REl - 0600143-50.2020.6.21.0064 - Voto Relator(a) - Sessão: 21/10/2020 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, restou incontroverso que ROGÉRIO SEVERO SILVA, nos autos da Ação Penal n. 158/2.09.0000254-6, que tramitou na Justiça Estadual, foi condenado por incursão na conduta descrita no art. 16, parágrafo único, inc. IV, da Lei n. 10.826/03 (porte de arma de fogo de uso restrito), à pena de 3 anos de reclusão, com decisão transitada em julgado em 06.7.2011, tendo ocorrido a extinção de punibilidade em 02.5.2014 (ID 7360333,7360383 e 7360433).

Diante disso, o Magistrado a quo, considerando a natureza hedionda da conduta (art. 1º, parágrafo único, inc. II, da Lei n. 8.072/90), entendeu pela inelegibilidade do recorrente até 02.5.2022, em razão da incidência da causa prevista no art. 1º, al. "e", n. 7, da Lei Complementar n. 64/90, verbis:

Art. 1º São inelegíveis:

(...).

e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes:

(...).

7. de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos;

Na esteira do parecer emitido pela Procuradoria Regional Eleitoral, entendo que a decisão deve ser reformada.

Vejamos.

O crime em comento, ou seja, a posse ou o porte ilegal de arma de fogo de uso restrito ou proibido, previsto no art. 16 da Lei n. 10.826/03, passou a ser hediondo a partir da vigência da Lei n. 13.497/17, que alterou a Lei n. 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), cujo art. 1º, parágrafo único, adquiriu a seguinte redação:

Lei n. 13.497/17

Consideram-se também hediondos o crime de genocídio previsto nos arts. 1º, 2º e 3º da Lei nº 2.889, de 1º de outubro de 1956, e o de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, previsto no art. 16 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, todos tentados ou consumados.

(Grifei.)

Dessa forma, a hediondez da infração penal em tela adveio somente após a extinção de punibilidade no processo em que condenado o recorrente, momento no qual, de acordo com a legislação vigente à época, o crime não atrairia a incidência da causa de inelegibilidade.

Na hipótese, a Lei n. 13.497/17, ao conferir uma caracterização mais gravosa ao fato típico em tela, representa novatio legis in pejus, sendo inviável sua aplicação a condutas anteriormente consumadas, sob pena de violação ao princípio da irretroatividade da lei penal, consagrado no art. 5º, inc. XL, da CF/88.

O entendimento constou no seguinte julgado do TRE-RJ:

REGISTRO DE CANDIDATURA. ELEIÇÕES 2018. DEPUTADO ESTADUAL. MPE ALEGA A CARACTERIZAÇÃO DE CAUSA DE INELEGIBILIDADE. CONDENAÇÃO CRIMINAL. CRIME HEDIONDO. PORTE DE ARMA. TRÂNSITO EM JULGADO EM 2007. A LEI QUE PASSOU A CONSIDERAR O PORTE DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO COMO CRIME HEDIONDO ENTROU EM VIGOR EM 2017. IMPOSSIBILIDADE DE RETROAGIR PARA PREJUDICAR O RÉU. CANDIDATO CONDENADO POR PORTE DE ARMA DE USO PERMITIDO. LEI Nº 10.826/2003, ARTIGO 16, VI. SOMENTE É CRIME HEDIONDO O PORTE DE ARMA DE USO RESTRITO PREVISTO NO CAPUT DO ARTIGO 16 DA LEI Nº 10.823/2003. APRESENTAÇÃO DE TODOS OS DOCUMENTOS EXIGIDOS PELA LEGISLAÇÃO. PREENCHIDAS AS CONDIÇÕES DE ELEGIBILIDADE. DEFERIMENTO DO PEDIDO DE REGISTRO DE CANDIDATURA.

(TRE-RJ - REGISTRO DE CANDIDATURA n. 060103494, ACÓRDÃO de 12.9.2018, Relator RAPHAEL FERREIRA DE MATTOS, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão.) (Grifei.)

Outrossim, na presente data, o art. 16, parágrafo único, inc. IV, da Lei n. 10.826/03 não é mais equiparado a crime hediondo, pois, com a vigência da Lei n. 13.964/19 ("Pacote Anticrime"), essa natureza permaneceu apenas para os delitos de posse ou porte ilegal com armas de fogo de uso proibido, conforme se extrai da atual dicção do art. 1º, parágrafo único, inc. II, da Lei n. 8.072/90:

Art. 1º São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou tentados:

(...).

Parágrafo único. Consideram-se também hediondos, tentados ou consumados: (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)

(...).

II - o crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido, previsto no art. 16 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

(Grifei.)

Com esse entendimento, os seguintes julgados:

Execução penal. Crime de posse ou porte de arma de fogo de uso restrito. Nova redação do art. 1º, § único, da L. 8.072/90, dada pela L. 13.964/19. 1 - O art. 1º, § único, II, da L. 8.072/90, alterado pela L. 13.964/19 (?Pacote Anticrime?), passou a considerar como hedionda somente a figura qualificada do crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido, ou seja, o do § 2º do art. 16 da L. 10.826/03. 2 - Se o crime cometido pelo apenado é o do art. 16, § único, IV, da L. 10.826/03 - porte ou posse de arma de fogo de uso restrito por equiparação -, que a L. 8.072/90 não mais prevê como hediondo, correta a decisão da VEP que excluiu o caráter hediondo do crime. 3 - Agravo não provido.

(TJ-DF 07138658220208070000 DF 0713865-82.2020.8.07.0000, Relator: JAIR SOARES, Data de Julgamento: 09.7.2020, 2ª Turma Criminal, Data de Publicação: Publicado no DJE : 22.7.2020. p. Sem Página Cadastrada.) (Grifei.)

AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL - INDEFERIMENTO DE PROGRESSÃO DE REGIME EM RAZÃO DO RECONHECIMENTO DA NATUREZA HEDIONDA DO DELITO - RECURSO DO APENADO. PLEITO DE PROGRESSÃO DE REGIME EM VIRTUDE DE O DELITO APRESENTAR NATUREZA COMUM (ART. 16, § 1º, IV, DA LEI DE ARMAS)- PARCIAL PROVIMENTO - CRIME QUE DEVE SER RECONHECIDO COMO COMUM APÓS AS ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS TRAZIDAS PELO DENOMINADO PACOTE ANTICRIME - NOVATIO LEGIS IN MELLIUS - CONTUDO, POSSIBILIDADE DE PROGRESSÃO DE REGIME QUE PRECISA SER ANALISADA PELO JUÍZO DA EXECUÇÃO DIANTE DA INEXISTÊNCIA DE NOTÍCIAS SOBRE O PREENCHIMENTO DO REQUISITO DE ORDEM SUBJETIVA - ADEMAIS, CÁLCULO DO REQUISITO OBJETIVO QUE TAMBÉM PRECISA SER REFEITO - NECESSIDADE DE RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM - DECISÃO QUE MERECE SER PARCIALMENTE REFORMADA. I - A partir da edição da Lei n. 13.964/19 - conhecida como Pacote Anticrime -, a posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, prevista no caput do art. 16 da Lei n. 10.826/06, com redação dada pela Lei n. 13.964/19, bem como as condutas equiparadas previstas no § 1º do mesmo diploma legal, desde que atinentes a artefatos dessa natureza, ou seja, de uso restrito, não são mais considerados hediondos, havendo verdadeira novatio legis in melliuns, daí por que o novo regramento deve retroagir em benefício de tais condenados. II - Exigindo a progressão de regime uma junção de requisitos objetivos e subjetivos, o cumprimento de apenas um deles não autoriza a imediata progressão do apenado. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

(TJ-SC - EP: 00009238320208240033 Itajaí 0000923-83.2020.8.24.0033, Relator: Luiz Antônio Zanini Fornerolli, Data de Julgamento: 03.9.2020, Quarta Câmara Criminal.) (Grifei.)

Assim, na esteira do judicioso parecer lançado pela Procuradoria Regional Eleitoral, o indeferimento do pedido de registro de candidatura do recorrente teve por fundamento a aplicação de natureza hedionda advinda ao crime somente após o trânsito em julgado da condenação criminal e sequer mais subsistente na legislação, razão pela qual se impõe a reforma da sentença, a fim de deferir o pedido de registro de candidatura.

Ante o exposto, VOTO pelo provimento do recurso, para deferir o registro de candidatura de ROGÉRIO SEVERO SILVA ao cargo de vereador.