REl - 0600152-61.2020.6.21.0080 - Voto Relator(a) - Sessão: 20/10/2020 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo. O prazo para interposição de recurso contra sentença proferida em representação sobre propaganda eleitoral irregular é de 1 (um) dia, nos termos do art. 96, § 8º, da Lei n. 9.504/97, em leitura conjunta com o art. 22 da Resolução TSE n. 23.608/19.

No mérito, a controvérsia está adstrita à análise da existência de propaganda antecipada, de cunho alegadamente negativo, veiculada por perfil que utiliza pseudônimo.

Inicialmente, colaciono excerto do relatório do juízo sentenciante:

COLIGAÇÃO JUNTOS SOMOS + FORTES, já qualificada, ajuizou representação contra PSEUDÔNIMO JACOB RHEINGANTZ, página de rede social, identidade e qualificação desconhecida e FACEBOOK SERVICOS ONLINE DO BRASIL LTDA., narrando, em síntese, que, no 1º/10/2020, publicou vídeo na rede social Facebook, assumindo o compromisso de terminar as obras que estão paradas, independentemente do partido que as começou. No dia seguinte, pseudônimo Jacob, página do Facebook, comentou o vídeo postado, questionando o que o candidato faria para atingir o fim proposto no vídeo, e, após, atacou o candidato, aduzindo que este recebia valores sem trabalhar. Salientou, ainda, que, analisando mencionado perfil da rede social, verificou a reiteração de ofensas ao candidato da coligação, pois, em 04/09/2020, realizou postagem aduzindo que tal concorrente passou 04 anos recebendo sem trabalhar. Posteriormente, em 06/10/2020, o perfil voltou a realizar postagens mencionando a ausência de trabalho do candidato durante o período que integrou o executivo municipal. Nessas circunstâncias, sustentou que a livre manifestação do pensamento encontra restrição no anonimato, de modo que as mencionadas publicações, por terem sido feitas por perfil anônimo, devem ser retiradas da rede social Facebook, assim como deve ser imposta multa ao autor das postagens, na forma dos arts. 57-D, §§2º e 3º da Lei 9.504/97. Além disso, ressaltou que a narrativa de que o candidato recebeu sem trabalhar é ato de improbidade administrativa, o que, então, configuraria crime eleitoral de difamação. Ainda, considerando que a postagem ocorreu em 04/09/2020, houve a realização de propaganda eleitoral negativa antecipada. Ao final, requereu, liminarmente, a retirada imediata das publicações referidas e o fornecimento da identidade do criador do perfil, ID de acesso e horários de criação. No mérito, postulou a condenação do responsável pelo perfil anônimo por propaganda eleitoral negativa anônima e propaganda eleitoral negativa antecipada.

 

Note-se o teor das publicações, cujas “URLs” encontram-se disponíveis nos autos virtuais:

“Maldito Rudinei. Não tinha essa informação. Me desculpe. Sempre pensei que o senhor ainda fizesse parte da administração. Como não faz mais, isso gerou uma economia de, com encargos, por volta de R$ 15 mil por mês ao Município. Isso, em 4 anos dá mais de R$700 mil. Certamente o atual prefeito poderia ter utilizado esse dinheiro para concluir pelo menos algumas dessas obrigado pelo esclarecimento, e desculpe pelo equívoco.’

“Bom dia. Quem é que resolveu aparecer p/trabalhar depois de tanto tempo sumido? Quem respondeu vice-prefeito, errou. É o sol.”

“Esse pode gerar economia aos cofres do Município. Passou quatro anos recebendo sem trabalhar, então, se eleito, nada mais justo que trabalhe sem receber.”

 

E a coligação recorrente sustenta, em resumo, que “resta clara a propaganda negativa antecipada” contra o candidato que a representa, “Tonho”, não se tratando de sarcasmo ou de crítica, mas de sérias acusações sobre a pessoa do candidato que, ao exercer o cargo de vice-prefeito, não teria cumprido suas funções, e praticado ato de improbidade administrativa.

Ainda conforme o recorrente, as circunstâncias manchariam a honra do candidato, ao descrevê-lo como um “usurpador dos cofres públicos”.

Antecipo que não procede. A sentença é irretocável.

Isso porque o caso dos autos não é de extrapolação do regular exercício da liberdade de expressão, ainda que sob a utilização de pseudônimo (tema que adiante será abordado).

Trata-se, não há como negar, de crítica dura, ácida: o ocupante de determinado cargo público não trabalharia, seria um peso para os cofres públicos, em resumo. Ocorre, contudo, que o TSE tem assentado que críticas, ainda que veementes, são naturais do embate político, cabendo aos competidores eleitorais buscar, no espaço a eles franqueado de forma ordinária, responder às acusações.

E desde que não haja pedido expresso de voto – como no caso sob análise –, as manifestações contrárias a ideologias ou gestões administrativas não constituem, em si mesmas, propaganda eleitoral negativa extemporânea, incluindo-se no permissivo legal do art. 36-A, inc. V, da Lei n. 9.504/97, com a redação dada pela Lei n. 13.165/15.

A respeito da excludente de propaganda eleitoral antecipada prevista no inc. V do art. 36-A da Lei das Eleições, Rodrigo López Zilio leciona:

A nova legislação confere uma prevalência ao direito à liberdade de expressão, prestigiando a antecipação dos debates políticos. A livre circulação de ideias ganha um revelo mais substancial nas campanhas eleitorais. Essa antecipação dos debates também tem a função de consolidar a formação da vontade política dos eleitores, mas somente se equaciona adequadamente quando não serve como um instrumento ainda mais desigualador entre os candidatos. (...)

(...)

O dispositivo privilegia o exercício da liberdade constitucional de expressão e incentiva o direito de participação do cidadão na formação da vontade política do eleitorado. Todas as formas de divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas são admitidas, inclusive pelas redes sociais. Essa divulgação deve ser um posicionamento pessoal oriundo de qualquer pessoa física (mesmo candidato de fato).

(...)

(Direito Eleitoral, 5ª ed., Editora: Verbo Jurídico, 2016, pp. 337-338 e 345-348.)

 

Destaco, ademais, que a jurisprudência desta Corte Eleitoral se firmou no sentido de que posicionamentos pessoais, ainda que contundentes, desde que não importem ofensa à honra pessoal, fazem parte do jogo político:

RECURSO. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. ELEIÇÕES 2018. IMPROCEDÊNCIA. PEDIDO LIMINAR PARA REMOÇÃO DO MATERIAL INDEFERIDO. INTERNET. VEICULAÇÃO DE VÍDEO. FACEBOOK. ALEGADO CONTEÚDO INVERÍDICO. CRÍTICAS DIRIGIDAS A FIGURA PÚBLICA. VEDADO CERCEAMENTO. IMPROCEDÊNCIA. DESPROVIMENTO.

Alegada postagem de mensagem na internet com conteúdo tendencioso e inverídico. O pedido liminar de remoção do material da internet foi indeferido com fundamento na garantia do exercício da liberdade de expressão.

Verificada a presença de forte crítica política com relação a atuação do candidato como chefe do poder executivo, no período de 2009 até 2016, em relação a obras realizadas no hospital municipal. Não evidenciada agressão à honra pessoal do candidato ou da agremiação. Críticas dirigidas a postura de homem público, exposto à análise do eleitor, o que não pode ser objeto de cerceamento, sob pena de violação ao princípio democrático.

Esta corte assentou entendimento de que o exercício da liberdade de expressão é especialmente amplificado no período eleitoral, uma vez que a discussão sobre a capacidade e idoneidade dos candidatos é de interesse público, sendo necessária ao debate eleitoral, prevalecendo o disposto no art. 33 da Resolução TSE n. 23.551/17, que impõe a atuação da Justiça Eleitoral com a menor interferência possível no debate democrático.

Desprovimento.

(Rp 0601991-41.2018.6.21.0000. Rel. Des. El. Aux. Jorge Alberto Schreiner Pestana. Julgado em 04.10.2018, unânime.)

 

A título de desfecho, gizo que, como bem indicado pelo parecer da d. Procuradoria Regional Eleitoral, a questão do alegado anonimato foi devidamente tratada pela sentença – pois o perfil, na verdade, utiliza um pseudônimo ao veicular manifestações –, de forma que a “ausência de identificação imediata do usuário responsável não constitui circunstância suficiente para a quebra de sigilo de dados, conforme o art. 40, § 2º, da Resolução n. 23.610/19”.

E, como a aferição do caso concreto é dispensável na questão enfrentada, ante a ausência de prática desobediente às normas de regência, não há fundamento para a quebra de dados, providência que seria indicada apenas para atribuir responsabilidade a praticante de ato ilícito, o que não é o caso.

Ante o exposto, VOTO por NEGAR PROVIMENTO ao recurso e para manter a sentença pelos seus próprios fundamentos.