REl - 0600042-71.2020.6.21.0077 - Voto Relator(a) - Sessão: 20/10/2020 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade

Os recurso são adequados, tempestivos e comportam conhecimento.

Da Preliminar de Extinção do Feito

Ambos os recorrentes suscitam preliminar de não conhecimento da petição inicial, tendo em vista que a peça não indicou a URL específica da postagem, em contrariedade ao determinado no art. 17, inc. III, da Resolução TSE n. 23.608/19.

Por ocasião do julgamento do RE n. 0600018-59.2020.6.21.0007, de relatoria do ilustre Des. Eleitoral Miguel Antônio Silveira Ramos, sessão de 03.9.2020, este Tribunal entendeu que a questão alusiva à existência e à disponibilidade da postagem deve ser analisada com o mérito da demanda, no cotejo das demais provas acostadas aos autos, conforme ementa que transcrevo:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL EXTEMPORÂNEA. FACEBOOK. REQUISITO PARA PETIÇÃO INICIAL – URL – NÃO PREENCHIDO. ART. 17, INC. III e § 2º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.608/19. CONJUNTO PROBATÓRIO INSUFICIENTE. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra decisão que julgou improcedente a representação por propaganda extemporânea.

2. Conforme disposto no art. 17, inc. III e § 2º, da Resolução TSE n. 23.608/19, a petição inicial da representação relativa à propaganda irregular veiculada em ambiente de internet será instruída, sob pena de não conhecimento, “com a identificação do endereço da postagem (URL ou, caso inexistente esta, URI ou URN) e a prova de que a pessoa indicada para figurar como representado é o seu autor", “cabendo ao órgão judicial competente aferir se ficou demonstrada a efetiva disponibilização do conteúdo no momento em que acessada a página da internet”.

3. Na hipótese, a petição inicial faz menção a diversas publicações de internet consideradas ofensivas pelos representantes, mas não contém, em relação a qualquer dessas publicações, a indicação da URL para que o conteúdo alegadamente ilícito possa ser verificado pela Justiça Eleitoral.

4. Tratando-se de publicação realizada na rede social Facebook, a qual permite a criação de múltiplas páginas com nomes idênticos ou muito semelhantes, e de pedido de remoção de conteúdo veiculado por meio de vídeos e textos, a correta indicação do endereço eletrônico do conteúdo irregular se mostra ainda mais necessária. Não cabe à Justiça Eleitoral a realização de pesquisas na rede mundial de computadores para suprir o ônus que compete aos representantes em indicar o endereço eletrônico das publicações.

5. Conjunto probatório insuficiente para demonstrar a ocorrência dos fatos descritos na inicial, sendo forçoso manter a sentença de improcedência dos pleitos exordiais.

6. Provimento negado.

 

Com essas considerações, afasto a prefacial de extinção da demanda.

Do Mérito

No mérito, a controvérsia circunscreve-se à análise da existência de propaganda eleitoral antecipada atribuída a AGNES CRISTINA WITT GOMES, que publicou, em seu perfil no Facebook, em período anterior ao permitido para propaganda eleitoral, postagem com o seguinte texto:

Com humildade, honestidade e transparência quero representar a força da Mulher Itatiense, conto com cada uma de vocês. Sou pré candidata a vereadora. SEREI TUA VOZ!

 

Conforme o art. 36 da Lei n. 9.504/97, com as alterações trazidas pela Emenda Constitucional n. 107/20, a propaganda eleitoral somente é permitida após 26 de setembro do presente ano, inclusive na internet.

Por outro lado, como é cediço, a Lei n. 13.165/15, ao modificar a redação do art. 36-A da Lei n. 9.504/97, conferiu maior liberdade no período de pré-campanha. Assim, nos termos do dispositivo, são autorizadas as divulgações que contenham menção à pretensa candidatura, a exaltação de qualidades pessoais dos candidatos, bem como do posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive nas redes sociais, entre outros, sendo imperioso que não envolvam pedido explícito de voto.

Interpretando o dispositivo em comento, o TSE, no julgamento do AgRg-AI n. 924/SP, em 26.06.2018, de relatoria do Ministro Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, estabeleceu os critérios hermenêuticos para a caracterização da propaganda eleitoral que transborde o permissivo legal para a pré-campanha, ficando assentado, no voto do e. Ministro Luiz Fux, que:

“(a) o pedido explícito de votos, entendido em termos estritos, caracteriza a realização de propaganda antecipada irregular, independentemente da forma utilizada ou da existência de dispêndio de recursos;

(b) os atos publicitários não eleitorais, assim entendidos aqueles sem qualquer conteúdo direta ou indiretamente relacionados com a disputa, consistem em ‘indiferentes eleitorais’, situando-se, portanto, fora da alçada desta Justiça Especializada;

(c) o uso de elementos classicamente reconhecidos como caracterizadores de propaganda desacompanhado de pedido explícito e direto de votos, não enseja a irregularidade ‘per se’, e

(d) todavia, a opção pela exaltação de qualidades próprias para o exercício de mandato, assim como a divulgação de plataformas de campanha ou planos de governo acarreta, sobretudo, quando a forma de manifestação possua uma expressão econômica minimamente relevante, os seguintes ônus e exigências: (i) impossibilidade de utilização de formas proscritas durante o período oficial de propaganda (outdoor, brindes, etc); e (ii) respeito ao alcance das possibilidades do pré-candidato médio”.

 

Nessa senda, é necessário, em primeiro lugar, determinar se a mensagem veiculada possui conteúdo eleitoral, isso é, se está relacionada com a disputa. Caso contrário, constituirá um “indiferente eleitoral”, estando fora do alcance da Justiça Eleitoral.

Ressalta-se que a propaganda eleitoral antecipada também será reconhecida pelo uso de elementos que traduzam o pedido explícito de votos. Desse modo, "o pedido explícito de votos pode ser identificado pelo uso de determinadas 'palavras mágicas', como, por exemplo, 'apoiem' e 'elejam', que nos levem a concluir que o emissor está defendendo publicamente a sua vitória" (AgResp n. 29-31, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 3.12.2018).

Outrossim, ainda que ausente o pedido explícito de votos, haverá propaganda extemporânea com a utilização de formas proscritas durante o período oficial de propaganda ou quando ocorrer a violação ao princípio da igualdade de oportunidades entre os candidatos, consubstanciado no uso de meios cuja expressão econômica ultrapasse as possibilidades de realização do pré-candidato médio.

Esses parâmetros foram explicitados igualmente em recente julgado do TSE:

DIREITO ELEITORAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL COM AGRAVO. ELEIÇÕES 2018. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. NÃO CONFIGURAÇÃO. DESPROVIMENTO. 1. Agravo interno contra decisão monocrática que negou seguimento a agravo nos próprios autos interposto para impugnar decisão de inadmissão de recurso especial eleitoral.

2. Na análise de casos de propaganda eleitoral antecipada, é necessário, em primeiro lugar, determinar se a mensagem veiculada tem conteúdo eleitoral, isto é, relacionado com a disputa.

3. Reconhecido o caráter eleitoral da propaganda, deve–se observar três parâmetros alternativos para concluir pela existência de propaganda eleitoral antecipada ilícita: (i) a presença de pedido explícito de voto; (ii) a utilização de formas proscritas durante o período oficial de propaganda; ou (iii) a violação ao princípio da igualdade de oportunidades entre os candidatos.

4. No caso, conforme já destacado na decisão agravada, (i) a expressão "conclamando à todos [sic] uma união total por Calçoene" não traduz pedido explícito de votos, bem como (ii) o acórdão regional não traz informações sobre o número de pessoas que tiveram acesso à publicação ou sobre eventual reiteração da conduta, de modo que não há como concluir pela mácula ao princípio da igualdade de oportunidades. Ademais, o impulsionamento de publicação na rede social Facebook não é vedado no período de campanha, mas, sim, permitido na forma do art. 57–C da Lei nº 9.504/1997.

5. Na ausência de conteúdo eleitoral, ou, ainda, de pedido explícito de votos, de uso de formas proscritas durante o período oficial de propaganda e de qualquer mácula ao princípio da igualdade de oportunidades, deve–se afastar a configuração de propaganda eleitoral antecipada ilícita, nos termos do art. 36–A da Lei nº 9.504/1997.6. Agravo interno a que se nega provimento.

(Agravo de Instrumento n. 060009124, Acórdão, Relator Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 25, Data: 05.02.2020.) (Grifei.)

 

Postas essas notas introdutórias, passo a analisar a hipótese fática.

Como se constata nos autos, não houve pedido explícito de voto pela pré-candidata Agnes Cristina Witt Gomes, sequer o uso de elementos análogos que poderiam ser compreendidos com essa finalidade, a exemplo das magic words.

Com efeito, a publicação consubstancia mero pedido de apoio político, informando sua pré-candidatura à vereança e a intenção de representar as mulheres do município de Itati, nos termos facultados pelo art. 36-A, caput, inc. V e § 2º, da Lei n. 9.504/97, que permite, inclusive na internet, "o pedido de apoio político e a divulgação da pré-candidatura, das ações políticas desenvolvidas e das que se pretende desenvolver", desde que ausente o pedido explícito de voto.

Anoto, ainda, que a manifestação não possui expressão econômica relevante, pois consiste em simples postagem em página pessoal, não foi objeto de impulsionamento e, em tudo, está adequada àquela manifestação regularmente realizável pelo “candidato médio”, com preservação do princípio da igualdade de oportunidades entre os concorrentes.

Embora o tema de propaganda eleitoral mereça abordagem individualizada, cabe destacar que esta Corte, recentemente, em julgamento de caso semelhante, assentou que simples pedido de apoio na rede Facebook não extrapola o limite das possibilidades conferidas ao pré-candidato, consoante ementa que transcrevo:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. ART. 36-A, § 2ª, DA LEI DAS ELEIÇÕES. DIVULGAÇÃO DE PRÉ-CANDIDATURA E PEDIDO DE APOIO POLÍTICO. REDE SOCIAL. FACEBOOK. CONDUTA LÍCITA E PERMITIDA. REFORMA DA SENTENÇA. PROVIMENTO.

1. Prefacial. O prazo para interposição de recurso contra sentença proferida em representação sobre propaganda eleitoral irregular é de 1 (um) dia, nos termos do art. 96, § 8º, da Lei n. 9.504/97, c/c o art. 22 da Resolução TSE n. 23.608/19. Ainda que interposta fora do prazo, a irresignação deve ser conhecida, de modo a evitar prejuízo à parte, cujo patrono foi induzido em erro pelo prazo assinalado pelo juízo eleitoral.

2. Insurgência contra decisão de piso que jugou procedente a representação por propaganda extemporânea, ao entendimento de que restou caracterizada a captação de votos de forma antecipada, ferindo a igualdade de oportunidades entre os candidatos.

3. A edição da Lei n. 13.165/15 autorizou a menção à pretensa candidatura e a exaltação das qualidade pessoais dos pré-candidatos, vedando apenas o pedido explícito de voto (art. 36-A, caput, da Lei n. 9.504/97). O motivo dessa maior liberdade por ocasião da pré-campanha decorreu da redução do período de campanha propriamente dita, anteriormente permitida a partir de 5 de julho do ano da eleição e que passou a ser após o dia 15 de agosto. Excepcionalmente, neste pleito de 2020, postergada para 27 de setembro em razão da pandemia relacionada à Covid-19 (EC 107/2020).

4. O § 2º do art. 36-A da Lei das Eleições autoriza o pedido de apoio político e a divulgação da pré-candidatura e das ações políticas que se pretende desenvolver, quando da divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive nas redes sociais. Nesse sentido, e nos termos da jurisprudência do TSE, a exposição de ideias em redes sociais e todo e qualquer meio que viabilize a difusão de informações, além de ir ao encontro da norma jurídica, contribui para a informação do eleitor, permitindo a igualdade de oportunidades e atendendo ao direito de liberdade de expressão.

5. Provimento do recurso, para reformar a sentença e julgar improcedente a representação.

(TRE-RS - REl 0600013-29.2020.6.21.0042, Relator Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, sessão de 08.9.2020.) (Grifei.)

 

Desse modo, na linha encampada pela Procuradoria Regional Eleitoral, não há que se falar em propaganda eleitoral irregular, impondo-se a reforma da sentença condenatória.

 

Ante o exposto, VOTO pelo provimento de ambos os recursos, para o fim de reformar a sentença e julgar improcedente a representação.