REl - 0600144-62.2020.6.21.0152 - Voto Relator(a) - Sessão: 21/10/2020 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

O recurso é tempestivo. O prazo para interposição de recurso contra sentença proferida em representação sobre propaganda eleitoral irregular é de 1 (um) dia, nos termos do art. 96, § 8º, da Lei n. 9.504/97, em leitura conjunta com o art. 22 da Resolução TSE n. 23.608/19.

Na espécie, a intimação da sentença ocorreu no mural eletrônico em 07.10.2020 e o recurso foi apresentado na mesma data.

No mérito, trata-se de alegada prática de propaganda eleitoral antecipada em publicações na rede social Instagram. Atendendo à determinação judicial, foram indicados os endereços específicos das postagens e, dessarte, foi  cumprido o disposto no art. 17, inc. III e § 2º, da Resolução TSE n. 23.608/19.

Em resumo, a controvérsia está adstrita à análise da existência de propaganda antecipada.

Colaciono excerto da decisão do juízo sentenciante, que entendeu pela improcedência da representação, ao argumento central de que, “...embora conste na publicação o número pelo qual a candidata concorrerá as eleições, não há qualquer pedido textual ou não de voto na publicação, apenas a apresentação da pré-candidata e o foco de seu projeto eleitoral, o que afasta a incidência da norma sancionadora apontada pelo representante”.

Pois bem.

Na mesma linha da manifestação apresentada pela Procuradoria Regional Eleitoral, o caso é de desprovimento do recurso, pois não restou caracterizada a irregularidade alegada na inicial.

Vejamos. Em análise das publicações, como se pode observar, não houve desobediência aos parâmetros da legítima manifestação da pré-candidata ao cargo de vereadora, tema aliás que merece abordagem individualizada, com a análise das circunstâncias de cada caso concreto.

Na hipótese dos autos, a recorrida apenas menciona a pretensa candidatura e o trabalho que tenciona realizar. Note-se o teor das publicações: “Educadora e cidadã de Carlos Barbosa, pré-candidata a Vereadora pelo PP. Focada em melhorar a educação e a cultura municipal. 11700."

Ademais, impende levar-se em conta que, como esta Corte vem monoliticamente entendendo, houve flexibilização sobre a exposição dos pré-candidatos em período anterior à data de início da campanha eleitoral. Nessa toada, a edição da Lei n. 13.165/15 autorizou a menção à pretensa candidatura e a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos, vedando apenas o pedido explícito de voto (art. 36-A, caput, da Lei n. 9.504/97).

Melhor explicitando: trata-se exatamente de instrumento nivelador das chances dos competidores. Ainda em relação ao art. 36-A da Lei n. 9.504/97, o Min. Luís Roberto Barroso, relator do Recurso Especial Eleitoral n. 060048973, assentou a nítida valorização do direito à liberdade de expressão, onde a figura do pré-candidato pode iniciar uma campanha eleitoral antes de 15 de agosto, e o entendimento do TSE tem sido de caracterizar propaganda eleitoral antecipada apenas o pedido explícito de voto (AgrRg-REspe n. 4346/SE – j. 26.06.2018 – Rel. Min. Jorge Mussi).

É certo que o pedido explícito de voto pode, ainda, ser identificado pelo uso das denominadas “palavras mágicas” (magic words) como, por exemplo, "apoiem" e "elejam", sendo que, na hipótese, o que mais se aproximaria disso seria a expressão “conto com todos”.

Contudo, tais “palavras-chave” não podem levar, sozinhas, ao juízo condenatório, pois, em relação aos atos de pré-campanha, a compreensão tem sido caracterizar como incompatível a realização de condutas que extrapolem os limites de forma e meio admitidos durante o período permitido da campanha eleitoral, sob pena de ofensa ao equilíbrio que deve haver entre os competidores (REspe n. 0600227-31/PE – j. 09.04.2019 – Rel. Min. Edson Fachin).

Porém, no caso dos autos, não ocorreu esta situação, pois embora na publicação tenha constado o número pelo qual a pré-candidata iria concorrer nas eleições, como bem pontuou o magistrado a quo, não houve “qualquer pedido textual ou não de voto na publicação, apenas a apresentação da pré-candidata e o foco de seu projeto eleitoral”, afastando a incidência da norma sancionadora apontada.

Assim, a publicação da então pré-candidata ao cargo de vereadora, realizada em seu perfil do Instagram, não conteve expressão econômica de gasto eleitoral, estando em tudo adequada àquela manifestação regularmente realizável pelo “candidato médio”, assim tratado pela jurisprudência paradigmática, o voto do Ministro Luiz Fux no AgRg-AI n. 924/SP - j. 26.06.2018 – Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto:

[...]

(a) o pedido explícito de votos, entendido em termos estritos, caracteriza a realização de propaganda antecipada irregular, independentemente da forma utilizada ou da existência de dispêndio de recursos; (b) os atos publicitários não eleitorais, assim entendidos aqueles sem qualquer conteúdo direta ou indiretamente relacionados com a disputa, consistem em ‘indiferentes eleitorais’, situando-se, portanto, fora da alçada desta Justiça Especializada; e (c) o uso de elementos classicamente reconhecidos como caracterizadores de propaganda, desacompanhado de pedido explícito e direto de votos, não enseja irregularidade per se; todavia, a opção pela exaltação de qualidades próprias para o exercício de mandato, assim como a divulgação de plataformas de campanha ou planos de governo acarreta, sobretudo quando a forma de manifestação possua uma expressão econômica minimamente relevante, impõe os seguintes ônus e exigências: (i) impossibilidade de utilização de formas proscritas durante o período oficial de propaganda (outdoor, brindes, etc); e (ii) respeito ao alcance das possibilidades do pré-candidato médio.

 

Tal esquadro analítico foi utilizado também por ocasião do julgamento do Agravo de Instrumento n. 060009124, Relator Min. Luís Roberto Barroso:

DIREITO ELEITORAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL COM AGRAVO. ELEIÇÕES 2018. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. NÃO CONFIGURAÇÃO. DESPROVIMENTO. 1. Agravo interno contra decisão monocrática que negou seguimento a agravo nos próprios autos interposto para impugnar decisão de inadmissão de recurso especial eleitoral.

2. Na análise de casos de propaganda eleitoral antecipada, é necessário, em primeiro lugar, determinar se a mensagem veiculada tem conteúdo eleitoral, isto é, relacionado com a disputa.

3. Reconhecido o caráter eleitoral da propaganda, deve–se observar três parâmetros alternativos para concluir pela existência de propaganda eleitoral antecipada ilícita: (i) a presença de pedido explícito de voto; (ii) a utilização de formas proscritas durante o período oficial de propaganda; ou (iii) a violação ao princípio da igualdade de oportunidades entre os candidatos.

4. No caso, conforme já destacado na decisão agravada, (i) a expressão "conclamando à todos [sic] uma união total por Calçoene" não traduz pedido explícito de votos, bem como (ii) o acórdão regional não traz informações sobre o número de pessoas que tiveram acesso à publicação ou sobre eventual reiteração da conduta, de modo que não há como concluir pela mácula ao princípio da igualdade de oportunidades. Ademais, o impulsionamento de publicação na rede social Facebook não é vedado no período de campanha, mas, sim, permitido na forma do art. 57–C da Lei nº 9.504/1997.

5. Na ausência de conteúdo eleitoral, ou, ainda, de pedido explícito de votos, de uso de formas proscritas durante o período oficial de propaganda e de qualquer mácula ao princípio da igualdade de oportunidades, deve–se afastar a configuração de propaganda eleitoral antecipada ilícita, nos termos do art. 36–A da Lei nº 9.504/1997.6. Agravo interno a que se nega provimento.

(Agravo de Instrumento n. 060009124, Acórdão, Relator Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 25, Data 05.02.2020.) (Grifo nosso)

 

Em resumo, a tendência do TSE é de restringir os atos de pré-campanha pelo conteúdo (vedação do pedido explícito de voto e das “palavras mágicas” equivalentes) e forma (vetando atos de pré-campanha por formas proibidas de propaganda na campanha eleitoral), apontando uma postura de exame do caso concreto, dos custos da publicidade (especialmente quando a forma de pré-campanha extrapolar o limite do candidato médio).

E torna-se mister levar em consideração a evolução legislativa e jurisprudencial, inclusive em virtude dos arts. 926 e 927 do CPC, que apregoam a uniformização de jurisprudência.

Nessa quadra, na hipótese vertente, a sentença recorrida encontra-se em conformidade com a disciplina legal acerca da matéria.

Outrossim, semelhantemente ao caso dos autos (aqui, número da pretensa candidatura, e acolá, número do partido), destaco jurisprudência do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro cuja decisão sopesou as circunstâncias em que não caberia vedar a divulgação do número do partido durante a pré-campanha, como se vê:

Sobre a veiculação da imagem do candidato ao número do partido, a Colenda Corte entende que esse binômio, por si só, não caracteriza propaganda eleitoral. Confira-se: “Com efeito, se é certo que a orientação mais recente seja majoritariamente no sentido de que a mera menção à possível candidatura, com indicação do número do partido, é insuficiente para a caracterização do ilícito, é igualmente certo que alguns casos, absolutamente peculiares, foram qualificados pelo colegiado como propaganda eleitoral extemporânea. A divergência de entendimento, no mais das vezes, é motivada pela existência (ou não) de elementos que aproximam a manifestação mais da antecipação de campanha de forma velada, do que de mera circulação de ideias”.

(...)

Embora a jurisprudência desta Corte esteja sendo aperfeiçoada para estabelecer critérios mais precisos acerca dos limites de incidência do preceito legal em destaque, não se pode condicionar qualquer manifestação a ser proferida pelo cidadão a esses parâmetros ainda indefinidos.

Nessas situações, afigura-se mais adequado prestigiar os preceitos constitucionais estampados no art. 5º, IV e IX, da Constituição Federal, segundo os quais é livre a manifestação de pensamento, vedado o anonimato, e de comunicação, não sujeita a licença ou censura prévia.

No ponto, ressalto que, de acordo com o Supremo Tribunal Federal, “a Constituição do Brasil proíbe qualquer censura. O exercício do direito à liberdade de expressão não pode ser cerceado pelo Estado ou por particular” (ADI 4.815, rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJE de 1º.2.2016).”

(...)

(TRE-RJ - RP: 060023063 RIO DE JANEIRO - RJ, Relator: CRISTINA SERRA FEIJÓ, Data de Julgamento: 04.06.2018, Data de Publicação: DJERJ - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-RJ, Tomo 131, Data 15.06.2018.)

 

Logo, esse binômio da veiculação da imagem da candidata com a mera menção à possível candidatura junto do número com que pretenderia concorrer, por si só, não caracteriza propaganda eleitoral, sendo insuficiente para a caracterização do ilícito.

Assim sendo, entendo que os dizeres apenas se restringiram, em suma, a mencionar a indicação de pretensa candidatura, embora tenham agregado referência numérica àquela.

Portanto, a conduta coadunou-se com as determinações legais do art. 36-A da Lei das Eleições, pois, antes do período de campanha, é possível aos pré-candidatos divulgarem sua futura candidatura e suas qualidades pessoais.

Nesse sentido, não restou evidenciado o claro intuito de antecipar a propaganda eleitoral e, por conseguinte, não tendo ocorrido o desequilíbrio do pleito que se aproxima, não feriu o princípio da isonomia, que orienta todo o processo eleitoral.

À vista das considerações acima expostas, entendo que não restou demonstrado que as postagens na rede social Instagram se caracterizaram como propaganda eleitoral extemporânea, sendo, portanto, regulares.

Assim, por ser a conduta da recorrida lícita, correto o corolário lógico-jurídico da improcedência da representação, de forma que deve ser mantida a decisão a quo.

 

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.

É como voto, Senhor Presidente.