REl - 0600102-10.2020.6.21.0056 - Voto Relator(a) - Sessão: 21/10/2020 às 14:00

VOTO

 

Admissibilidade

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do prazo de 3 (três) dias previsto no art. 58, § 2º, da Resolução TSE n. 23.609/19.

Mérito

Nas razões recursais (ID 7492033), os recorrentes sustentam que foi demonstrado satisfatoriamente a condição de alfabetizado de DELMIRO TADEU CARNEIRO DE SIQUEIRA, motivo pelo qual seu registro de candidatura deve ser deferido.

Tenho que não lhes assiste razão.

A questão decorre de previsão contida na Constituição Federal que, no art. 14, § 4º, determina serem inelegíveis os analfabetos:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: [...]

§ 4º - São inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos.

A Lei Complementar n. 64/90 reproduziu o comando constitucional, verbis:

Art. 1º São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

a) os inalistáveis e os analfabetos;

[...]

A Resolução TSE n. 23.609/19, que disciplina o registro de candidatura para o pleito deste ano, reza, em seu art. 27, § 5º, que o documento apto a suprir o comprovante de escolaridade é a “declaração de próprio punho preenchida pelo interessado, em ambiente individual e reservado, na presença de servidor de qualquer Cartório Eleitoral do território da circunscrição em que o candidato disputa o cargo, ainda que se trate de eleições gerais”.

Como é cediço, não há um consenso acerca do conceito de analfabetismo, uma vez que, para alguns, ser alfabetizado é ter domínio gramatical, ou seja, saber ler, escrever e interpretar o texto, ao passo que, para outros, cujo cotidiano não mantém proximidade com o mundo das letras, ser alfabetizado é saber o suficiente para o seu trabalho que, a mais das vezes, tem caráter braçal, não necessitando de grande conhecimento da língua.

Sobre o tema, Adriano Soares da Costa afirma o seguinte (Instituições de Direito Eleitoral – 6ª ed. rev. Ampl. e atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 162 e 163):

Há, na aplicação do signo, em casos concretos, a necessidade de ponderações e temperanças com vista à finalidade da sua exigência: a obtenção do direito de ser votado. Por isso, necessário levar em consideração alguns aspectos importantes: (a) toda análise dos eleitores, quanto ao seu grau de alfabetização, deve ser feita individualmente, caso por caso; b) o grau de alfabetização exigido é mínimo, apenas o necessário para que se afaste a hipótese de analfabetismo total, porquanto é inelegível o analfabeto, não o semi-analfabeto; (c) deve-se dar atenção à leitura, mais do que a escrita, pois mais importa ao mandatário a compreensão do texto já escrito, do que escrevê-lo (até porque outros poderão escrever para ele, ao passo que a leitura feita por outros acarreta maiores dificuldades e perigos).

Segue o doutrinador dizendo que, na sua opinião, as gradações de analfabetismo devem ser analisadas perante a importância do cargo em disputa e que, um candidato a vereador de cidade pequena não necessita apresentar os mesmos predicados intelectuais de um candidato de uma metrópole:

O que poderá ser tolerável numa câmara municipal de cidade pequena de interior, poderá ser algo desbragadamente escandaloso em uma cidade mais desenvolvida. De modo que não endossamos a zelosa preocupação de Pedro Henrique Niess, quando vergasta o fato da aplicação de diferentes critérios e provas para aferir o grau de analfabetismo dos candidatos nas diversas zonas eleitorais. Tal diversidade é necessária, justamente pelas dissimilitudes da vida, das comunidades e de seu desenvolvimento.

Assim, se em um primeiro momento pode parecer inaceitável o deferimento de registro de candidatura de cidadão que, em tese, poderá ter dificuldades para a comunicação escrita no legislativo, especialmente considerando as funções precípuas de legislar e fiscalizar o executivo, uma reflexão mais aprofundada leva ao acompanhamento da doutrina e da jurisprudência.

O Tribunal Superior Eleitoral, por sua vez, é firme no sentido de que uma interpretação rigorosa quanto ao quesito alfabetização dificultaria a ascensão política de minorias e excluiria importantes lideranças do acesso a cargos eletivos (RO n. 060247518, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, PSESS 18.9.2018 / REspe n. 8941, Rel. Min. Luciana Lóssio, PSESS 27.9.2016). No mesmo sentido é o entendimento deste Tribunal, como se infere do Recurso Eleitoral n 14826, Rel. Desª Federal Maria Lúcia Luz Leiria (PSESS 17.8.2012).

No caso concreto, todavia, a declaração de próprio punho inicialmente apresentada pelo recorrente não demonstra o mínimo de escrita (ID 7490633), revelando tratar-se de pessoa analfabeta. Igual conclusão se retira da declaração por ele firmada perante o servidor do Cartório Eleitoral da 56ª Zona (ID 7491233).

Em ambas as declarações, à exceção do nome do interessado, as poucas palavras redigidas mostram-se efetivamente ilegíveis. Ou como bem destacado pela magistrada de primeira instância, a declaração firmada pelo candidato é ilegível, revelando, sem margem para dúvidas, a ausência de domínio mínimo da capacidade de expressão do pensamento por escrito e, por conseguinte, de alfabetização (ID 7491833).

Nesse passo, determinada pelo juízo a apresentação de documentos ou o comparecimento para prova de alfabetização (ID 7491483), nada obstante o recorrente ter concordado com a realização do teste em data previamente aprazada (ID 7491583), não compareceu e não trouxe nenhuma outra prova (certidão ID 7491633).

Esse cenário milita em seu desfavor, na medida em que, tendo oportunidade, quedou-se inerte, nada expendendo ou colacionando sobre o assunto nas razões recursais.

Colho, por oportuno, da jurisprudência:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. ANALFABETISMO. DÚVIDA. DECLARAÇÃO DE PRÓPRIO PUNHO. APLICAÇÃO DE TESTE. POSSIBILIDADE. ART. 27, § 8º, DA RES.-TSE Nº 23.373/2011. DESPROVIMENTO.

1. A dúvida quanto à declaração de próprio punho apresentada pelo candidato autoriza a aplicação de teste pelo juízo eleitoral, a fim de constatar a condição de alfabetizado. Precedentes. [...]

3. Agravo regimental desprovido.

(TSE – AgR-REspe n. 16734 – Rel. Min. Luciana Lóssio – DJE 28.11.2013.) (Grifei.)

 

INELEGIBILIDADE. ANALFABETISMO.

1. A jurisprudência do TSE é iterativa no sentido de que a declaração de próprio punho, utilizada para suprir o comprovante de escolaridade, deve ser firmada na presença do juiz eleitoral ou de servidor do cartório eleitoral por ele designado.

2. Havendo dúvida quanto à condição de alfabetização do candidato e quanto à idoneidade do comprovante por ele apresentado, o juízo eleitoral pode realizar teste, de forma individual e reservada, nos termos do art. 27, § 8º, da Res.-TSE n° 23.373/2011.

3. O não comparecimento do candidato ao teste de alfabetização, embora regularmente intimado, inviabiliza a aferição da sua condição de alfabetizado. Precedente: Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº 23-75, rel. Min. Arnaldo Versiani, de 27.9.2012.

4. Agravo regimental não provido.

(TSE – AgR-REspe n. 12767 – Rel. Min. Luciana Lóssio – PSESS 13.11.2012.) (Grifei.)

Todos esses elementos, à míngua de qualquer outro documento que pudesse afastar a presunção de analfabetismo, fazem por incidir a causa de inelegibilidade ex vi do art. 14, § 4º, da CF/88,  c/c o art. 1º,inc. I, al. “a”, da LC n. 64/90.

Por fim, faço questão de ressaltar, é justamente o conjunto das circunstâncias do caso vertente que me leva à conclusão diversa da que já proferi em casos cujo tema de fundo era análogo. Essencialmente, porque aqui tenho por absolutamente incompreensível a redação levada a cabo pelo interessado, somado à inexistência de demais provas documentais e à inércia e ao silêncio do recorrente quanto ao teste de alfabetização ao qual não compareceu.

Portanto, na linha do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, a manutenção da sentença que indeferiu o registro de candidatura subjacente é medida que se impõe.

Dispositivo

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, para o fim de confirmar a sentença que indeferiu o registro de candidatura do recorrente DELMIRO TADEU CARNEIRO DE SIQUEIRA para o cargo de vereador, requerido pelo DEMOCRATAS - DEM do Município de Tabaí.