REl - 0600055-26.2020.6.21.0027 - Voto Relator(a) - Sessão: 15/10/2020 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo. O prazo para interposição de recurso contra sentença proferida em representação sobre propaganda eleitoral irregular é de 1 (um) dia, nos termos do art. 96, § 8º, da Lei n. 9.504/97, em leitura conjunta com o art. 22 da Resolução TSE n. 23.608/19.

Na espécie, a sentença foi disponibilizada em 24.9.2020 (ID 7022083) e o recurso foi apresentado nesta mesma data (ID 7022133).

No mérito, trata-se de alegada prática de propaganda eleitoral antecipada em publicações na rede social Facebook. Atendendo à determinação judicial, foram indicados os endereços específicos das postagens e, dessarte, foi cumprido o disposto no art. 17, inc. III e § 2º, da Resolução TSE n. 23.608/19.

Em resumo, a controvérsia está adstrita à análise da existência de propaganda antecipada. Colaciono excerto da decisão do juízo a quo, para fins de aclarar o conteúdo da manifestação:

[...]

Narra a coligação Com o Povo Para Mudar, em suma, que a coligação adversária (Olhar Para o Futuro) ao realizar a transmissão ao vivo no Facebook de sua convenção partidária para escolha de candidatos teria cometido propaganda eleitoral antecipada, atentando contra os artigos 1º, §1º, IV, da EC n. 107/2020, 36 e 57-A da Lei das Eleições (9.504/97).

Argumenta ainda que, na convenção transmitida no Facebook, teria havido “inequívoca promoção pessoal do candidato representado” e que tal conduta causaria desequilíbrio de oportunidades no pleito; que a divulgação “realizada antes do dia 26 de setembro de 2020, nos termos do art. 1º, § 1º, IV, da Emenda Constitucional n.º 107/2020” seria extemporânea; que “de modo explícito enalteceram e enaltecem seus feitos em rede social de massa”. Pugna, além disso, o representante pela “interpretação sistemática” da legislação eleitoral, argumentando que as condutas não estariam amoldadas nas exceções do art. 36-A da Lei das Eleições, introduzido no sistema pela chamada “minirreforma eleitoral” de 2015.

Alega, ainda, a parte representante que teria havido o uso indevido de meios de comunicação social em benefício de candidato, pois o canal pessoal dos candidatos também divulga atos institucionais de Júlio de Castilhos.

Pede, por fim, o recebimento da representação, a remoção do conteúdo das redes, abertura de investigação judicial eleitoral, e a condenação ao pagamento da multa do art. 36, §3º, da Lei das Eleições.

De outro lado, intimados a apresentar defesa, os representados alegam, em síntese, que, em razão da pandemia do coronavírus, e de modo a evitar a aglomeração dos filiados, optaram por realizar a transmissão ao vivo de sua convenção pela rede social Facebook por ser o modo mais abrangente e por prezarem pela participação daqueles.

Argumentam que a divulgação da convenção garante a liberdade partidária e a democracia interna dos partidos políticos. Além disso, discorrem sobre disposições das Resoluções do TSE n. 23.623/2020 e 23.624/2020. Alegam, ainda, não ter havido, na transmissão, pedido explícito de votos e que o acesso à transmissão seria espontâneo por parte dos interessados.

Logo, impende aferir se ocorreu propaganda eleitoral antecipada, em razão de transmissão, ao vivo, na rede social Facebook, de convenção partidária na qual houve manifestação de pré-candidatos.

Gizo que os conteúdos e o modo de veiculação trazem o contexto daquilo que se constatará regular ou irregular. Nessa linha, o Ministro Luiz Fux propõe, em obra doutrinária (Novos Paradigmas de Direito Eleitoral, São Paulo, Fórum Editora, 2016, p. 29), que as decisões se deem sem generalizações, de forma estreita (narrow) e, também, sem acordos profundos nas fundamentações (shallow).

Tal proposta tem toda razão de ser. Note-se a evolução legislativa.

A redação original do art. 36 da Lei n. 9.504/97 definia como propaganda antecipada qualquer publicação, divulgação ou promoção de candidatura anterior a 05 (cinco) de julho do ano da eleição, de forma que a análise se dava apenas sob o prisma temporal: veiculada antes da data inicial permitida, a propaganda era antecipada (ou extemporânea).

Posteriormente, houve flexibilização sobre a exposição dos pré-candidatos em período anterior à data de início da campanha eleitoral. A edição da Lei n. 13.165/15 autorizou a menção à pretensa candidatura e a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos, vedando apenas o pedido explícito de voto (art. 36-A, caput, da Lei n. 9.504/97).

A premissa da maior liberdade no período de pré-campanha foi bem identificada pelo Procurador Regional Eleitoral, ao exarar seu parecer: ela decorre da redução do período de campanha, que anteriormente era permitida a partir de 5 de julho do ano da eleição e passou a ser após 15 de agosto (postergada para 27 de setembro no ano em curso, em razão da Covid-19 - EC n. 107/20).

Ainda em relação ao art. 36-A da Lei n. 9.504/97, o Min. Luís Roberto Barroso, relator do Recurso Especial Eleitoral n. 060048973, assentou a nítida valorização do direito à liberdade de expressão, em que a figura do pré-candidato pode iniciar uma campanha eleitoral antes de 15 de agosto, e o entendimento do TSE tem sido de caracterizar propaganda eleitoral antecipada apenas o pedido explícito de voto (AgrRg-REspe n. 4346/SE – j. 26.6.2018 – Rel. Min. Jorge Mussi).

O caso dos autos não é de extrapolação. Relembro aos colegas que a realização da convenção partidária para escolha de candidatos de forma virtual foi permitida por meio da Resolução TSE n. 23.623/20, em virtude da pandemia do Covid-19. O parágrafo único do art. 1º desta regulamentação permitiu, inclusive, que as agremiações escolhessem o aplicativo para as reuniões on-line que entendessem adequado, verbis:

Art. 1º Os partidos políticos podem realizar convenções partidárias em formato virtual para a escolha de candidatos e formação de coligações majoritárias nas Eleições 2020, ainda que não previstas no estatuto partidário e nas diretrizes publicadas pelo Diretório Nacional até 7 de abril de 2020 (Consultas nos 0600413-57, 0600460-31 e 0600479-37).

Parágrafo único. Aos partidos políticos é assegurada autonomia para a utilização das ferramentas tecnológicas que entenderem mais adequadas para as convenções. (Grifei.)

Diante dessa diretriz, por não existir vedação expressa, e sendo inviável criar regra para restringir evento a que se deve conferir abertura democrática, entendo que a transmissão ao vivo, na rede social Facebook, está inserida no permissivo normativo.

De igual modo, a manifestação dos pré-candidatos nessa convenção partidária virtual em tudo está adequada àquela manifestação regularmente realizável pelo “candidato médio”, assim tratado pela jurisprudência paradigmática, o voto do Ministro Luiz Fux no AgRg-AI n. 924/SP – j. 26.6.2018 – Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto:

[…]

(a) o pedido explícito de votos, entendido em termos estritos, caracteriza a realização de propaganda antecipada irregular, independentemente da forma utilizada ou da existência de dispêndio de recursos; (b) os atos publicitários não eleitorais, assim entendidos aqueles sem qualquer conteúdo direta ou indiretamente relacionados com a disputa, consistem em ‘indiferentes eleitorais’, situando-se, portanto, fora da alçada desta Justiça Especializada; e (c) o uso de elementos classicamente reconhecidos como caracterizadores de propaganda, desacompanhado de pedido explícito e direto de votos, não enseja irregularidade per se; todavia, a opção pela exaltação de qualidades próprias para o exercício de mandato, assim como a divulgação de plataformas de campanha ou planos de governo acarreta, sobretudo quando a forma de manifestação possua uma expressão econômica minimamente relevante, impõe os seguintes ônus e exigências: (i) impossibilidade de utilização de formas proscritas durante o período oficial de propaganda (outdoor, brindes, etc); e (ii) respeito ao alcance das possibilidades do pré-candidato médio.

Em resumo, a tendência do TSE é de restringir os atos de pré-campanha pelo conteúdo (vedação do pedido explícito de voto e das “palavras mágicas” equivalentes) e forma (vetando atos de pré-campanha por formas proibidas de propaganda na campanha eleitoral), apontando uma postura de exame do caso concreto e dos custos da publicidade (especialmente quando a forma de pré-campanha extrapolar o limite do candidato médio).

Ora, no caso em exame, a manifestação dos pré-candidatos, nesta convenção partidária, não desbordou dos vetores permissivos para o conteúdo dos atos de pré-campanha, uma vez que claramente não se verifica pedido explícito de votos nos dizeres “companheiros socialistas também aos progressistas”; “Srs. Candidatos a Vereadores”; “expresso essa vontade a vocês, candidatos, para que se aliem a esse projeto” (ID 7018133, fls. 10-11 do PDF). Em suma, restringiram-se a expressar, em atos regulares, a pré-candidatura.

No caso posto, portanto, a bem-lançada sentença deve ser mantida em sua integralidade, uma vez que lícita a realização da convenção partidária para escolha de candidatos com transmissão ao vivo na rede social Facebook, nos termos da jurisprudência do TSE:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA INTRAPARTIDÁRIA. REDE SOCIAL. FACEBOOK. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. NÃO CONFIGURAÇÃO. AUSÊNCIA DE PEDIDO EXPLÍCITO DE VOTO. TRANSMISSÃO AO VIVO PELO FACEBOOK DAS CONVENÇÕES PARTIDÁRIAS. INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO LEGAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Na origem, a Corte regional manteve a decisão do Juízo eleitoral que julgou parcialmente procedente o pedido na representação por propaganda eleitoral antecipada, decorrente do desvirtuamento de propaganda intrapartidária. 2. A decisão agravada deu provimento ao recurso especial - porquanto, consoante delineado no acórdão, durante a transmissão ao vivo da convenção partidária em questão, na página pessoal do Facebook do agravado, inexistiu pedido explícito de voto, requisito indispensável para configurar propaganda eleitoral antecipada, nos termos do art. 36-A da Lei das Eleições e da jurisprudência pacífica desta Corte Superior - e afastou, por conseguinte, a respectiva multa. 3. Na linha da recente jurisprudência do TSE, a divulgação de mensagem que faz menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais de pré-candidatos e outros atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet, desde que não haja pedido explícito de voto, não configura propaganda extemporânea, nos termos da redação dada ao art. 36-A pela Lei nº 13.165/2015. Precedentes: Rp nº 294-87/DF, rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 9.3.2017; AgR-REspe nº 3-96/DF, rel. Min. Luiz Fux, DJe de 20.2.2018; REspe nº 51-24/MG, rel. Min. Luiz Fux, DJe de 18.10.2016; AgR-REspe nº 43-46/SE e AgR-AI nº 9-24/SP, julgados em conjunto em 26.6.2018. 4. Alicerçada a decisão impugnada em fundamentos idôneos e ausentes argumentos hábeis para modificar tal decisão, não merece ser provido o agravo interno. 5. Agravo regimental não provido.”

(TSE - RESPE - Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 27760 - JUAZEIRINHO – PB - Acórdão de 27.11.2018 - Relator Min. Og Fernandes – Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 250, Data: 19.12.2018, pp. 95-96.) (Grifei.)

Em suma, a rede social Facebook é ferramenta lícita pela legislação para uso durante o período de campanha.

Por fim, sobre as alegações de ter sido divulgada a convenção na página oficial da Prefeitura e de manutenção dos endereços eletrônicos pessoais dos pré-candidatos, adoto os fundamentos do parecer ministerial como parte integrante do presente voto, in verbis:

De outro norte, observa-se que ilícito haveria se tivesse havido a divulgação da convenção na página oficial da Prefeitura Municipal, contudo, como a própria representante reconhece, a divulgação da convenção ocorreu nas páginas pessoais mantidas no Facebook pelos atuais exercentes dos mandatos de Prefeito e Vice-Prefeita de Julio de Castilhos. Essas páginas pessoais não se transformam em páginas oficiais do Executivo Municipal em virtude de eventuais postagens com notícias relativas à Prefeitura Municipal.

Por sua vez, a manutenção dos endereços eletrônicos pessoais dos pré-candidatos – redes sociais, inclusive – na pré-campanha não importa em meio proscrito, pois permitida durante a campanha, nos termos do art. 57-B da Lei 9.504/97, cujo § 1º conta com a seguinte redação:

Art. 57-B (...) § 1o Os endereços eletrônicos das aplicações de que trata este artigo, salvo aqueles de iniciativa de pessoa natural, deverão ser comunicados à Justiça Eleitoral, podendo ser mantidos durante todo o pleito eleitoral os mesmos endereços eletrônicos em uso antes do início da propaganda eleitoral. (incluído pela Lei nº 13.488, de 2017) (grifo nosso)

Tem-se, assim, que a divulgação da URL de realização da convenção partidária (ao vivo e/ou a posteriori) nessas mesmas páginas pessoais mantidas pelos candidatos no Facebook, enquanto ato de pré-campanha, não encontra vedação na legislação eleitoral, vez que o art. 36-A da Lei das Eleições permite a divulgação da candidatura, que é a informação levada ao eleitor quando se divulga o resultado da escolha em convenção. (Grifei.)

Ou seja, as condutas se coadunaram com as determinações do art. 36-A da Lei das Eleições.

Ante o exposto, VOTO pelo DESPROVIMENTO do recurso.