REl - 0600323-59.2020.6.21.0131 - Voto Relator(a) - Sessão: 15/10/2020 às 14:00

VOTO

A controvérsia está restrita à análise da existência de propaganda antecipada, diante da distribuição de panfletos, em 18.9.2020, que seriam destinados à propaganda intrapartidária do Partido dos Trabalhadores de Sapiranga, contendo a imagem e menção à pré-candidatura de Nelson Spolaor e destacando suas qualidades pessoais, mas que foram compartilhados externamente com possíveis eleitores.

O material está retratado no ID 7204733 e contém a foto e a identificação do nome do pré-candidato, bem como texto com a sua trajetória política, propostas de campanha e as seguintes frases destacadas pela Procuradoria Regional Eleitoral:

No governo Spolaor, Sapiranga cresceu e desenvolveu melhorando a vida da população.

Veja alguns exemplos…

Transformamos a educação em exemplo e modelo.

Garantimos saúde mais perto de você.

Realizamos moradia digna para o povo.

Executamos asfalto gratuito e com critérios.

Geramos emprego apoiando as empresas locais e trazendo novas.

(…)

Com Spolaor, a cidade foi premiada

EXEMPLO DE GESTÃOCIDADE BEM ADMINISTRADA

Título de 10ª melhor cidade do país em gestão pública.

EDUCAÇÃO EXEMPLO E MODELO

Sapiranga tem o 4º melhor ensino do Rio Grande do Sul e está entre as 37 melhores educações do país.

COMPROMISSO COM AS CRIANÇAS

Cidade gaúcha que mais investe na educação infantil.

OLHAR RESPONSÁVEL COM O FUTURO

Prêmio Prefeito Amigo das Criança da Fundação Abrinq

MAIOR PROJETO HABITACIONAL DA CIDADE

Prêmio de melhores práticas em programas habitacionais.

Do exame dos autos verifico que, de fato, como alegou o recorrido, restou demonstrado que os recorrentes divulgaram, para além do âmbito intrapartidário, impressos expressamente identificados como “Material de circulação interna no Partido dos Trabalhadores”, com publicidade atinente à pré-candidatura ao cargo de prefeito, em desrespeito ao disposto no art. 36, § 1º, da Lei n. 9.504/97, c/c o art. 11, inc. I, da Resolução TSE n. 23.624/20, que dispõem ser permitida a propaganda eleitoral a partir de 27 de setembro de 2020.

De acordo com a mensagem divulgada pelo então pré-candidato Nelson Spolaor em seu perfil da rede social Facebook em 18.9.2020, o recorrente visitou o Padre Jéferson Furtado, da Paróquia São João Batista do Amaral Ribeiro, apresentando as pré-candidaturas aos cargos de prefeito e vice-prefeito, juntamente com o pré-candidato a vereador Gilberto Gêmeos. Na fotografia que acompanha a postagem, são retratados os participantes da reunião, e o material de propaganda intrapartidária, cujo exemplar se encontra encartado nos autos, está diante de todos os presentes, sobre uma mesa, e exibido nas mãos pelos representados.

Restou comprovada, portanto, a violação ao art. 2º, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.610/19, que é expresso ao estabelecer que a propaganda intrapartidária deve ser destinada exclusivamente aos convencionais, e imediatamente retirada após a respectiva convenção:

Art. 2º (…)

§1º Ao postulante a candidatura a cargo eletivo é permitida a realização, durante as prévias e na quinzena anterior à escolha em convenção, de propaganda intrapartidária com vista à indicação de seu nome, inclusive mediante a afixação de faixas e cartazes em local próximo ao da convenção, com mensagem aos convencionais, vedado o uso de rádio, de televisão e de outdoor (Lei n. 9.504/1997, art. 36, § 1º).

§ 2º A propaganda de que trata o § 1º deste artigo deverá ser destinada exclusivamente aos convencionais, e imediatamente retirada após a respectiva convenção. (Grifei.)

Nessas circunstâncias, correta a bem-lançada sentença, cujas razões reproduzo (ID 7205433):

(…)

No caso, em que pese a tese defensiva, a partir da provas juntadas ao processo, resultou demonstrado que os Representados (com ciência inequívoca do pré-candidato Nelson Spolaor), promoveram a divulgação, para além do âmbito intrapartidário, de publicidade atinente à pré-candidatura ao cargo de Prefeito, identificada como “Material de circulação interna no Partido dos Trabalhadores”.

Na esteira do que também concluiu o Ministério Público Eleitoral, à vista da prova produzida, houve entrega do panfleto “sub judice” em visita a pároco desta Cidade, como publicado nas redes sociais do Representado Nelson Spolaor (registros acostados aos autos), a desbordar a exclusividade de distribuição do material junto aos convencionais.

Ora, como leciona RODRIGO LÓPEZ ZILIO, “Também é possível a caracterização de propaganda eleitoral extemporânea na veiculação indevida da propaganda intrapartidária” (Direito Eleitoral, 2020, p. 396).

Assim, resulta evidenciada a ocorrência de propaganda eleitoral extemporânea, de modo que merece confirmação a ordem liminar de proibição de divulgação dos panfletos identificados na inicial, material de propaganda intrapartidária, dispensando-se a busca e apreensão postulada, nos termos do provimento liminar.

No ponto, anoto que, não obstante os Representados invoquem o permissivo do art. 36-A da Lei das Eleições, tenho que a situação em tela não se confunde com as hipóteses ali previstas, uma vez que houve divulgação externa de propaganda destinada estritamente aos convencionais, o que não se admite por força do art. 2º, §2º, da Resolução nº. 23.610/19 – TSE, norma que explicita o art. 36 da Lei das Eleições, a fim de preservar a isonomia entre os candidatos e as coligações concorrentes.

Por tais razões, a par da cessação da conduta, impõe-se a aplicação de multa aos Representados, de modo solidário, haja vista a participação do pré-candidato, bem como de filiados da agremiação, na forma do art. 2º, §4º, da resolução mencionada, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), tendo em conta que não se demonstrou maior alcance da propaganda irregular, para além da divulgação contida na postagem em rede social reproduzida na inicial, tampouco o custo diverso da propaganda.

III. Isso posto, JULGO PROCEDENTE A REPRESENTAÇÃO ELEITORAL formulada por Partido Progressista – Diretório Municipal de Sapiranga em face de Partido dos Trabalhadores e Nelson Spolaor, para, confirmando a medida liminar deferida, PROIBIR que os Representados divulguem a propaganda irregular noticiada na representação proposta, CONDENANDO-OS, solidariamente, ao pagamento de multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), nos moldes da fundamentação.

Além disso, como bem pontuado pela Procuradoria Regional Eleitoral, mesmo que a publicidade não tivesse natureza intrapartidária, nos termos do entendimento firmado pelo TSE, seria considerada propaganda eleitoral antecipada pela utilização de meio proscrito no período de campanha eleitoral, ainda que não contenha pedido de votos:

(...)

Ora, ainda que, a princípio, o conteúdo da divulgação não possua pedido explícito de voto, restringindo-se a mencionar a pré-candidatura e a exaltar as qualidades pessoais do pré-candidato, hipóteses que se amoldam, em tese, ao permissivo do art. 36-A da Lei 9.504/97, foi utilizado meio de propaganda proscrito no período de campanha eleitoral.

Isso porque, conforme se extrai do referido panfleto, não constam, nele, quaisquer informações acerca do CNPJ ou CPF do responsável pela confecção, bem como quem o contratou e a respectiva tiragem, estando o meio utilizado, portanto, em desacordo com o § 1º do art. 38 da Lei nº 9.504/95, verbis:

(…)

A princípio, seria natural não constarem tais informações no referido material impresso, visto que, consoante informação contida na sua parte inferior(“Material de circulação interna do Partido dos Trabalhadores”), destinava-se a consumo interno do partido. Contudo, a partir do momento em que foi colocado em circulação, atingindo divulgação geral, surge a necessidade de não ser utilizado meio proscrito, ou seja, devem constar as aludidas informações.

Outrossim, nota-se, pela qualidade do panfleto (nitidamente não se trata de produção caseira), que a sua elaboração e reprodução, ao que tudo indica, não importou em despesa módica, razão pela qual também se verifica propaganda eleitoral de custo elevado incompatível com o período de pré-campanha - no qual, diga-se, não há fiscalização das contas pela Justiça Eleitoral-, em prejuízo à igualdade de oportunidades em relação aos demais pré-candidatos.

Por outro lado, não importa se o gasto foi feito pelo pré-candidato ou por terceiro, o que interessa é se estamos diante de despesa de custo elevado, oque parece ser o caso dos autos.

O permissivo do art. 36-A da Lei das Eleições certamente assegura o lançamento de pré-candidaturas, porém, como já decidido pelo TSE (AgR-AI nº9-24/SP), isso deve se dar através de gastos módicos, como essa Corte já teve a possibilidade de constatar em diversos processos das eleições deste ano, nos quais o lançamento ocorreu apenas com mensagens postadas no perfil do pré-candidato no Facebook ou vídeos improvisados. Bem diferente do caso dos autos.

Por último, quanto à utilização de fundamento jurídico diverso para a procedência da representação, oportuno salientar que, no âmbito eleitoral, em razão do interesse público subjacente, o representado se defende de fatos, e não da qualificação jurídica a eles dada na representação, razão pela qual esta pode ser alterada, independentemente de prejuízo à defesa. Nesse sentido, a Súmula n. 62 do TSE: “Os limites do pedido são demarcados pelos fatos imputados na inicial, dos quais a parte se defende, e não pela capitulação legal atribuída pelo autor.

No caso dos autos, conforme se extrai do exame do panfleto contido no ID 7204733, tem-se que a publicidade, a par de não conter pedido expresso de voto, não traz quaisquer informações acerca do CNPJ ou CPF do responsável pela confecção, nem os dados do contratante e a respectiva tiragem, em desacordo com o § 1º do art. 38 da Lei n. 9.504/97, verbis:

Art. 38. Independe da obtenção de licença municipal e de autorização da Justiça Eleitoral a veiculação de propaganda eleitoral pela distribuição de folhetos, adesivos, volantes e outros impressos, os quais devem ser editados sob a responsabilidade do partido, coligação ou candidato.

§ 1º Todo material impresso de campanha eleitoral deverá conter o número de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica – CNPJ ou o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas – CPF do responsável pela confecção, bem como de quem a contratou, e a respectiva tiragem.

Efetivamente, essa exigência não seria cabível se o material fosse destinado apenas aos convencionados. Contudo, no momento em que foi colocado em circulação a possíveis eleitores, aplicável o requisito previsto no § 1º do art. 38 da Lei n. 9.504/97.

Além disso, cumpre pontuar que, para um município do tamanho de Sapiranga, fica evidenciado, pelo material impugnado, o desembolso de quantia elevada na pré-campanha, o que também configura prejuízo à igualdade de oportunidades em relação aos demais pré-candidatos.

De igual modo, resta malferido o princípio da isonomia em relação à distribuição do material antes de 27.9.2020, data a partir da qual todos os candidatos passaram a ter garantido o direito de circulação de propaganda eleitoral na forma impressa.

Nesse ponto, é preciso ter presente a evolução do entendimento acerca da caracterização da propaganda eleitoral antecipada.

A redação original da Lei n. 9.504/97, em seu art. 36, definia propaganda antecipada como qualquer publicação, divulgação ou promoção de candidatura anterior a 05 (cinco) de julho do ano da eleição. Todavia, alterações legislativas trouxeram o abrandamento das multas pelo descumprimento da regra (Lei n. 12.034/09) e a flexibilização sobre a exposição dos pré-candidatos em período anterior à data de início da campanha eleitoral (Lei n. 13.165/15).

A edição da Lei n. 13.165/15 autorizou a menção à pretensa candidatura e a exaltação das qualidade pessoais dos pré-candidatos, vedando apenas o pedido explícito de voto (art. 36-A, caput, da Lei n. 9.504/97). O motivo dessa maior liberdade no período de pré-campanha decorreu da redução do período de campanha, que anteriormente era permitida a partir de 5 de julho do ano da eleição e passou a ser após 15 de agosto – excepcionalmente postergada para 27 de setembro em razão da Covid-19 (EC n. 107/20).

A respeito do tema, transcrevo o que constou no voto do Min. Edson Fachin, relator do Recurso Especial Eleitoral n. 060022731 (DJE – Diário de Justiça Eletrônico, Tomo n. 123, Data 1º.7.2019):

Nas eleições anteriores a 2010, havia total proibição de propaganda eleitoral antes do dia 5 de julho (posteriormente modificado para o dia 15 de agosto), de modo que nenhuma referência à pretensão a um cargo eletivo poderia ser manifestada, à exceção da propaganda intrapartidária, com vistas à escolha em convenção.

A jurisprudência do TSE alcançava, também, a divulgação de fatos que levassem o eleitor a não votar em determinada pessoa, provável candidato, caracterizando-se o ato como propaganda eleitoral antecipada, negativa. Da mesma forma, era coibida a mensagem propagandística subliminar ou implícita que veiculasse eventual pré-candidatura, como a referência de que determinada pessoa fosse a mais bem preparada para o exercício de mandato eletivo.

A partir das eleições de 2010, porém, criou-se a figura do pré-candidato, sendo lícita a sua participação em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, desde que não houvesse pedido de votos, exigindo-se das emissoras de rádio e de televisão apenas o dever de conferir tratamento isonômico.

Nas eleições de 2014, a Lei n. 12.891/2013 ampliou a possibilidade do debate político-eleitoral, permitindo a realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado e a expensas dos partidos políticos, para tratar de planos de governo ou alianças partidárias visando às eleições. Além disso, tornou lícita a divulgação de atos de parlamentares e debates legislativos, retirou a proibição de menção a possível candidatura, vedando apenas o pedido de votos.

Nas eleições de 2016, a pré-campanha foi consideravelmente ampliada, pois a Lei n. 13.165/2015 permitiu a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos, além de diversos atos que podem ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet, com a única restrição de não haver pedido explícito de voto. Ou seja, à exceção dessa proibição, não há, atualmente, uma diferença substancial para os atos de propaganda antes e depois do chamado “período eleitoral” que se inicia com as convenções dos partidos políticos.

Em relação à redação do texto do art. 36-A da Lei n. 9.504/97, o Min. Luís Roberto Barroso, relator do Recurso Especial Eleitoral n. 060048973, assentou que, ao longo do tempo, houve uma inequívoca valorização do direito à liberdade de expressão, onde a figura do pré-candidato pode iniciar uma campanha eleitoral antes de 15 de agosto, desde que não realize pedido explícito de voto.

Ao estabelecer as diretrizes jurisprudenciais sobre o tema, o Tribunal Superior Eleitoral estabeleceu critérios objetivos para a definição da propaganda eleitoral antecipada passível de sancionamento. Nesse sentido, colaciono um julgado:

DIREITO ELEITORAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL COM AGRAVO. ELEIÇÕES 2018. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. NÃO CONFIGURAÇÃO. DESPROVIMENTO. 1. Agravo interno contra decisão monocrática que negou seguimento a agravo nos próprios autos interposto para impugnar decisão de inadmissão de recurso especial eleitoral. 2. Na análise de casos de propaganda eleitoral antecipada, é necessário, em primeiro lugar, determinar se a mensagem veiculada tem conteúdo eleitoral, isto é, relacionado com a disputa. 3. Reconhecido o caráter eleitoral da propaganda, deve–se observar três parâmetros alternativos para concluir pela existência de propaganda eleitoral antecipada ilícita: (i) a presença de pedido explícito de voto; (ii) a utilização de formas proscritas durante o período oficial de propaganda; ou (iii) a violação ao princípio da igualdade de oportunidades entre os candidatos. 4. No caso, conforme já destacado na decisão agravada, (i) a expressão "conclamando à todos [sic] uma união total por Calçoene" não traduz pedido explícito de votos, bem como (ii) o acórdão regional não traz informações sobre o número de pessoas que tiveram acesso à publicação ou sobre eventual reiteração da conduta, de modo que não há como concluir pela mácula ao princípio da igualdade de oportunidades. Ademais, o impulsionamento de publicação na rede social Facebook não é vedado no período de campanha, mas, sim, permitido na forma do art. 57–C da Lei n. 9.504/1997. 5. Na ausência de conteúdo eleitoral, ou, ainda, de pedido explícito de votos, de uso de formas proscritas durante o período oficial de propaganda e de qualquer mácula ao princípio da igualdade de oportunidades, deve–se afastar a configuração de propaganda eleitoral antecipada ilícita, nos termos do art. 36–A da Lei nº 9.504/1997.6. Agravo interno a que se nega provimento.

(Agravo de Instrumento n. 060009124, Acórdão, Relator Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE – Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 25, Data: 05.02.2020.)

Desses julgados, observa-se que, constatada a finalidade eleitoral da publicidade realizada de forma extemporânea com a presença de pedido explícito de voto, a utilização de formas proscritas durante o período oficial de campanha ou a violação ao princípio da igualdade de oportunidades entre os candidatos, haverá propaganda eleitoral antecipada passível de sancionamento.

Com esses fundamentos, a manutenção da sentença é medida impositiva.

Ante o exposto, VOTO pelo DESPROVIMENTO do recurso.