REl - 0600100-09.2020.6.21.0131 - Voto Relator(a) - Sessão: 21/10/2020 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

O recurso é regular e tempestivo, de forma que comporta conhecimento.

Inicialmente, em se tratando de representação por propaganda eleitoral (negativa) na internet, cabe verificar o atendimento dos requisitos legais para as ações dessa espécie.

Conforme disposto no art. 17, inc. III e § 2º, da Resolução TSE n. 23.608/19, a petição inicial da representação relativa à propaganda irregular veiculada em ambiente de internet será instruída, sob pena de não conhecimento “com a identificação do endereço da postagem (URL ou, caso inexistente esta, URI ou URN) e a prova de que a pessoa indicada para figurar como representado é o seu autor” “cabendo ao órgão judicial competente aferir se ficou demonstrada a efetiva disponibilização do conteúdo no momento em que acessada a página da internet”:

Art. 17. A petição inicial da representação relativa à propaganda irregular será instruída, sob pena de não conhecimento:

I - com prova da autoria ou do prévio conhecimento do beneficiário, caso não seja alegada a presunção indicada no parágrafo único do art. 40-B da Lei nº 9.504/1997;

II - naquelas relativas à propaganda irregular no rádio e na televisão, com a informação de dia e horário em que foi exibida e com a respectiva transcrição da propaganda ou trecho impugnado; e

III - no caso de manifestação em ambiente de internet, com a identificação do endereço da postagem (URL ou, caso inexistente esta, URI ou URN) e a prova de que a pessoa indicada para figurar como representado é o seu autor.

§ 1º Desconhecida a autoria da propaganda, a petição inicial poderá ser endereçada genericamente contra o responsável, desde que requerida liminarmente diligência para a identificação deste e fornecidos os elementos indispensáveis para a obtenção dos dados, sob pena de indeferimento da petição inicial.

§ 2º A comprovação da postagem referida no inciso III deste artigo pode ser feita por qualquer meio de prova admitido em Direito, não se limitando à ata notarial, cabendo ao órgão judicial competente aferir se ficou demonstrada a efetiva disponibilização do conteúdo no momento em que acessada a página da internet.

Na hipótese, foram indicadas as seguintes URLs na inicial https://www.facebook.com/renatomolling/photos/a.278892175463869/3552908541395533/?type=3&theater e https://www.instagram.com/p/CeaXC_bpWZy/, de forma que tenho como atendido o disposto no art. 17, inc. III e § 2º da Resolução TSE n. 23.608/19.

Passando ao exame das preliminares, o recorrente defende a incompetência da Justiça Eleitoral, e a própria ilegitimidade passiva por não ser candidato ao pleito de 2020.

Ocorre que o pedido, nos limites do qual devem ser verificadas a competência para julgamento e a legitimidade das partes, descreve a suposta existência de propaganda eleitoral antecipada negativa.

Regulando a matéria, dispõe o art. 27 da Resolução TSE n. 23.610/19 que:

Art. 27. É permitida a propaganda eleitoral na internet a partir do dia 16 de agosto do ano da eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 57- A). (Vide, para as Eleições de 2020, art. 11, inciso II, da Resolução nº 23.624/2020)

§ 1º A livre manifestação do pensamento do eleitor identificado ou identificável na internet somente é passível de limitação quando ofender a honra ou a imagem de candidatos, partidos ou coligações, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos.

§ 2º O disposto no § 1º deste artigo se aplica, inclusive, às manifestações ocorridas antes da data prevista no caput, ainda que delas conste mensagem de apoio ou crítica a partido político ou a candidato, próprias do debate político e democrático. (grifei)

Da leitura do dispositivo, depreende-se que manifestação de eleitor que ofenda a honra ou a imagem de candidatos e partidos ou divulgue fatos sabidamente inverídicos – propaganda negativa –pode ser limitada pela Justiça Eleitoral. Na mesma linha, o § 2º da norma autoriza que sejam sindicadas as manifestações relacionadas a pré candidatos – propaganda extemporânea -, como é o caso dos autos.

A mensagem indicada na exordial critica a “atual ADM” e o “desgoverno do PT (Spolaor)", referindo-se ao pré-candidato ao cargo de prefeito em Sapiranga, Nelson Spolaor, e a partido político.

Assim, tratando-se da alegação de existência de manifestação ofensiva a partido e a pré- candidato, é competente a Justiça Eleitoral para conhecer do pedido.

Considerando, de igual forma, a possibilidade de que eleitor produza eventual manifestação ofensiva, o recorrido está legitimado para estar no polo passivo da demanda, respondendo por atos que desbordem dos limites da livre manifestação.

Aliás, cumpre registrar que a negativa de autoria da postagem não é uma das teses do recorrente, sendo a alegação tão somente de que o eleitor não pode ser demandado em representação por propaganda eleitoral, o que, como já mencionado, não encontra respaldo na legislação eleitoral.

Assim, afasto as preliminares.

 

No mérito, a controvérsia cinge-se a verificar se a publicação de postagem nas redes sociais Facebook e Instagram constitui propaganda negativa extemporânea na modalidade antecipada, pois veiculada em 27 de agosto, portanto anterior à data na qual passou a ser permitida a propaganda eleitoral para o pleito vindouro.

Pois bem.

Objetivando garantir a isonomia entre os candidatos, a normatização eleitoral proíbe a veiculação de propaganda eleitoral até o 26 de setembro do corrente ano, conforme dispõe o inc. IV do art. 1º da Emenda Constitucional n. 107, de 02 de julho de 2020:

Art. 1º As eleições municipais previstas para outubro de 2020 realizar-se-ão no dia 15 de novembro, em primeiro turno, e no dia 29 de novembro de 2020, em segundo turno, onde houver, observado o disposto no § 4º deste artigo.

§ 1º Ficam estabelecidas, para as eleições de que trata o caput deste artigo, as seguintes datas:

[..]

IV - após 26 de setembro, para o início da propaganda eleitoral, inclusive na internet, conforme disposto nos arts. 36 e 57-A da Lei n. 9.504, de 30 de setembro de 1997, e no caput do art. 240 da Lei n. 4.737, de 15 de julho de 1965;

[..] (Grifei.)

Por conseguinte, o art. 3º da Resolução TSE n. 23.610/19, que regulamenta a propaganda eleitoral para as eleições de 2020, reproduzindo teor do art. 36-A da Lei n. 9.504/97, possibilita que os pretensos candidatos desenvolvam ações que, embora ocorram antes do aludido prazo, não configuram propaganda antecipada.

Assim, é possível que haja menção à pretensa candidatura, a exaltação de qualidades pessoais dos pré-candidatos, o pedido de apoio político, a divulgação das ações políticas desenvolvidas e das que se pretende desenvolver, desde que não haja pedido explícito de voto.

Tem-se, assim, que, antes do prazo mencionado, está vedado o pedido de voto e, por decorrência lógica, sua modalidade negativa, o pedido de “não voto”.

Nessa esteira, o Tribunal Superior Eleitoral já se posicionou no sentido de que a propaganda antecipada negativa também se configura por divulgação de “publicação, antes do período permitido, que ofende a honra de possível futuro candidato" (AgR–AI 2–64, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 22.9.2017).

A Resolução TSE n. 23.610/19, paralelamente, estabeleceu que a livre manifestação do pensamento somente é passível de limitação quando ofender a honra ou a imagem de candidatos, partidos ou coligações, ou divulgar a seu respeito fatos sabidamente inverídicos, ainda que antes do início do período da propaganda eleitoral (art. 27, §§ 1º e 2º).

Fixados os conceitos e passando à análise do caso concreto, reproduzo a manifestação que deu ensejo à propositura da representação:

Na publicação, o recorrente noticia supostas irregularidades em um convênio e a devolução de valores que teria sido ocasionada em razão disso.

Como já exposto, a legislação eleitoral limita a liberdade de manifestação quando houver ofensa à honra ou à imagem de candidatos e partidos ou divulgação de fatos sabidamente inverídicos.

No caso dos autos, não vislumbro a ocorrência de qualquer dessas hipóteses.

A postagem não é ofensiva: é uma crítica à gestão em relação a um convênio. Não há um ataque direto à pessoa do então pré-candidato, mas apenas uma insinuação de que este não seria um bom administrador.

A manifestação também não pode ser considerada “fato sabidamente inverídico”, visto que existem controvérsias acerca do convênio noticiado na publicação.

Nesse ponto, tomo como razões de decidir o minucioso exame realizado pela Procuradoria Regional Eleitoral em seu parecer, o que faço também no intuito de evitar tautologia:

No mínimo há elementos a indicar a possibilidade de malversação dos recursos objeto do Convênio nº 2079.2011, de responsabilidade do então Prefeito NELSON SPOLAOR.

Para isso é suficiente ater-se ao documento acostado no ID 7423383,que se refere ao Ofício nº 023/2019 – DIFIS/DEHAB, de 18/03/2019, da Secretaria de Obra e Habitação do Estado do Rio Grande do Sul, dirigido à Prefeitura Municipal de Sapiranga no qual é solicitada a devolução dos recursos com fundamento em fatos graves, que denotam a existência de desvio dos recursos públicos, na medida em que restou comprovado que as casas supostamente construídas com os recursos do convênio já haviam sido edificadas com recursos de outro convênio (Convênio nº 1815.2010).

Veja-se o teor do aludido expediente, in verbis:

[…]

Das 40 famílias que foram beneficiadas com uma unidade habitacional no Convênio 2079.2011, 36 destas famílias já haviam recebido sua moradia através do Convênio 1815.2010.

Das 47 famílias do Convênio 2079.2011 que tiveram suas casas atingidas por inundações em abril de 2011 e precisavam que suas unidades fossem reconstruídas, todas as 47 famílias haviam recebido sua moradia no Convênio 1815.2010.

Em relação às 40 famílias, as irregularidades são evidentes. Quanto às 47 unidades habitacionais a serem recuperadas, a Lei Nº13.017, de 24 de julho de 2008, que dispõem (sic) sobre o Sistema Estadual de Habitação de Interesse Social – SEHIS, o Fundo Estadual de Habitação de Interesse Social – FEHIS e o Conselhor Gestor do FEHIS, no Artigo 24, §2º, estabelece que o beneficiário favorecido por Programa realizado no âmbito do SEHIS somente será contemplado uma única vez com os benefícios que trata este artigo.

Face ao exposto anteriormente, solicitamos a devolução integral dos recursos repassados pelo Estado (R$ 300.000,00) devidamente atualizados.

Sobre esse documento, o representante não tece qualquer consideração, em que pese tenha tido acesso ao mesmo antes de oferecidas as contrarrazões.

Em se tratando de crítica administrativa, para a procedência de representação por propaganda eleitoral antecipada negativa seria necessário que a eventual ofensa à honra ou imagem estivesse relacionada à existência de fato manifestamente inverídico, o que, como referido, não é o caso.

Neste ponto, as manifestações inquinadas de ilegais configuram tão-somente livre exercício do direito constitucional de manifestação, importando em crítica à Administração do gestor anterior, natural no debate político-eleitoral.

A situação descrita, embora talvez não se amolde exatamente aos contornos da manifestação do recorrente, não pode ser considerada como “fato sabidamente inverídico” para fins de determinação de sua remoção.

Cumpre também esclarecer que a mensagem não se utilizou de meios proscritos durante o período de campanha, não se tem notícia de que tenha sido impulsionada, e foi realizada com emprego de recursos disponíveis aos eleitores em geral – publicação em página da rede social Facebook e perfil de Instagram, estando também regular sob este aspecto.

Não desbordando a publicação aqui examinada dos limites legais e tratando-se de exercício de liberdade de expressão, a sentença deve ser reformada e a representação, julgada improcedente.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO por afastar as preliminares de incompetência da Justiça Eleitoral e de ilegitimidade passiva e, no mérito, pelo provimento do recurso para julgar improcedente a representação, afastando a imposição da multa.

É como voto, Senhor Presidente.