REl - 0600023-59.2020.6.21.0079 - Voto Relator(a) - Sessão: 20/10/2020 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

Da Preliminar de Ilegitimidade Passiva do PDT

Os recorrentes sustentam a ilegitimidade passiva do Partido Democrático Trabalhista (PDT) de Manoel Viana, tendo em vista o alegado desconhecimento das publicações realizadas espontaneamente por seus simpatizantes.

A arguição, porém, não prospera.

Com efeito, o art. 241, caput, do Código Eleitoral prevê a solidariedade entre os partidos, candidatos e adeptos nos excessos praticados na propaganda eleitoral, verbis:

Art. 241. Toda propaganda eleitoral será realizada sob a responsabilidade dos partidos e por eles paga, imputando-lhes solidariedade nos excessos praticados pelos seus candidatos e adeptos.

 

O dispositivo tem por finalidade, justamente, assegurar o cumprimento da legislação eleitoral, ao criar o dever de fiscalização das agremiações em relação às divulgações eleitorais de seus candidatos e filiados.

A jurisprudência do TSE é firme nesse sentido, como se verifica dos seguintes julgados:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROPAGANDA IRREGULAR. ELEIÇÃO 2010. BEM PARTICULAR. EXTRAPOLAÇÃO. LIMITE LEGAL. DESPROVIMENTO.

1. Além de não impugnado o fundamento adotado pela Corte Regional para rejeitar a arguida nulidade de notificação, o que atrai a aplicação da Súmula nº 283/STF, a conclusão do TRE/DF está em consonância com o entendimento firmado neste Tribunal.

2. O art. 37, § 1º, da Lei nº 9.504/97, que dispõe sobre a necessidade de prévia notificação do candidato para fins de imposição de multa pela prática de propaganda eleitoral irregular, não se aplica à propaganda confeccionada em bem particular. Precedente.

3. Para alterar as conclusões do Tribunal Regional acerca do impacto visual da propaganda, que ultrapassou o limite de quatro metros quadrados, seria necessário revolver elementos fático-probatórios, providência vedada nas vias recursais extraordinárias (Súmulas nos 7/STJ e 279).

4. Tratando-se de propaganda realizada em bem particular, sua retirada ou regularização não afasta a incidência de multa. Precedentes.

5. Nos termos do art. 241 do Código Eleitoral, os partidos políticos respondem solidariamente pelos excessos praticados por seus candidatos e adeptos no que tange à propaganda eleitoral. Precedente.

6. Agravo regimental desprovido.

(Agravo de Instrumento nº 282212, Acórdão, Relator Min. Dias Toffoli, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 104, Data: 05.6.2013, p. 48/49.) (Grifei.)

 

Propaganda eleitoral irregular. Placas. Comitê de candidato. Bem particular. Retirada.

1. A retirada de propaganda em bem particular, que ultrapassa a dimensão de 4m², não afasta a aplicação da multa e não enseja a perda superveniente do interesse de agir do autor da representação.

2. Conforme jurisprudência consolidada no Tribunal, as regras atinentes à propaganda eleitoral aplicam-se aos comitês de partidos, coligações e candidatos.

3. A permissão estabelecida no art. 244, I, do Código Eleitoral - no que se refere à designação do nome do partido em sua sede ou dependência - não pode ser invocada para afastar proibições contidas na Lei nº 9.504/97.

4. Nos termos do art. 241 do Código Eleitoral, os partidos políticos respondem solidariamente pelos excessos praticados por seus candidatos e adeptos no que tange à propaganda eleitoral, regra que objetiva assegurar o cumprimento da legislação eleitoral, obrigando as agremiações a fiscalizar seus candidatos e filiados.

Agravo regimental não provido.

(Agravo de Instrumento n. 385447, Acórdão, Relator Min. Arnaldo Versiani, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 10.5.2011, p. 44.) (Grifei.)

 

Evidentemente, o dispositivo em comento não representa uma responsabilização universal e objetiva da agremiação, devendo ser compreendido em conjunto com o art. 96, § 11, da Lei n. 9.504/97, cuja redação estabelece que “as sanções aplicadas a candidato em razão do descumprimento de disposições desta Lei não se estendem ao respectivo partido, mesmo na hipótese de esse ter se beneficiado da conduta, salvo quando comprovada a sua participação”.

Assim, as alegações relativas à ausência de participação e ao desconhecimento da conduta são pertinentes ao próprio mérito da demanda em relação à agremiação e devem ser analisadas no momento próprio.

Dessa forma, deve ser reconhecida a legitimidade passiva do Partido Democrático Trabalhista (PDT) de Manoel Viana para integrar a lide.

Do Mérito

No mérito, os eleitores representados utilizaram, anteriormente ao dia 26.8.2020, em suas fotos de perfis na rede social Facebook, a aplicação de uma moldura com os dizeres "Eu apoio para pré-candidatos Gustavo Prefeito Careca Vice", contendo, também, o símbolo alusivo ao PDT e o número 12, correspondente ao partido.

Reproduzo, conforme constou na petição inicial, a postagem realizada por Daniele Cáceres, que bem ilustra as peculiaridades comuns a todas as demais publicações, a fim de possibilitar uma melhor compreensão da controvérsia:

 

 

De acordo com o art. 36 da Lei n. 9.504/97, com as alterações trazidas pela Emenda Constitucional n. 107/20, a propaganda eleitoral somente é permitida após 26 de setembro do presente ano, inclusive na internet.

Por outro lado, como cediço, a Lei n. 13.165/15, ao modificar a redação do art. 36-A da Lei n. 9.504/97, conferiu maior liberdade no período de pré-campanha. Assim, nos termos do dispositivo, são autorizadas divulgações que contenham menção à pretensa candidatura, que exaltem as qualidades pessoais dos candidatos, bem como divulguem o posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive nas redes sociais, entre outros, sendo imperioso que não envolvam pedido explícito de voto.

Interpretando o dispositivo em comento, o TSE, no julgamento do AgRg-AI n. 924/SP, em 26.6.2018, de relatoria do Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, estabeleceu os critérios hermenêuticos para a caracterização da propaganda eleitoral que transborde o permissivo legal para a pré-campanha, ficando assentado, no voto do e. Ministro Luiz Fux, que:

“(a) o pedido explícito de votos, entendido em termos estritos, caracteriza a realização de propaganda antecipada irregular, independentemente da forma utilizada ou da existência de dispêndio de recursos;

(b) os atos publicitários não eleitorais, assim entendidos aqueles sem qualquer conteúdo direta ou indiretamente relacionados com a disputa, consistem em ‘indiferentes eleitorais’, situando-se, portanto, fora da alçada desta Justiça Especializada;

(c) o uso de elementos classicamente reconhecidos como caracterizadores de propaganda desacompanhado de pedido explícito e direto de votos, não enseja a irregularidade ‘per se’, e

(d) todavia, a opção pela exaltação de qualidades próprias para o exercício de mandato, assim como a divulgação de plataformas de campanha ou planos de governo acarreta, sobretudo, quando a forma de manifestação possua uma expressão econômica minimamente relevante, os seguintes ônus e exigências: (i) impossibilidade de utilização de formas proscritas durante o período oficial de propaganda (outdoor, brindes, etc); e (ii) respeito ao alcance das possibilidades do pré-candidato médio”.

 

Nessa senda, é necessário, em primeiro lugar, determinar se a mensagem veiculada possui conteúdo eleitoral, isto é, se está relacionada com a disputa. Caso contrário, constituirá um “indiferente eleitoral”, estando fora do alcance da Justiça Eleitoral.

Ressalta-se que a propaganda eleitoral antecipada também será identificada pelo uso de elementos que traduzam o pedido explícito de votos. Desse modo, "o pedido explícito de votos pode ser identificado pelo uso de determinadas 'palavras mágicas', como, por exemplo, 'apoiem' e 'elejam', que nos levem a concluir que o emissor está defendendo publicamente a sua vitória" (AgResp n. 29-31, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 3.12.2018).

Outrossim, ainda que ausente o pedido explícito de votos, haverá propaganda extemporânea com a utilização de formas proscritas durante o período oficial de propaganda ou quando ocorrer a violação ao princípio da igualdade de oportunidades entre os candidatos, consubstanciado no uso de meios cuja expressão econômica ultrapassem as possibilidades de realização do pré-candidato médio.

Esses parâmetros foram explicitados igualmente em recente julgado do TSE:

DIREITO ELEITORAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL COM AGRAVO. ELEIÇÕES 2018. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. NÃO CONFIGURAÇÃO. DESPROVIMENTO. 1. Agravo interno contra decisão monocrática que negou seguimento a agravo nos próprios autos interposto para impugnar decisão de inadmissão de recurso especial eleitoral.

2. Na análise de casos de propaganda eleitoral antecipada, é necessário, em primeiro lugar, determinar se a mensagem veiculada tem conteúdo eleitoral, isto é, relacionado com a disputa.

3. Reconhecido o caráter eleitoral da propaganda, deve–se observar três parâmetros alternativos para concluir pela existência de propaganda eleitoral antecipada ilícita: (i) a presença de pedido explícito de voto; (ii) a utilização de formas proscritas durante o período oficial de propaganda; ou (iii) a violação ao princípio da igualdade de oportunidades entre os candidatos.

4. No caso, conforme já destacado na decisão agravada, (i) a expressão "conclamando à todos [sic] uma união total por Calçoene" não traduz pedido explícito de votos, bem como (ii) o acórdão regional não traz informações sobre o número de pessoas que tiveram acesso à publicação ou sobre eventual reiteração da conduta, de modo que não há como concluir pela mácula ao princípio da igualdade de oportunidades. Ademais, o impulsionamento de publicação na rede social Facebook não é vedado no período de campanha, mas, sim, permitido na forma do art. 57–C da Lei nº 9.504/1997.

5. Na ausência de conteúdo eleitoral, ou, ainda, de pedido explícito de votos, de uso de formas proscritas durante o período oficial de propaganda e de qualquer mácula ao princípio da igualdade de oportunidades, deve–se afastar a configuração de propaganda eleitoral antecipada ilícita, nos termos do art. 36–A da Lei nº 9.504/1997.6. Agravo interno a que se nega provimento. (Agravo de Instrumento nº 060009124, Acórdão, Relator(a) Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 25, Data: 05.2.2020.) (Grifei.)

 

Paralelamente, a Resolução TSE n. 23.610/19 estabeleceu que a livre manifestação do pensamento do eleitor na internet somente é passível de limitação quando ofender a honra ou a imagem ou divulgar fatos sabidamente inverídicos sobre candidatos, partidos ou coligações, ainda que antes do início do período da propaganda eleitoral, conforme dispositivos que transcrevo:

Art. 27. (...).

§ 1º A livre manifestação do pensamento do eleitor identificado ou identificável na internet somente é passível de limitação quando ofender a honra ou a imagem de candidatos, partidos ou coligações, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos.

§ 2º O disposto no § 1º deste artigo se aplica, inclusive, às manifestações ocorridas antes da data prevista no caput, ainda que delas conste mensagem de apoio ou crítica a partido político ou a candidato, próprias do debate político e democrático.

 

Como se percebe, a normatização privilegiou a liberdade do eleitor na difusão de ideias e opiniões na internet, sob a perspectiva de que a democracia está assentada na exposição e no confronto de propostas e concepções, em plena compatibilidade com o art. 5º, inc. IV, da CF/88, que consagra como garantia e direito individual a livre manifestação do pensamento, vedado o anonimato.

Desse modo, em proteção à liberdade de expressão e à discussão de ideias, "as manifestações identificadas dos eleitores na internet, verdadeiros detentores do poder democrático, somente são passíveis de limitação quando ocorrer ofensa à honra de terceiros ou divulgação de fatos sabidamente inverídicos" (REspe n. 2949/RJ, Relator: Min. Henrique Neves da Silva, DJE de 25.08.2014).

Nessa linha, o TSE tem sufragado que "as restrições impostas à propaganda eleitoral não afetam os direitos constitucionais de livre manifestação do pensamento e de liberdade de informação e comunicação (art. 220 da Constituição Federal), os quais devem ser interpretados em harmonia com os princípios da soberania popular e da garantia do sufrágio" (AI 115–64, rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 29.2.2016). No mesmo sentido: RESPE n. 060759889, Relator Min. Sergio Silveira Banhos, DJE de 05.12.2019.

Conclui-se que, ao eleitor protagonista do processo eleitoral e verdadeiro detentor da soberania popular, não devem ser impostas limitações senão aquelas referentes à honra dos demais eleitores, dos próprios candidatos, dos partidos políticos e as relativas à veracidade das informações divulgadas.

Retornando ao caso em exame, percebe-se não haver ilicitude nas postagens em tela quando individualmente consideradas, posto que é livremente permitida ao eleitor a manifestação aberta a respeito de suas predileções partidárias, bem como a exaltação dos nomes e das qualidades dos seus pré-candidatos preferenciais.

Por outro lado, o Ministério Público Eleitoral, na linha adotada pelo parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, sustenta que houve uma ação consertada pela agremiação partidária para divulgar as pré-candidaturas ao pleito majoritário entre diversos perfis da rede social, o que violaria a igualdade de oportunidades entre os pré-candidatos.

Conforme argumenta o recorrente, a ilicitude seria depreendida da identidade de layout das postagens e do fato de que os difusores são servidores públicos municipais, os quais teriam sido arregimentados para apoiar as pré-candidaturas.

Com a devida vênia, tenho que o argumento não é corroborado pelos elementos de prova disponíveis nestes autos.

Com efeito, a criação e o compartilhamento de "molduras" ou "temas" para fotos de perfil no Facebook consiste em ferramenta acessível a qualquer usuário na própria plataforma da rede social (https://www.facebook.com/frames/manage/), não exigindo técnicas especiais ou dispêndio de recursos para a criação e o compartilhamento do adereço digital personalizado.

Uma vez criado, esse recurso permanece disponível a todos os amigos ou seguidores daqueles que o utilizam, o que justifica a identidade de aparência das postagens.

Conforme se extrai da "Central de Ajuda" do Facebook (https://pt-br.facebook.com/help/1476775522631878):

É possível adicionar um tema à foto do perfil para demonstrar seu apoio a determinadas causas, para indicar que está participando de algum evento com temas, para mostrar seu feriado favorito e muito mais.

Como adicionar um tema

Para adicionar um tema à sua foto do perfil:

1 Acesse www.facebook.com/profilepicframes.

2 Selecione um tema no menu ou pesquise o tema que deseja usar.

3 Clique em Usar como foto do perfil para salvar.

 

Outrossim, não há razões para o descrédito da afirmação de que as manifestações de posicionamento político pessoal resultaram de ato voluntário e espontâneo de simpatizantes, que, seguidores do partido ou amigos de seus adeptos, anuíram, por vontade própria, ao uso do meio de manifestação de seu posicionamento político individual.

Com efeito, estão ausentes evidências de que os eleitores foram recrutados, coagidos, constrangidos ou sofreram qualquer forma de intimidação para a conduta. Sequer existem individualizações de suas profissões ou atividades a partir dos quais se pudesse estabelecer uma influência comum e superior a todos os representados.

Nessa medida, à míngua de provas consistentes em sentido diverso, deve ser privilegiada a presunção de boa-fé dos eleitores e a garantia da liberdade de suas manifestações na arena político-eleitoral, sob pena de indevido cerceamento do debate e da livre expressão ao próprio destinatário do processo democrático.

Colho, quanto ao ponto, a elucidativa doutrina de Aline Osório (Direito eleitoral e liberdade de expressão. Editora Fórum, 2017, p. 348-349), que bem apresenta os riscos decorrentes da excessiva intervenção da Justiça Eleitoral sobre os conteúdos divulgados por eleitores na internet:

Na maioria dos casos, estes não dispõem de recursos para contratar advogados, nem lucram com as manifestações na rede. Assim, as decisões da Justiça Eleitoral exercem um poderoso efeito silenciador de seu discurso, levando-os a não publicar manifestações políticas, com receio da responsabilização. A violação à liberdade de expressão é patente. E mais, a impraticabilidade do controle da Justiça Eleitoral sobre todas as manifestações na internet faz que a atuação mais rígida nos casos que chegam à Justiça Eleitoral produza uma violação à paridade de armas entre os candidatos. O controle e a punição são impostos de forma necessariamente seletiva, beneficiando os candidatos e partidos que ingressam com mais ações judiciais.

 

Dessa forma, não destoando as postagens da livre manifestação de pensamento e do direito à exposição de posicionamentos pessoais do eleitor em matéria política, inclusive em pré-campanha, e não havendo provas suficientes para a caracterização de qualquer ação relativamente ao uso de meios vedados ou não disponíveis ao pré-candidato médio, entendo que se impõe o provimento do recurso.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo provimento do recurso, a fim de julgar improcedente a representação eleitoral.