REl - 0600060-88.2020.6.21.0143 - Voto Vista - Sessão: 15/10/2020 às 14:00

VOTO-VISTA

Pedi vista dos autos para melhor analisar o caso concreto, eis que confrontado com duas judiciosas construções de argumentos em sentidos contrários, a primeira vertida do voto do eminente Des. Arminio Abreu da Rosa e a segunda exposta no parecer oferecido pelo douto Procurador Regional Eleitoral e pelo diligente advogado que fez uso da tribuna.

Pois bem.

Verifica-se que as postagens em questão foram divulgadas na página do Facebook chamada “Cachoeirinha TRI News”, editada por Tiago de Souza Barbosa, entre os dias 1º.8.2020 e 09.9.2020. As peças consistem em informações e críticas satíricas sobre o contrato de iluminação pública firmado pela gestão atual do Município de Cachoerinha.

Nesse sentido, a divulgação de mensagens como “Nova nota de R$ 2 mil reais, pra você que quer comprar uma lâmpada LED sem parcelar no cartão Kkkk” ou “Troco Gol G5 Por Lâmpada LED de Cachoeirinha” estariam, em princípio, albergadas e protegidas pela liberdade de manifestação e de crítica política.

Nessa linha, consoante destacado do voto do ilustre relator, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI n. 4.451/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, sessão de 21.6.2018, assentou a ampla liberdade de crítica política, inclusive por meio de recursos humorísticos e da expressão de opiniões incisivas em desfavor de candidatos.

No entanto, essa liberdade de manifestação encontra limites na ordem jurídica, transmudando-se em exercício abusivo de direito quando ofender a honra de terceiros ou propalar fatos sabidamente inverídicos, nos exatos termos dispostos no art. 27, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.610/19:

Art. 27. (...).

§ 1º A livre manifestação do pensamento do eleitor identificado ou identificável na internet somente é passível de limitação quando ofender a honra ou a imagem de candidatos, partidos ou coligações, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos.

§ 2º O disposto no § 1º deste artigo se aplica, inclusive, às manifestações ocorridas antes da data prevista no caput, ainda que delas conste mensagem de apoio ou crítica a partido político ou a candidato, próprias do debate político e democrático.

A jurisprudência do TSE segue o mesmo trilhar, enunciando que "críticas a adversários políticos, mesmo que veementes, fazem parte do jogo democrático, de modo que a intervenção da Justiça Eleitoral somente deve ocorrer quando há ofensa à honra ou divulgação de fatos sabidamente inverídicos" (RESPE n. 00000405120166180053 - PI, Relator: Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, DJE de 07.12.2017).

Nesse ponto, cabe ressaltar a seguinte postagem, na qual são contextualizadas as circunstâncias fáticas sobre as quais o autor da página eletrônica constrói todas as demais narrativas e ilustrações humorísticas:

“(...) O contrato da nova iluminação pública de Cachoeirinha que está sendo investigado pelo TCE, diz que será trocado 11 mil lâmpadas em toda cidade. O custo chega a 22 milhões: cerca de 2 mil reais por lâmpada.

Então, decidi virar trocador de lâmpada e faço um desafio, me contratem! Faço desconto em quantidade!!! (...)”

Com a devida vênia ao entendimento contrário, convenci-me que a publicação representa um expediente vedado de desinformação com fins eleitorais, caracterizando a "divulgação de fatos sabidamente inverídicos" prevista no texto normativo.

Na doutrina, Frederico Franco Alvim leciona que o fatos sabidamente inverídicos são “distorções exageradas”, ou seja, “flagrantes expedientes de desinformação, com o propósito inequívoco de induzir o eleitor a erro” ou, ainda, “fatos ou feitos inequivocamente desmentidos” (Curso de Direito Eleitoral. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2016, p. 293).

No caso concreto, as divulgações induzem o seu leitor a erro, ou seja, à falsa percepção da realidade sobre a característica relevantes do contrato, afetando artificialmente o convencimento do eleitor sobre as posturas do administrador público e pré-candidato em prejuízo à igualdade de oportunidades no pleito.

Percebe-se que o trecho em destaque simula a aparência, estilo e precisão de dados frequentemente contidos em uma manchete jornalística padrão, sugerindo consistir no acontecimento da realidade sobre a qual é realizada a crítica política em forma de sátira.

A afirmação é direta, objetiva e claramente expõe um exorbitante superfaturamento na aquisição de lâmpadas pela administração municipal, fato não corroborado por nenhuma outra fonte ou referência.

Tais conclusões se agigantam à luz da precisa análise pontuada no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral (ID 7056333):

Ora, se o requerido TIAGO teve acesso ao contrato e através de um “cálculo simples”, como alegado na sua contestação, chegou ao valor de R$2.000,00 por lâmpada, o mesmo também teve acesso às cláusulas acima referidas que tratam do preço e do objeto contratual e poderia, da simples leitura, verificar que o mesmo não tratava apenas de trocas de lâmpadas pura e simplesmente como quis fazer parecer nas redes sociais, mas sim abrangia outros serviços e o pagamento da conta de luz do município.

Diante disso, parece-nos que, realmente, não poderia o representado TIAGO DE SOUZA BARBOSA ter declarado publicamente que o valor de cada lâmpada custou R$ 2.000,00 ao município de Cachoeirinha, trata-se de alegação de fato que o representado sabia inverídico, como se pode extrair dos documentos que foram juntados pelos representantes.

Em realidade, há o uso da comicidade e da galhofa para a distorção dos dados reais acerca das circunstâncias do contrato, o que, no contexto em que empregadas, representam a divulgação de notícia fraudulenta em desfavor da reputação do pré-candidato, agravada com a igual distorção acerca da amplitude da investigação pelo TCE, a fim de fomentar a rejeição de certa parcela de eleitores por meio da manipulação da informação.

Por oportuno, reproduzo trecho da decisão liminar do Tribunal Superior Eleitoral, da lavra do Ministro Sérgio Banhos, nos autos da Representação n. 0600546-70, que bem elucida o estado atual das estratégias de desinformação e os prejuízos causados para a formação legítima das escolhas do eleitor:

A prática das fake news não é recente. É estratégia eleitoral antiga daqueles que fazem política. Como a recepção de conteúdos pelos seres humanos é seletiva e a desinformação reverbera mais que a verdade, o uso de fake news é antigo e eficaz mecanismo para elevar o alcance da informação e, como consequência, enfraquecer candidaturas.

A significativa diferença no mundo contemporâneo é que, com as redes sociais, a disseminação dessa informação maliciosa passou a ser mais rápida, mais fácil, mais barata e em escala exponencial.

É a época da Pós-verdade – vocábulo escolhido como a palavra do ano de 2016 pelo Dicionário Oxford –, na qual, segundo o jornalista Matthew D’Ancona (D’ANCONA, Matthew. Post Truth – the new war on truth and how to fight back. London: Ebury Press, 2017), autor do livro PostTruth, “a certeza predomina sobre os fatos, o visceral sobre o racional, o enganosamente simples sobre o honestamente complexo”. Nosso tempo, sem dúvida, prefere “a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade. Enfim: a aparência ao ser”.

Isso porque a verdade humana mais profunda é emocional, subjetiva e prescinde dos fatos. Notícias distorcidas com forte viés ideológico, trazidas pelas mídias sociais, no mais das vezes, ganham maior atenção que as reportagens realizadas pela imprensa tradicional. As matérias falsas, de cunho sensacionalista, tendem à repercussão fácil, a viralizar, a tornar-se trend topics mais rapidamente do que aquelas produzidas por jornalistas zelosos que praticam a checagem dos fatos. É a força da mentira vencendo os reais acontecimentos, a qual estimula a polarização política desmedida, gerando terreno fértil para a desinformação do eleitor.

(Rp n. 060054670, Decisão Monocrática de 01.8.2018, Relator Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE de 02.8.2018 - n. 153.)

Assim sendo, entendo que a postagem em questão, em razão da divulgação de fatos sabidamente inverídicos em desfavor de pré-candidato, antes do período permitido para as campanhas eleitorais, caracterizou propaganda eleitoral antecipada ilícita e negativa, devendo ser provido o recurso interposto, com a exclusão das publicações contidas nas URLs especificadas na petição inicial e com a condenação do recorrido à multa prevista no art. 36, § 3º, da Lei das Eleições.

Registro que, no concernente ao direito de resposta, a sentença extinguiu o feito sem resolução de mérito quanto ao pedido, com fulcro no art. 485, inc. IV, do CPC, em razão da "impossibilidade de cumulação dos pedidos por diversidade de ritos". A par disso e tendo em vista que o recurso não ventilou impugnação específica sobre o ponto, impossível a apreciação dessa questão diante da não devolução da matéria ao Tribunal, em atenção ao princípio do tantum devolutum quantum appellatum, insculpido no art. 1.013, caput, do CPC.

No tocante à multa, tenho que razoável e proporcional que a condenação seja fixada no quantum mínimo de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

Ante o exposto, na esteira do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, voto pelo provimento do recurso, para julgar procedente a representação por propaganda eleitoral antecipada a fim de:

a) condenar o representado à obrigação de remover, no prazo de 24 (vinte e quatro horas), o conteúdo divulgado nas URLs: <https://www.facebook.com/cachoeirinhatrinews/photos/a.1612339382340071/2716200355287296/>, <https://www.facebook.com/cachoeirinhatrinews/photos/a.1612339382340071/2716200355287296/>, <https://www.facebook.com/cachoeirinhatrinews/photos/a.1612339382340071/2747876778786320>, <https://www.facebook.com/cachoeirinhatrinews/photos/a.1612339382340071/2750235525217112> e <https://www.facebook.com/cachoeirinhatrinews/photos/a.1612339382340071/2715364842037514/>, sob pena de multa cominatória no valor de R$ 1.000,00 (mil reais) por dia de descumprimento, até o limite de R$ 10.000,00 (dez mil reais); e

b) condenar o representado à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por propaganda eleitoral antecipada, com esteio no art. 36, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

É como voto, Senhor Presidente.