REl - 0600042-94.2020.6.21.0037 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/10/2020 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

O recurso é regular e tempestivo, de forma que comporta conhecimento.

Passo a examinar a preliminar de (i)legitimidade passiva.

Esclareço que o Diretório Municipal do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) de Rio Grande propôs representação eleitoral por propaganda negativa extemporânea em face de União dos Praças da Brigada Militar (UPBMRS), em razão de publicações realizadas em redes sociais que supostamente conclamariam eleitores a não votar em pré-candidato ao cargo de prefeito.

Com a citação por meio do número de WhatsApp indicado na inicial (ID 7040433), EDERSON DE OLIVEIRA RODRIGUES contestou o pedido, argumentando que o representante não se desincumbiu do ônus de comprovar que o recorrente representa o grupo demandado e que este coletivo sequer tem constituição enquanto associação.

A prova produzida nos autos é suficiente para atribuir a autoria do conteúdo das postagens a EDERSON DE OLIVEIRA RODRIGUES, que reconhece ser membro do coletivo demandado, além de aparentemente incentivar o compartilhamento do conteúdo em outras aplicações de internet.

Ainda que o recorrente não seja o único administrador da página que teria veiculado a suposta propaganda eleitoral negativa antecipada, seu nome consta nas imagens que foram veiculadas na petição inicial (Ederson Upbmrs Brigada) e se relacionam com a postagem impugnada, fazendo crer que possui estreita relação com a página em questão – União dos Praças da Brigada Militar (UPBMRS).

Assim, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva.

No mérito, a controvérsia cinge-se em verificar se a publicação do vídeo que acompanhou a inicial constitui propaganda negativa extemporânea na modalidade antecipada, pois veiculado em 06 de setembro, portanto anterior à data na qual passou a ser permitida a propaganda eleitoral para o pleito vindouro.

Pois bem.

Objetivando garantir a isonomia entre os candidatos, a normatização eleitoral proíbe a veiculação de propaganda eleitoral até 26 de setembro do corrente ano, conforme dispõe o inc. IV do art. 1º da Emenda Constitucional n. 107, de 02 de julho de 2020:

Art. 1º As eleições municipais previstas para outubro de 2020 realizar-se-ão no dia 15 de novembro, em primeiro turno, e no dia 29 de novembro de 2020, em segundo turno, onde houver, observado o disposto no § 4º deste artigo.

§ 1º Ficam estabelecidas, para as eleições de que trata o caput deste artigo, as seguintes datas:

[..]

IV - após 26 de setembro, para o início da propaganda eleitoral, inclusive na internet, conforme disposto nos arts. 36 e 57-A da Lei n. 9.504, de 30 de setembro de 1997, e no caput do art. 240 da Lei n. 4.737, de 15 de julho de 1965;

[..] (Grifei.)

Por conseguinte, o art. 3º da Resolução TSE n. 23.610/19 que regulamenta a propaganda eleitoral para as eleições de 2020, reproduzindo teor do art. 36-A da Lei n. 9.504/97, possibilita que os pretensos candidatos desenvolvam ações que, embora ocorram antes do aludido prazo, não configurem propaganda antecipada.

Assim, é possível que haja menção à pretensa candidatura, a exaltação de qualidades pessoais dos pré-candidatos, o pedido de apoio político, a divulgação das ações políticas desenvolvidas e das que se pretendem desenvolver, desde que não haja pedido explícito de voto:

Art. 3º Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet (Lei nº 9.504/1997, art. 36-A, caput, I a VII e §§):

I - a participação de filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates na rádio, na televisão e na internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, observado pelas emissoras de rádio e de televisão o dever de conferir tratamento isonômico;

II - a realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado e a expensas dos partidos políticos, para tratar da organização dos processos eleitorais, da discussão de políticas públicas, dos planos de governo ou das alianças partidárias visando às eleições, podendo tais atividades serem divulgadas pelos instrumentos de comunicação intrapartidária;

III - a realização de prévias partidárias e a respectiva distribuição de material informativo, a divulgação dos nomes dos filiados que participarão da disputa e a realização de debates entre os pré-candidatos;

IV - a divulgação de atos de parlamentares e de debates legislativos, desde que não se faça pedido de votos;

V - a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive em redes sociais, blogs, sítios eletrônicos pessoais e aplicativos (apps);

VI - a realização, a expensas de partido político, de reuniões de iniciativa da sociedade civil, de veículo ou meio de comunicação ou do próprio partido político, em qualquer localidade, para divulgar ideias, objetivos e propostas partidárias;

VII - campanha de arrecadação prévia de recursos na modalidade prevista no inciso IV do § 4º do art. 23 da Lei nº 9.504/1997.

§ 1º É vedada a transmissão ao vivo por emissoras de rádio e de televisão das prévias partidárias, sem prejuízo da cobertura dos meios de comunicação social (Lei nº 9.504/1997, art. 36-A, § 1º).

§ 2º Nas hipóteses dos incisos I a VII do caput, são permitidos o pedido de apoio político e a divulgação da pré-candidatura, das ações políticas desenvolvidas e das que se pretende desenvolver, observado o disposto no § 4º deste artigo (Lei nº 9.504/1997, art. 36-A, § 2º).

§ 3º O disposto no § 2º deste artigo não se aplica aos profissionais de comunicação social no exercício da profissão (Lei nº 9.504/1997, art. 36-A, § 3º).

§ 4º A campanha a que se refere o inciso VII deste artigo poderá ocorrer a partir de 15 de maio do ano da eleição, observadas a vedação a pedido de voto e as regras relativas à propaganda eleitoral na internet (Lei nº 9.504/1997, art. 22-A, § 3º; vide Consulta TSE nº 0600233-12.2018). (Grifei.)

Tem-se, assim, que antes do prazo mencionado, está vedado o pedido de voto e, por decorrência lógica, sua modalidade negativa, o pedido de “não voto”.

Nessa esteira, o Tribunal Superior Eleitoral já se posicionou no sentido de que a propaganda antecipada negativa também se configura por divulgação de “publicação, antes do período permitido, que ofende a honra de possível futuro candidato" (AgR–AI 2–64, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 22.9.2017).

A Resolução TSE n. 23.610/19, paralelamente, estabeleceu que a livre manifestação do pensamento somente é passível de limitação quando ofender a honra ou a imagem ou divulgar fatos sabidamente inverídicos sobre candidatos, partidos ou coligações, ainda que antes do início do período da propaganda eleitoral (art. 27, §§ 1º e 2º).

Fixados os conceitos e passando à análise do caso concreto, aponto que o vídeo que acompanhou a inicial representa uma montagem realizada com a fala do pré-candidato, na qual se descontextualiza um trecho de uma entrevista e se ressalta, mediante insistente repetição, os trechos “não tô com o voto da brigada” e “eu tô cagando e andando pra isso” (sic).

Na hipótese, a exploração reiterada de pequenos trechos descontextualizados de uma manifestação configuraram a propaganda antecipada negativa.

Extraio do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral a minuciosa análise realizada sobre a prova dos autos, a qual acolho como razões de decidir:

Nesse contexto, o áudio correto, que de fato traz a conversa travada (ID 7040033), inicia com a introdução de um locutor que se identificou como veterano dos brigadianos e parece corresponder à voz do interlocutor 1 do diálogo descrito na sequência. Em tal apresentação se afirma a ida ao gabinete do deputado Fábio Branco após a votação de projeto de lei de interesse da categoria, colocando expressamente que estaria passando o áudio sem cortes ou edições. Iniciada a reprodução, o que se percebe é uma conversa, que transcorre de 2min50seg até 18min11seg, inicialmente em tom ameno, em que o deputado visivelmente tenta explicar, a pessoas que se apresentam como representantes do grupo dos veteranos da Brigada, os motivos técnicos e políticos da sua posição na votação do referido projeto de lei, bem como que conversou com as entidades representativas da categoria.

A partir dos 15min46seg de áudio, colhe-se o seguinte trecho:

[interlocutor1] E o sentimento da categoria é de revolta total deputado, nós estamos trazendo esse sentimento aí (...) de revolta, e a gente quer saber o que aconteceu. Que bom que o senhor está sendo cristalino.

[deputado] Não, não tem problema nenhum.

[interlocutor2] E vocês só não votaram em dezembro porque o PMDB não deixou.

[deputado] Não, a gente sabe disso.

[trecho com discussão e sobreposição de vozes]

[interlocutor 3] o que acontece com a massa ali que é praça. Lá na rua, o pessoal que votou a favor do pacote, lá na rua, fizeram mal com os praça. Fizeram errado.

[interlocutor 1] Não, e a categoria tá se mobilizando.

[deputado] (inaudível) Se era para votar contrário, eu votaria ao contrário.

[trecho com discussão e sobreposição de vozes]

[interlocutor 1] Todo Estado nós estamos tirando deliberação, nós estamos nos organizando, que até agora só os oficiais que eram organizado. Só que agora acabou aquela ética do medo, da manipulação, então acabou.

[interlocutor 4] Moisés, a gente recebeu mais de duzentas comitivas antes.

[trecho com discussão e sobreposição de vozes]

[interlocutor1] Estamos nos organizando, primeiro de fazer um movimento [outra pessoa falando ao fundo]. Que esse pessoal que votou contra nós [outra pessoa falando ao fundo]

[deputado] Não, eu não tô preocupado com isso. Eu tô cagando e andando pra isso. Tô cagando e andando pra isso.

[interlocutor 1] Eu tô lhe dizendo ... o que a categoria tá comentando.

[deputado] Eu tô cagando e andando (inaudível) que não vão votar em mim ... (inaudível) que não votaram em mim ... então já tô aqui, não tô com o voto, não tô com o voto da Brigada ... aí não vamo se acertar, não vamo se acertar, entendeu? A conversa tava indo bem então agora terminou nossa conversa agora aqui meu chapa.

[interlocutor 1] Bom, então terminamo aqui, deputado.

[deputado] Não vamo conseguir chegar a lugar algum.

Por tal conteúdo, nota-se que a conversa transcorria normalmente quando, ante a afirmação, em tom de aviso, de um dos interlocutores, no sentido de que os praças estavam se organizando para fazer um movimento contra quem votou a favor do projeto, o deputado se alterou, e aí sim proferiu palavras ríspidas, encerrando a conversa.

Por seu turno, o vídeo trazido (ID 7040083), com apresentação constando "Áudio do Deputado estadual Fábio Branco" e "Siga nossa página fb.com/upbmrs", alternando com símbolo identificando a "União dos Praças da Brigada Militar" e a referida página no facebook, bem como com foto apontando "Deputado Estadual Fábio Branco (MDB) Candidato a prefeito em Rio Grande", e novamente a página "fb.com/upbmrs", indica, até os 25 segundos, a conversa tal qual se deu, porém tomada somente a partir do ponto "que esse pessoal votou contra nós", indo até a parte "a conversa tava indo bem então agora terminou nossa conversa agora aqui meu chapa". Na sequência e até o fim do vídeo, há uma série de repetições e sobreposições de falas, dando ênfase às falas "não tô com o voto da Brigada" e "eu tô cagando e andando pra isso".

Ora, o que se depreende claramente é que, apesar de o deputado ter proferido as palavras que constavam no vídeo, neste elas foram propositalmente retiradas de contexto, a fim de induzir o eleitor a erro quanto ao que o deputado pré-candidato realmente estava afirmando.

Isso porque, conforme o vídeo, parece que, como alegado pelo recorrente em suas razões recursais, o deputado afirmou "que estava ‘cagando e andando’ para o fato – descontentamento dos brigadianos, ‘porque não votaram’ nele”, dando a entender que o deputado não estaria se importando com a opinião dos brigadianos.

Ocorre que, pelo contexto, conforme narrado, o deputado não deixou de tecer uma longa explicação aos interlocutores identificados como representantes dos brigadianos, o que não refere descaso com a opinião deles, e que somente veio a se alterar quando um dos interlocutores fez ilações de que iria mobilizar a categoria para agir contra aqueles que votaram contra seus interesses. Foi a partir daí que o deputado proferiu as aludidas palavras, porém apenas como uma tentativa de rechaçar a tese de condicionar os seus votos a um futuro apoio eleitoral da categoria.

Nesse sentido, colhe-se trecho do muito bem exarado parecer ministerial apresentado na primeira instância (ID 7040833):

Da análise do referido áudio, esta agente conclui que a fala do pré-candidato, após ouvir que poderia haver um movimento da categoria para evitar que quem votou contra os policiais fosse reeleito, o pré-candidato refere imediatamente, e se vê com certa irritação, que não estava preocupado com isso, que estava ‘cagando e andando’ para isso, o que, no entender desta agente, não impõe a conclusão de que o pré-candidato teria dito estar ‘cagando e andando’ para os brigadianos, mas simplesmente ‘cagando e andando’ para a possibilidade, indicada pelo interlocutor, de que por causa da votação do projeto de lei, as pessoas descontentes se mobilizassem para não votar novamente nele. São duas situações diferentes, na visão do Ministério Público. Aliás, acredita-se que qualquer pessoa, ao ouvir o áudio, poderia facilmente concluir dessa maneira, de modo que o áudio em si não seria um problema a cargo da Justiça Eleitoral. O complicador, no entanto, é que com base em tal áudio, o representado, em suas manifestações a respeito e em vídeo que elaborou, leva a crer que o pré-candidato teria dito estar ‘cagando e andando para os brigadianos’ (evento 11), o que se entende não ser verdadeiro no contexto do episódio. E, ademais, ao não ouvir o áudio e simplesmente ler as manifestações publicadas, o eleitor poderia ser induzido a acreditar que o pré-candidato falou exatamente a frase indicada pelo representado.

Em um dos documentos juntados, aliás, divulgado pelo representado que assumiu a defesa nestes autos, foi aposta, abaixo da imagem do pré-candidato, a frase ‘Tô cagando e andando pros Brigadianos’, a qual, como se disse antes, está desconectada do contexto. Da mesma forma, no vídeo que também consta nos autos, é possível verificar que surge a imagem do pré-candidato com policiais militares, a menção a sua candidatura a Prefeito de Rio Grande e a repetição da frase de que ele estaria ‘cagando e andando’, em uma montagem com evidente intenção de prejudicar a imagem do pré-candidato especialmente junto à categoria, mas também à população em geral.

Assim, diante da divulgação distorcida da manifestação do pré-candidato, o que é uma forma de divulgação de fato inverídico, bem como da evidente vinculação com o pleito que se aproxima, entende-se que as manifestações do representado extrapolaram a simples crítica política, configurando uma propaganda eleitoral negativa, e também antecipada, já que realizada antes do período regular.

Com efeito, há, de acordo com o já citado art. 27 da Resolução TSE nº 23.610/2019, propaganda proscrita no caso, pois, apesar de o áudio ser verdadeiro, foi colocado, no vídeo e nas manifestações do representado, de maneira apta a distorcer a compreensão das pessoas, que entendem um fato diverso, desvinculado da realidade.

Portanto, o fato que se está pretendendo transmitir é outro, diferente daquele verdadeiro, amoldando-se à hipótese de "fato sabidamente inverídico" prevista no § 1º do aludido artigo.

De fato, da forma como editado o vídeo, fica distorcida a manifestação efetuada pelo pré-candidato, afastando a fala da situação em que proferida e criando contexto de ausência de veracidade. Embora a manifestação original seja verdadeira (as frases foram ditas, de fato), os recortes, a edição e a repetição de pequenos trechos descontextualizados afastaram sua veridicidade.

Configurada, pois, a propaganda extemporânea negativa.

Acerca do pedido de redução da sanção pecuniária, considerando que a multa foi fixada no patamar mínimo previsto no § 3º do art. 36-A da Lei n. 9.504/97, não resta espaço para readequação do valor. E tal como bem pontuado pelo Procurador Regional Eleitoral, eventual pleito de parcelamento, tendo por motivo as condições econômicas do representado, poderá ser efetivado na correspondente fase de execução. 

Com essas considerações, entendo que o recurso não comporta provimento.

Portanto, deve ser mantida na íntegra a sentença que concluiu pela existência de propaganda antecipada negativa e pela fixação de multa no caso sob análise.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo afastamento da preliminar de ilegitimidade passiva e, no mérito, pelo desprovimento do recurso.

É como voto, Senhor Presidente.