REl - 0600032-66.2020.6.21.0161 - Voto Relator(a) - Sessão: 22/10/2020 às 14:00

Eminentes colegas:

No caso sob discussão, a atividade interpretativa do magistrado é profundamente desafiada com a confrontação dos tênues limites muitas vezes verificados entre o exercício de direitos e prerrogativas legítimas de candidatos e partidos políticos, cuja supressão poderia desnaturar a própria essência do certame eleitoral, e a prática de condutas abusivas, que tendem a provocar desequilíbrio entre os concorrentes ao pleito, comprometendo, com isso, a legitimidade e a higidez do processo democrático eleitoral, que, neste ano, ocorre no contexto da Pandemia da COVID-19, em que novas tecnologias de informação e comunicação passaram a ser utilizadas com finalidade eleitoral.

Entendendo ser essa a tônica do debate travado com a inauguração da divergência pelo eminente Des. Eleitoral MIGUEL RAMOS em face do posicionamento adotado pelo Des. Federal THOMPSON FLORES LENZ, na condição de relator do processo, em votos minuciosamente construídos quanto à análise da situação fática controvertida e à exposição dos fundamentos que embasaram as suas respectivas conclusões, estou, com a vênia da divergência, acompanhando na íntegra o voto do eminente relator.

Inicialmente, compartilho da orientação pelo afastamento da preliminar de não conhecimento do recurso em virtude de alegada ofensa ao princípio da dialeticidade, porquanto, na esteira do precedente do Superior Tribunal de Justiça, citado no voto do relator – nesta parte, aliás, acompanhado pela divergência, a reiteração, na petição de recurso, das razões deduzidas em peça processual anterior, desde que delas seja possível identificar o intuito de reforma da decisão impugnada e relação de congruência com os seus fundamentos fático-jurídicos, não obsta ao conhecimento da pretensão recursal, sob pena de restrição desproporcional aos direitos fundamentais do acesso à justiça (art. 5º, inc. XXXV, da Constituição Federal) e ao duplo grau de jurisdição.

Superada essa questão prefacial, no mérito propriamente dito, como bem delineado pelo Des. Federal THOMPSON FLORES LENZ, o Tribunal Superior Eleitoral, ao responder, em acórdão relatado pelo Ministro LUÍS FELIPE SALOMÃO, à Consulta n. 0601243-23.2020.6.00.0000, veiculada pelo Diretório Nacional do PSOL, concluiu que a vedação constante da norma inserta no art. 39, § 7º, da Lei das Eleições – que proíbe a realização de showmício e de eventos assemelhados para a promoção de candidatos, bem como a apresentação, remunerada ou não, de artistas com a finalidade de animar comícios e reuniões eleitorais – também alcança a realização de eventos, remunerados ou não, com a presença de candidatos e de artistas em geral, transmitidos pela internet, denominados “lives eleitorais” ou “livemícios”, por mostrarem-se assemelhados à figura do showmício, em torno da qual paira a problemática concernente ao combate do abuso de poder econômico e à dificuldade de controle e fiscalização dos recursos correspondentes pela Justiça Eleitoral, distorções que a legislação eleitoral buscou evitar por meio da edição da Lei n. 11.300/06.

Contudo, a vedação à realização de “lives eleitorais”, mediante a promoção de eventos abertos ao público em geral, na modalidade virtual ou presencial, com a participação de artistas para fins de promoção de candidatos, reproduzida no texto do art. 17 da Resolução TSE n. 23.610/19, que disciplinou a propaganda eleitoral no pleito de 2020, não implica a proibição de eventos de natureza arrecadatória, como o objeto dos autos, agendado para o dia 07.11.2020, que não será gratuito e, portanto, se restringirá às pessoas que adquirirem o ingresso para assistir à apresentação virtual do cantor Caetano Velloso, e, ademais, não contará com a presença dos candidatos representados, Manuela D’Ávila e Miguel Rossetto.

Nesse particular, o valor de R$ 30,00 (trinta reais), cobrado a título de ingresso, deve ser avaliado no contexto de uma apresentação virtual, que possui custos substancialmente menores do que uma apresentação presencial, tendo restado comprovado, como salientou o ilustre relator, que o cantor Caetano Velloso, em outras oportunidades, realizou lives gratuitas, a exemplo de outros artistas de renome.

Assim, atendo-me, especialmente, a essas características do evento, considero inviável aderir à tese divergente de que se estaria diante de um “evento eleitoral, de promoção de campanha, no qual o protagonismo não é da candidata, mas sim de um terceiro artista que faz um espetáculo objetivando entreter a plateia, atrair público para a campanha, como forma de arrecadação e divulgação (...), assemelhado aos showmícios presenciais (...)”, que atrairia a incidência da proibição constante do art. 39, § 7º, da Lei n. 9.504/97 e do art. 17 da Resolução TSE n. 23.610/19.

E ainda que, em tese, vislumbre, como proposto no voto divergente, a possibilidade de eventos eleitorais de arrecadação assumirem o caráter de eventos de propaganda política, tornando necessária a conjunção das normas relativas à sua regulamentação àquelas relativas à propaganda eleitoral, notadamente quando envolvem a participação de artistas das mais diversas áreas culturais, na minha avaliação, a adoção de tal providência não se faz necessária na hipótese concreta, em razão das características do evento mencionadas anteriormente.

Nesse passo, a arrecadação de recursos é uma prerrogativa essencial dos candidatos para o financiamento das suas campanhas, com previsão no art. 23, § 4º, inc. V, da Lei n. 9.504/97, em texto reproduzido no art. 30 da Resolução TSE n. 23.607/19, que autoriza, de forma expressa, as doações, em dinheiro ou estimáveis em dinheiro, provenientes de pessoas físicas aos candidatos de sua preferência, bem como a promoção de eventos arrecadatórios diretamente pelo candidato ou partido político.

Finalizando minha manifestação, pontuo, na linha do que precisamente constou do voto do relator e do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, que o reconhecimento da licitude e a consequente autorização da realização do evento não importam imunizá-lo à investigação e ao sancionamento de eventual abuso de poder econômico que venha a ser cometido (art. 22 da LC n. 64/90) ou de ilicitude praticada na arrecadação e destinação dos recursos auferidos, em sede das vias processuais adequadas, pela Justiça Eleitoral.

Com essas considerações, acompanhando o voto do eminente relator, VOTO pelo afastamento da matéria preliminar e, no mérito, pelo provimento do recurso interposto por Manuela Pinto Vieira D’Ávila e a Coligação Movimento Muda Porto Alegre (PC do B e PT) e Miguel Soldatelli Rossetto, ao fim de julgar improcedente a presente representação e autorizar a divulgação e a realização do evento agendado para o dia de 07.11.2020.