REl - 0600028-32.2020.6.21.0160 - Voto Relator(a) - Sessão: 19/10/2020 às 14:00

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a sentença recorrida julgou improcedente a pretensão do DIRETÓRIO MUNICIPAL do PARTIDO SOCIALISTA DOS TRABALHADORES UNIFICADO (PSTU) de PORTO ALEGRE/RS de acesso à quota de 10% do tempo de propaganda eleitoral gratuita em rádio e televisão, tendo em vista que o recorrente não logrou alcançar os parâmetros de representatividade parlamentar exigidos pelo art. 3º, parágrafo único, da Emenda Constitucional n. 97/17, cuja redação reproduzo:

Art. 3º O disposto no § 3º do art. 17 da Constituição Federal quanto ao acesso dos partidos políticos aos recursos do fundo partidário e à propaganda gratuita no rádio e na televisão aplicar-se-á a partir das eleições de 2030.

Parágrafo único. Terão acesso aos recursos do fundo partidário e à propaganda gratuita no rádio e na televisão os partidos políticos que:

I - na legislatura seguinte às eleições de 2018:

a) obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 1,5% (um e meio por cento) dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um mínimo de 1% (um por cento) dos votos válidos em cada uma delas; ou

b) tiverem elegido pelo menos nove Deputados Federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação;

Como se percebe, a emenda criou uma cláusula de desempenho, com exigências crescentes até o pleito de 2030, visando, gradualmente, restringir o acesso dos partidos que não atendam a determinados critérios de representatividade parlamentar aos recursos do Fundo Partidário e ao tempo gratuito de rádio e televisão.

Nesse trilhar, na legislatura seguinte às eleições de 2018, somente terá direito ao tempo gratuito de propaganda a agremiação que receber ao menos 1,5% dos votos válidos para a Câmara dos Deputados, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com o mínimo de 1% dos votos válidos em cada uma delas.

Não atingido esse patamar, o partido ainda poderá ter acesso do horário gratuito de propaganda se tiver elegido pelo menos 9 deputados federais, distribuídos em um terço das unidades da Federação.

Em atenção à norma, o TSE publicou a Portaria n. 722, de 24.9.2020, que aferiu e divulgou a representatividade dos partidos na Câmara dos Deputados para fins de distribuição do tempo da propaganda eleitoral gratuita na rádio e na televisão para as Eleições de 2020, concluindo que: "Os partidos PMN, PTC, DC, REDE, PCB, PCO, PMB, PRTB, PSTU e UP não terão acesso ao horário eleitoral gratuito nas Eleições 2020, em observância ao disposto no inciso I do parágrafo único do art. 3º da Emenda Constitucional n. 97/2017".

Nessa senda, não merece reparos a sentença recorrida.

Com efeito, ao contrário do que sustenta o Diretório Municipal do PSTU de Porto Alegre, a previsão de cláusula de desempenho não colide com o princípio do pluripartidarismo, pois não impede a existência da agremiação ou sua participação no pleito, podendo, inclusive, arrecadar recursos por doações eleitorais e promover atos de campanha de rua e na internet.

Em realidade, a medida somente obsta aos pequenos partidos a fruição de determinadas prerrogativas legais arcadas com recursos públicos.

Embora existam importantes críticas sobre os efeitos da medida na perpetuação dos partidos ora hegemônicos no poder, o principal desiderato da Emenda Constitucional n. 97/17 é combater a fragmentação e a dispersão partidária.

Nessa medida, é cediço que a multiplicidade de agremiações sem expressividade política ou eleitoral tem sido uma frequente preocupação no meio jurídico e político, pois se trata de conjuntura que, ao fomentar a criação de órgãos destituídos de matiz ideológica definida e de "legendas de aluguel", em nada contribui para o regime democrático e, inclusive, para a representação eleitoral das minorias.

Por elucidativa, acerca da validade da Emenda Constitucional em comento, transcrevo a doutrina de Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral. 7ª ed. Salvador: JusPodvm, 2020, p. 124):

A proliferação de partidos sem qualquer cunho ideológico, o desvirtuamento da finalidade dessas agremiações para a satisfação de interesses personalistas e as alterações sobre os critérios de distribuição das sobras (que preservam a eleição de candidatos com boa votação individual, mesmo que os partidos não obtenham o quociente eleitoral) se apresentam como novos ingredientes que podem ser considerados pelo STF em caso de análise da constitucionalidade da cláusula de desempenho. No atual momento político, tudo indica, a imposição de uma cláusula de barreira com critérios adequados e razoáveis significa a possibilidade de se apostar no aperfeiçoamento do sistema político-eleitoral, depurando-se eventuais distorções que tenham se formado a partir de uma leitura do texto constitucional lastreado em uma dogmática jurídica que se mostrou desconexa com a realidade dos fatos.

Em acréscimo, colho trecho do parecer emitido pela Procuradoria Regional Eleitoral que bem pontua a matéria aqui aduzida:

Dito isto, não vemos a inclusão da cláusula de barreira como tendente à abolição do pluralismo político, mas apenas uma tentativa de conferir racionalidade ao sistema político-partidário brasileiro em que a profusão de partidos sem qualquer representatividade, permitiu a criação de legendas sem ideologia clara ou idêntica a de outros partidos, destinadas muitas vezes apenas ao recebimento de recursos públicos e, em ano eleitoral, à coligação apenas para disponibilizar o seu tempo de rádio e televisão aos partidos coligados. As chamadas legendas de aluguel. Importante salientar, não é o caso do partido recorrente, notoriamente ideológico, mas é o fundamento pelo qual foi criada a cláusula de barreira.

Com essas considerações, afasto a alegação de inconstitucionalidade material ou violação de cláusula pétrea a impingir a nulidade do art. 3º da Emenda Constitucional n. 97/17.

Em relação à aplicação do art. 47 da Lei das Eleições, que, de acordo com as razões recursais, asseguraria ao partido político a participação em 10% do tempo de rádio e televisão a serem distribuídos de forma igualitária entre todos os partidos que possuem candidato, entendo que o argumento também não prospera.

Isso porque, a despeito da literalidade do dispositivo assegurar o direito à distribuição pleiteada, tendo sido declarado constitucional no julgamento da ADIn n. 5.487, julgado pelo STF em 25.8.2016, sua leitura atual deve se compatibilizar com as disposições trazidas na Emenda Constitucional n. 97/17 que, temporalmente posteriores e hierarquicamente superiores, disciplinaram a matéria de forma diversa.

Nessa esteira, o TSE editou a Resolução n. 23.610/19, que regulamenta as regras de distribuição do horário reservado à propaganda nas Eleições de 2020, prevendo o seguinte:

Art. 55. Os órgãos da Justiça Eleitoral distribuirão os horários reservados à propaganda de cada eleição entre os partidos políticos e as coligações que tenham candidato e que atendam ao disposto na Emenda Constitucional nº 97/2017, observados os seguintes critérios, tanto para distribuição em rede quanto para inserções (Lei nº 9.504/1997, art. 47, § 2º , e art. 51 ; e Emenda Constitucional nº 97/2017) :

I - 90% (noventa por cento) distribuídos proporcionalmente ao número de representantes na Câmara dos Deputados, considerando, no caso de coligações para as eleições majoritárias, o resultado da soma do número de representantes dos seis maiores partidos políticos que a integrem;

II - 10% (dez por cento) distribuídos igualitariamente.

(Grifei.)

Evitando desnecessária tautologia, tomo como razões de decidir a judiciosa análise realizada pelo douto magistrado da 161ª Zona Eleitoral, Dr. Leandro Figueira Martins (ID 7232283):

Conforme assinalado por José Afonso da Silva, a Constituição está situada“(...) no vértice do sistema jurídico do país”. Assim, “(...) todas as normas que integram a ordenação jurídica nacional só serão válidas se se conformarem com as normas da Constituição Federal” (SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. - 40. ed., rev. e atual. atualizada até a Emenda Constitucional n. 95, de 15.12.2016. - São Paulo: Malheiros, 2017, páginas 47 e 48).

Com efeito, impróprio utilizar o artigo 47, § 2º, inciso II, da Lei n. 9.504/97 como fonte geradora primária de direito claramente não concedido, em específico, por regra de natureza constitucional, ou seja, o artigo 17, § 3º, da CF/88, redação da EC n. 97/2017.

Na situação em tela, a CF/88, sem exceção, passou a estabelecer, de maneira induvidosa, parâmetros para o acesso gratuito de partidos políticos ao rádio e à televisão.

Embora a crítica na utilização da máxima no sentido de as disposições claras não comportarem interpretação, visto que, “Obscuras ou claras, deficientes ou perfeitas, ambíguas ou isentas de controvérsia, todas as frases jurídicas aparecem, aos modernos como suscetíveis de interpretação” (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. - 12 ed. - Rio de Janeiro: Forense, 1992, p. 35), o certo é que o legislador constitucional acabou por definir, sem qualquer exceção, limites para o acesso ao horário eleitoral gratuito.

Em outras palavras, o acesso gratuito ao rádio e à televisão ficou condicionado, a partir do definido na esfera constitucional, a um parâmetro mínimo de representatividade efetiva dos partidos no âmbito nacional.

Não se alcançado patamar de densidade representativa definido em nível constitucional, não há o direito pleiteado pelo partido autor, na medida em que a garantia aos “(...) 10% (dez por cento) distribuídos igualitariamente” (artigo 47, § 2º, inciso II, da Lei n. 9.504/97) pressupõe, logicamente, que exista atenção aos requisitos da CF/88, redação da EC n. 97/2017.

Logo, só concorrem aos “(...) 10% (dez por cento) distribuídos igualitariamente” (artigo 47, § 2º, inciso II, da Lei n. 9.504/97) os partidos que, na forma da CF/88, redação da EC n. 97/2017, têm acesso ao horário eleitoral gratuito.

Desse modo, estando materializado na Portaria TSE n. 722/2020, item 4 do seu anexo, que o partido impugnante, em razão de não observância ao previsto no inciso I do parágrafo único do artigo 3º da EC n. 97/2017, não tem direito de acesso ao horário eleitoral gratuito, a irresignação deduzida não merece acolhimento.

Assim, tendo em vista que o Diretório Municipal do PSTU de Porto Alegre não alcançou os parâmetros de desempenho exigidos pelo art. 3º, parágrafo único, inc. I, als. "a" ou "b", da EC n. 97/17, não faz jus à participação na distribuição do tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.