E.Dcl. - 5853 - Sessão: 16/10/2020 às 14:00

RELATÓRIO

Cuida-se de embargos de declaração, com pedido de atribuição de efeitos infringentes, opostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra o acórdão de fls. 943-950, integrado pelo acórdão de fls. 982-985 que, por unanimidade, declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.831/19, e, no mérito, desaprovou as contas do DIRETÓRIO REGIONAL DO PARTIDO DOS TRABALHADORES – PT/RS relativas ao exercício financeiro de 2015, determinando o recolhimento de R$ 183.072,78 (cento e oitenta e três mil e setenta e dois reais e setenta e oito centavos) ao Tesouro Nacional, bem como a suspensão do repasse de verbas do Fundo Partidário pelo período de 1 (um) mês.

Em suas razões, o embargante sustenta a existência de omissão no acórdão. Alega que a decisão afastou a determinação de recolhimento de recursos do Fundo Partidário recebidos indevidamente pela agremiação, sob o fundamento de somente caber a incidência da ordem de devolução quando da aplicação das verbas, e não do seu recebimento. Afirma ser aferível pelo balanço do exercício acostado aos autos a utilização, pelo Diretório Estadual do PT, dos recursos oriundos do Fundo Partidário, a ensejar a obrigação de restituição, nos termos previstos no art. 61, § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14. Menciona também que, ainda que não venham a ser concedidos efeitos infringentes aos embargos, esta análise retrorreferida se faz necessária para fins de interposição de recurso especial, diante da vedação ao reexame probatório em sede de REsp. Requer o recebimento dos embargos e o suprimento da omissão, dando-lhes efeitos infringentes, bem como o prequestionamento das matérias suscitadas (fls. 1041-1045).

Intimada, a agremiação ofereceu contrarrazões, requerendo o desprovimento dos embargos (fls. 1055-1064).

É o breve relatório.

 

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

Os embargos de declaração são regulares, tempestivos e comportam conhecimento.

Inicialmente, cumpre consignar que os embargos de declaração devem ser opostos com o objetivo específico de esclarecer obscuridade ou contradição, sanar omissão ou corrigir erro material existente na decisão judicial, conforme expressamente estabelece o art. 1.022 do Código de Processo Civil.

In casu, o Ministério Público Eleitoral traz como argumento central a ocorrência de omissão atinente à matéria fático-probatória, uma vez que a decisão, embora tenha reconhecido que a agremiação recebeu recursos do Fundo Partidário em período em que estava suspenso o repasse, deixou de determinar o recolhimento de tais verbas ao Tesouro Nacional, sob a alegação de que o art. 61, § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14 somente incide quando da aplicação dos recursos, e não do seu recebimento.

O embargante defende que há, nos autos, informação quanto à utilização pelo Diretório Estadual do PT dos recursos recebidos do Fundo Partidário, conforme seria aferível pelo balanço do exercício acostado aos autos, a ensejar a obrigação de devolução dos valores, nos termos da previsão do art. 61, § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14.

Pois bem. Adianto que o recurso não merece acolhimento, porquanto, no caso dos autos, não se vislumbra omissão na decisão.

O acórdão avaliou devidamente a situação fática constante no caderno processual e concluiu que a análise da indevida utilização dos recursos públicos caberia quando do exame da prestação de contas do órgão nacional da agremiação no Tribunal Superior Eleitoral, mediante os fundamentos expostos no julgado, conforme abaixo se reproduz.

Assim, transcrevo excerto do decisum objurgado, grifando nos trechos elucidativos:

Foi verificado o recebimento de R$ 334.511,18 provenientes do Fundo Partidário em período no qual estava vigente a sanção de suspensão de repasse de tais recursos ao partido.

A agremiação reconhece o fato e a Secretaria de Controle Interno e Auditoria informa que efetuou comunicado à Assessoria de Exame de Contas Eleitorais e Partidárias (ASEPA) do Tribunal Superior Eleitoral para subsidiar o exame das contas do diretório nacional da agremiação.

Trata-se, portanto, de irregularidade cuja ocorrência é admitida, residindo a controvérsia apenas sobre a necessidade de recolhimento de tais valores ao Tesouro Nacional.

A Procuradoria Regional Eleitoral destaca os arts. 52 e 61, § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14, argumentando que, além da desaprovação das contas, deve ser determinada a devolução do montante ao Tesouro Nacional.

Na hipótese, apesar da ocorrência da irregularidade, tenho que o descumprimento da ordem de suspensão do repasse deve ser imputado ao órgão nacional do partido. Para tanto, tenho que a comunicação da ocorrência ao Tribunal Superior Eleitoral é apta a possibilitar a imposição das penalidades pelo descumprimento da ordem judicial nos autos da prestação de contas do interessado naquele tribunal, que é o órgão com competência para deliberar sobre o sancionamento.

Veja-se que a imposição de restituição do montante nestes autos poderia ocasionar o duplo recolhimento do valor transferido no período proibido (pelo órgão regional, nestes autos, e pelo nacional, em sua prestação de contas do exercício), o que configuraria enriquecimento indevido para a União.

Da mesma forma, é a “aplicação irregular”, e não o “recebimento irregular” que determina o recolhimento de valores, tal qual dispõe a norma invocada pelo Ministério Público Eleitoral, verbis:

Art. 61. [...]

§ 2º Caso constatada impropriedade ou irregularidade na aplicação dos recursos do Fundo Partidário ou no recebimento dos recursos de que tratam os arts. 12 e 13 desta Resolução, o órgão partidário e os seus responsáveis serão notificados para fins de devolução ao erário, se já não demonstrada a sua realização. (Grifei.)

Da mesma forma, os arts. 12 e 13 tratam do recebimento de recursos de fonte vedada e origem não identificada, categorias nas quais não se pode incluir os repasses do Fundo Partidário.

Assim, diante da ausência de suporte legal para a determinação de recolhimento de valores nestes autos, cabe tão somente a consideração da mácula em desfavor do prestador de contas.

No mesmo sentido – reconhecimento da irregularidade sem determinação de recolhimento de valores –, posicionou-se a Corte nos autos da PC 75-89, de relatoria do Desembargador Eleitoral Jamil Bannura, julgado em 12.09.17.

Deixo, portanto, de determinar o recolhimento ao Tesouro Nacional dos valores recebidos durante o período de suspensão do repasse do Fundo Partidário.

 

Desse modo, ao contrário do que alega o embargante, a conclusão tomada no acórdão do processo de prestação de contas da agremiação enfrentou o conjunto probatório dos autos, considerando, litteris, que, “apesar da ocorrência da irregularidade, tenho que o descumprimento da ordem de suspensão do repasse deve ser imputado ao órgão nacional do partido”.

O entendimento plasmado no aresto foi de que ocorreu a irregularidade e, em decorrência, restou consignado que a comunicação do ocorrido ao Tribunal Superior Eleitoral é “apta a possibilitar a imposição das penalidades pelo descumprimento da ordem judicial nos autos da prestação de contas do interessado naquele tribunal, que é o órgão com competência para deliberar sobre o sancionamento”.

O acórdão analisou devidamente a situação fática constante dos autos e concluiu que a análise da indevida utilização dos recursos públicos caberia quando do exame da prestação de contas do órgão nacional da agremiação no Tribunal Superior Eleitoral, por ser "o órgão com competência para deliberar sobre o sancionamento”, como restou expresso na decisão impugnada, pois “a imposição de restituição do montante nestes autos poderia ocasionar o duplo recolhimento do valor transferido no período proibido (pelo órgão regional, nestes autos, e pelo nacional, em sua prestação de contas do exercício), o que configuraria enriquecimento indevido para a União”.

Portanto, diante da ausência de suporte legal para determinação de recolhimento de valores, coube à decisão tão somente a consideração da mácula em desfavor do prestador de contas.

Ademais, note-se que os argumentos trazidos pelo embargante foram, sim, já por ele trazidos quando da emissão de seu parecer (fls. 653-665), ao reproduzir a manifestação do órgão técnico, conforme pode ser observado na parte de trecho que trago a mero título ilustrativo, in verbis:

II.I.II. Do recebimento indevido de recursos do Fundo Partidário

A unidade técnica constatou a indevida percepção de recursos do Fundo Partidário, no montante de R$ 334.511,18, durante a vigência de período de suspensão, conforme dados dos Processos de Prestação de Contas referentes aos exercícios de 2005, 2006 e 2009 (fl. 469), conforme segue (fls. 639 e 643):

(...)

Entende-se que, ciente da penalidade imposta, o Diretório Regional do partido deveria ter recusado o repasse ou efetuado a devolução dos valores indevidamente recebidos, mas quedou-se silente e, ainda, utilizou a referida verba, porquanto, nos termos do apontado pela SCI do TRE-RS às fls. 637-638, a totalidade dos recursos oriundos do Fundo Partidário foram gastos:

O total de recursos financeiros arrecadados foi de R$ 1.664.528,83. Desse total, R$ 334.214,37 são recursos do Fundo Partidário repassados pela Direção Nacional do Partido dos Trabalhadores e R$ 1.330.314,46 são recursos de Outra Natureza. Os gastos apurados totalizaram R$ 1.881.888,14 sendo que R$ 393.409,07 foram realizados com recursos do Fundo Partidário e R$ 1.488.479,07 foram realizados com recursos de Outra Natureza arrecadados no exercício de 2015 e remanescentes do exercício anterior.

(...)

Uma vez tendo o Diretório Nacional repassado verba do Fundo Partidário ao PT/RS, em momento que esse encontrava-se cumprindo suspensão do recebimento de tal fonte, no montante de R$ 334.511,18, e tendo esse devidamente utilizado tais recursos, conforme depreende-se do parecer conclusivo às fls. 637-638, tal fato enseja, além da desaprovação das contas, a necessidade de devolução do referido montante ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 61, §2º, da Resolução TSE nº 23.432/14, que assim dispõe, in litteris:

(...)

(Grifei.)

 

O embargante, assim, alega a ocorrência de omissão quando, na verdade, repete argumentos por ele anteriormente trazidos e já analisados quando do julgamento da causa, suficientes à elaboração do juízo de reconhecimento da irregularidade nos termos definidos. Em outras palavras, a decisão embargada apoiou-se na análise técnica, não cabendo rediscussão da prova nos presentes aclaratórios.

A sede para tal discussão sobre a determinação de recolhimento de valores, portanto, será o Tribunal Superior Eleitoral quando da análise da prestação de contas do exercício do órgão nacional do partido, e não os embargos declaratórios. Outrossim, o embargante terá ainda o TSE como instância superior para discussão desta demanda e, como dito, não os embargos declaratórios.

De forma que os argumentos trazidos pela Procuradoria Regional Eleitoral buscam tão somente a rediscussão da causa.

Inexiste, portanto, qualquer omissão a ser sanada no presente recurso. Em especial, tendo em vista que a omissão apta a ser suprida em aclaratórios é aquela decorrente do próprio julgamento, sendo prejudicial à compreensão da causa, não aquela com o desiderato de provocar o rejulgamento da demanda ou modificar o entendimento manifestado pelo órgão julgador.

Nesse sentido, colaciono jurisprudência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2014. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ORDINÁRIO. GOVERNADOR E VICE-GOVERNADORA. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE RECURSOS FINANCEIROS. ART. 30-A DA LEI Nº 9.504/97. CAIXA DOIS. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS NO ACÓRDÃO. DESPROVIMENTO DOS ACLARATÓRIOS OPOSTOS POR MARCELO DE CARVALHO MIRANDA. ERRO MATERIAL. PARCIAL PROVIMENTO DOS EMBARGOS DE CLÁUDIA LÉLIS, TÃO SOMENTE PARA CORREÇÃO DE ERRO MATERIAL.

1. A omissão apta a ser suprida pelos declaratórios é aquela advinda do próprio julgamento, sendo prejudicial à compreensão da causa, e não aquela deduzida com o fito de provocar o rejulgamento da demanda ou modificar o entendimento manifestado pelo julgador. Precedentes.

2. A contradição que autoriza a oposição de embargos de declaração é aquela interna, ou seja, estabelecida entre os fundamentos do acórdão, descabendo suscitá-la para dirimir alegado confronto entre pormenores instrutórios e os demais elementos de prova constantes dos autos, notadamente quando a defrontação não prejudica a validade da fundamentação, tampouco a coerência lógica do entendimento exarado na decisão.

3. Os declaratórios não se prestam ao rejulgamento da matéria, pressupondo omissão, obscuridade ou contradição, de modo que o mero inconformismo da parte com o resultado do julgamento não enseja a oposição dos embargos. Em síntese, a mera insatisfação com o conteúdo da decisão embargada não enseja embargos de declaração.

4. In casu, o voto condutor do acórdão analisou a matéria controvertida de forma suficiente e fundamentada, outrossim sua conclusão decorreu logicamente dos seus fundamentos, entendendo quanto ao mérito:

a) Caracterização da existência de "caixa dois de campanha", tendo em conta o conjunto probatório coligido aos autos, indicando que a partir de elementos precisos, consistentes e concatenados, [...] os R$ 1.505.937,20 (um milhão, quinhentos e cinco mil, novecentos e trinta e sete reais e vinte centavos) obtidos por Douglas em Brasília se destinavam a abastecer, de forma camuflada, a campanha de Marcelo Miranda, configurando o ilícito previsto no art. 30-A da Lei nº 9.504/97.

b) A campanha de Marcelo Miranda ao governo do estado do Tocantins foi alimentada com vultosos recursos obtidos de forma ilícita, correspondentes a 21% do total oficialmente arrecadado, e se desenvolveu por caminhos obscuros, sobressaindo o uso de métodos de dissimulação com significativa aptidão para impedir o controle público quanto à origem e destinação dos recursos financeiros despendidos e a má-fé do candidato.

c) As circunstâncias que acompanham o ilícito ostentam gravidade/relevância jurídica suficientemente densa para ultrajar os bens jurídicos por ele tutelados (i.e, igualdade política, higidez e lisura na competição eleitoral e transparência das campanhas).

5. Embargos declaratórios de Marcelo de Carvalho Miranda desprovidos.

6. O aresto embargado apontou erroneamente que a embargante Cláudia Lélis seria filiada ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro, quando deveria ter constado sua filiação ao Partido Verde, devendo ser superado tal erro material.

7. Embargos de declaração de Cláudia Lélis parcialmente providos, somente para que se corrija erro material.

(TSE, Embargos de Declaração em Recurso Ordinário n. 122086, Acórdão de 17.4.2018, Relator Min. Luiz Fux, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 19.4.2018) (Grifei.)

 

 

Impõe-se, portanto, o afastamento da omissão arguida.

À derradeira, registro, ainda, que, em regra, os embargos de declaração não são o instrumento apropriado para alcançar efeito infringente ou modificativo da decisão, prevendo o ordenamento jurídico remédio adequado para tal desiderato. E, nestes autos, os argumentos formulados pelo embargante não foram bastantes para fins de alterar o convencimento deste julgador e vislumbrar a possibilidade de mudança de posição em relação ao tema.

Nessa toada, o embargante menciona que, caso não sejam concedidos efeitos infringentes aos embargos, toda a análise retrorreferida se faz necessária para fins de interposição de recurso especial, diante da vedação ao reexame probatório em sede de REsp.

Releva observar que, de acordo com o art. 1.025 do CPC, “Consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade”.

Assim, dou por prequestionados todos os dispositivos invocados pelo recorrente, nos termos do art. 1.025 do CPC.

Desse modo, ausentes obscuridade, omissão ou contradição no acórdão embargado, devem ser rejeitados os aclaratórios.

 

Ante o exposto, VOTO por conhecer e rejeitar os embargos de declaração.

 

É como voto, Senhor Presidente.