incs. IV e IX, da CF/88.

A restrição recai apenas “sobre as apresentações de cunho artístico que estejam associadas às eleições e aos partidos políticos e candidatos”, como bem colocou o Ministro Luis Felipe Salomão, em manifestação na Consulta n. 0601243-23. Visa-se coibir, também, que a apresentação artística subconscientemente capte votos.

Além disso, compreendo que a vedação legal abarca eventos que sejam ou não remunerados, razão pela qual a mim desimporta o fato de haver cobrança mínima de R$ 30,00 para que se possa assistir ao show pela internet. Ou seja, na minha visão a simples cobrança de ingresso não deixa de caracterizar o evento como assemelhado à showmício para promoção de candidato. E quanto a este aspecto, cabe ressaltar que os dividendos eleitorais obtidos pelos candidatos em eventos como o ora analisado antecedem ao próprio espetáculo, visto que a propaganda alusiva ao acontecimento já tem o condão de, por si só, vincular a imagem do candidato ao artista, tal como já vem ocorrendo no caso sob análise, o qual tem obtido também ampla cobertura da imprensa.

Por fim, cabe referir que, segundo a doutrina de RODRIGO LÓPEZ ZILIO (Direito Eleitoral, 6ª ed., Porto Alegre, Verbo Jurídico, 2018, p. 424), já mencionada na decisão de primeiro grau, o disposto no § 7º do art. 39 da Lei das Eleições, “tenciona frear os atos de abuso de poder econômico que permeiam as campanhas eleitorais e decorre da constatação de que os comícios deixaram de ser atos de campanha eleitoral, no qual se buscava a conquista do voto do eleitor através de propostas de campanha, transformando-se em espetáculos de animação pública”. E continua: “A expressão ‘eventos assemelhados’ indica, efetivamente, a preocupação do legislador em evitar que haja a burla da apresentação de showmícios mediante qualquer espécie de simulacro. In casu, o ‘evento assemelhado’ ocorre sempre que a atração principal deixa de ser o candidato e passa a ser o terceiro convidado. Assim, a expressão showmícios conjugada com ‘eventos assemelhados’ tem extensão ampla, abrangendo tanto a apresentação ao vivo de artistas, como mediante playback e, na esteira do entendimento pelo TSE, a mera reprodução de DVDs e equivalentes com shows” (Consulta n.º 1.261 – Rel. Min. Asfor Rocha – j. 29.06.2006).

 

POR TAIS RAZÕES, rogando a mais respeitosa vênia ao ilustre relator, VOTO por manter a decisão do Juízo da 161ª Zona Eleitoral que julgou procedente a representação, no sentido de vedar a realização do evento com apresentação do artista Caetano Veloso, marcado para o dia 07.11.2020.

É como voto, Senhor Presidente.