REl - 0600046-28.2020.6.21.0039 - Voto Relator(a) - Sessão: 08/10/2020 às 14:00

VOTO

Admissibilidade

O ato intimatório da sentença foi disponibilizado no Processo Judicial Eletrônico (PJe) no dia 21.8.2020 (IDs 6760833 a 6760983), tendo o RECORRENTE tomado ciência da decisão – como lhe faculta o art. 56 da Resolução TRE-RS n. 338/19 – e interposto o recurso em 25.8.2020 (ID 6761133), atendendo ao prazo de 1 (um) dia fixado no art. 22, caput, da Resolução TSE n. 23.608/19.

Em sendo tempestivo e preenchendo os demais pressupostos de admissibilidade, o recurso merece ser conhecido.

Mérito

CARLOS ROBERTO DIAS ROQUE recorreu da sentença de improcedência prolatada pelo Juízo Eleitoral da 39ª Zona, buscando provimento jurisdicional que determine, ao PDT de Rosário do Sul e a VILMAR OLIVEIRA DE OLIVEIRA (pré-candidato ao cargo de prefeito nas eleições de 2020), a retirada das postagens realizadas nos perfis de VILMAR, de Glei Cabrera Menezes (ex-prefeito de Rosário do Sul) e de Sergio Pinto na rede social Facebook, condenando-os ao pagamento de multa pela prática de propaganda eleitoral antecipada, com fundamento no art. 36, § 3º, da Lei das Eleições.

Pretende, ainda, por intermédio do provimento do recurso, seja cassada a pré-candidatura de VILMAR ao cargo de prefeito e, por consequência, de Eduardo Ustra Ribeiro, candidato a vice, na medida em que a propaganda veiculada de forma extemporânea configurou captação ilícita de sufrágio, e ter assegurado o seu direito de participar, na condição de pré-candidato, da convenção do PDT de Rosário do Sul em que serão escolhidos os concorrentes ao pleito de 2020.

Ao final, busca seja determinada a intimação do Ministério Público Eleitoral para que apure o cometimento do delito descrito no art. 337 do Código Eleitoral por Glei Cabrera Menezes, sob o argumento de que ele estaria impedido de participar de atividades partidárias, inclusive comícios e atos de propaganda em recintos fechados ou abertos, em decorrência da suspensão dos seus direitos políticos por força do trânsito em julgado de decisão proferida nos autos da Ação Cível Pública n. 0262/1.07.0009886-1, que tramitou perante a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça deste Estado.

Preliminarmente, como advertiu o ilustre Procurador Regional Eleitoral (ID 6853833), o objeto de representações por propaganda extemporânea, fundadas no art. 36 da Lei das Eleições, não comporta a análise de fatos relacionados a eventual captação ilícita de sufrágio ou abuso de poder político, econômico ou de autoridade, independentemente da fase em que se encontra o processo eleitoral.

A apuração e o sancionamento de fatos dessa natureza são admitidos em sede de representação especial pela prática de captação ilícita de sufrágio ou de condutas vedadas, quando entrelaçadas com o abuso de poder em suas variadas formas, ou em sede de AIJE ou AIME, que constituem os meios processuais adequados para a preservação da legitimidade e normalidade do pleito segundo a legislação eleitoral vigente, que requer, como pressuposto à incidência da penalidade de cassação, o registro da candidatura, do qual não se tem notícia nestes autos (arts. 41-A e 73, 74 e 77 da Lei das Eleições, art. 22, caput, da LC n. 64/90 e art. 14, § 10, da CF, respectivamente).

Ademais, o pedido de cassação de pré-candidaturas não é albergado pelo ordenamento jurídico-eleitoral, cuja principiologia prima, respeitadas as limitações constitucionais e legais, por assegurar o amplo exercício da capacidade eleitoral passiva a todos os cidadãos, em ambiente político orientado pela liberdade de expressão e livre manifestação do pensamento, assim como pela autonomia partidária para definir o regramento sobre a escolha de candidatos e o regime de coligações nas eleições majoritárias (arts. 5º, incs. IV e IX, e 17, § 1º, da Constituição Federal).

Do mesmo modo, o pedido de reforma da sentença para que seja assegurada a participação do recorrente, enquanto pré-candidato, na convenção partidária do PDT de Rosário do Sul, refoge ao objeto da presente representação, devendo ser buscada em ação própria, em que será analisada a relação de pertinência entre os fatos narrados na inicial e eventual cerceamento ao seu direito de lançar-se candidato frente à normativa estatutária do partido pelo qual pretende disputar as eleições.

Por essas razões, estou extinguindo de ofício o presente processo quanto aos pedidos de cassação da pré-candidatura de VILMAR OLIVEIRA DE OLIVEIRA e de garantia do direito de o RECORRENTE participar, na qualidade de pré-candidato, da convenção do PDT de Rosário do Sul para a escolha dos candidatos ao pleito de 2020, devido à inadequação da via processual eleita, circunstância que obsta à constituição e ao desenvolvimento válido e regular do processo, nos termos do art. 485, inc. IV, do Código de Processo Civil.

No alusivo ao mérito propriamente dito da representação por propaganda eleitoral antecipada, o comando decisório de improcedência da demanda merece ser mantido, porém, por fundamentação diversa daquela exarada na sentença.

Ao decidir o feito, não obstante tenha apontado, com base no art. 17, inc. III, da Resolução TSE n. 23.608/19, a ausência de identificação do localizador das postagens impugnadas, o magistrado de primeiro grau, convencido a respeito da autenticidade das publicações, analisou o seu conteúdo, concluindo não se tratar de propaganda eleitoral extemporânea, vedada pelo art. 36-A da Lei das Eleições, mas de exercício regular do direito à livre manifestação do pensamento, tutelado pelo art. 5º, inc. IV, da Constituição Federal, com o que julgou improcedente o pedido de aplicação da penalidade de multa, disciplinada no art. 36, § 3º, da Lei n. 9.504/97, extinguindo o feito com resolução de mérito (art. 487, inc. I, do Código de Processo Civil).

Todavia, seguindo a linha decisória adotada por esta Corte no julgamento do Recurso Eleitoral n. 0600018-59.2020.6.21.0007, de relatoria do Des. Eleitoral Miguel Antônio Silveira Ramos, na sessão de 03.9.2020, a exigência de indicação do endereço eletrônico (URL ou, inexistente esta, URI ou URN) e de comprovação de que a parte representada é a autora da postagem relaciona-se à prova da conduta ilícita, não competindo à Justiça Eleitoral proceder a pesquisas na rede mundial de computadores para suprir o ônus processual do interessado, para viabilizar a verificação da existência e da legalidade do conteúdo da propaganda eleitoral e a aplicação das providências e penalidades pertinentes, consoante se extrai da leitura do art. 17, § 2º, da Resolução TSE n. 23.608/19, a seguir transcrito:

Art. 17. A petição inicial da representação relativa à propaganda irregular será instruída, sob pena de não conhecimento:

I - com prova da autoria ou do prévio conhecimento do beneficiário, caso não seja alegada a presunção indicada no parágrafo único do art. 40-B da Lei nº 9.504/1997;

II - naquelas relativas à propaganda irregular no rádio e na televisão, com a informação de dia e horário em que foi exibida e com a respectiva transcrição da propaganda ou trecho impugnado; e

III - no caso de manifestação em ambiente de internet, com a identificação do endereço da postagem (URL ou, caso inexistente esta, URI ou URN) e a prova de que a pessoa indicada para figurar como representado é o seu autor.

§ 1º Desconhecida a autoria da propaganda, a petição inicial poderá ser endereçada genericamente contra o responsável, desde que requerida liminarmente diligência para a identificação deste e fornecidos os elementos indispensáveis para a obtenção dos dados, sob pena de indeferimento da petição inicial.

§ 2º A comprovação da postagem referida no inciso III deste artigo pode ser feita por qualquer meio de prova admitido em Direito, não se limitando à ata notarial, cabendo ao órgão judicial competente aferir se ficou demonstrada a efetiva disponibilização do conteúdo no momento em que acessada a página da internet. (Grifei.)

Em idêntico sentido, cito recente acórdão prolatado por este Regional em caso análogo:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL EXTEMPORÂNEA. FACEBOOK. REQUISITO PARA PETIÇÃO INICIAL – URL – NÃO PREENCHIDO. ART. 17, INC. III, § 2º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.608/19. PROVAS INSUFICIENTES. IMPROCEDENTE. PROVIMENTO.

1. Insurgência contra decisão que julgou procedente representação por propaganda extemporânea. Postagem na rede social Facebook de "santinhos", frase com cunho eleitoral e número com que o pretenso pré-candidato concorreu em pleito pretérito.

2. Conforme o disposto no art. 17, inc. III e § 2º, da Resolução TSE n. 23.608/19, a petição inicial da representação relativa à propaganda irregular veiculada em ambiente de internet será instruída, sob pena de não conhecimento, com a identificação do endereço da postagem (URL ou, caso inexistente esta, URI ou URN) e a prova de que a pessoa indicada para figurar como representado é o seu autor, cabendo ao órgão judicial competente aferir se ficou demonstrada a efetiva disponibilização do conteúdo no momento em que acessada a página da internet.

3. Na hipótese, a petição inicial apresentou apenas o endereço eletrônico, ou seja, a URL do perfil do representado na rede social Facebook, e não da postagem imputada como irregular. Tratando-se de publicação realizada na rede social Facebook, a qual permite a criação de múltiplas páginas com nomes idênticos ou muito semelhantes e de pedido de remoção de conteúdo veiculado por meio de vídeos e textos, a correta indicação do endereço eletrônico do conteúdo irregular mostra-se ainda mais necessária. Não compete à Justiça Eleitoral a realização de pesquisas na rede mundial de computadores para suprir

4. Conjunto probatório insuficiente para demonstrar a ocorrência dos fatos descritos na inicial, sendo forçoso o provimento do recurso para julgar improcedente a representação.

5. Provimento.

(TRE-RS, REL n. 0600018-26.2020.6.21.0018, RELATOR DES. CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, julgado na sessão de 17.9.2020). (Grifei.)

Como, da petição inicial e dos documentos que a instruem (ID 6758383, fls. 1-35), ressalta a ausência de discriminação da URL e de prova de que os RECORRIDOS são os autores das postagens veiculadas na rede social Facebook, o recurso deve ser desprovido, mantendo-se o juízo de improcedência da representação.

Acrescento que a URL informada na petição juntada pelo RECORRENTE, após os autos serem conclusos para julgamento (ID 6968033), não se refere às postagens que embasaram a propositura da presente ação, mas a um vídeo publicado no perfil de VILMAR e na página do PDT de Rosário do Sul na rede social Facebook no dia 22.9.2020, motivo pelo qual não supre a omissão do RECORRENTE quanto à adequada instrução do processo.

E, contrariamente ao sustentado nas razões recursais, a veiculação do vídeo em comento não pode ser considerada como um fato novo constitutivo ou modificativo do direito capaz de influir no julgamento de mérito, conforme previsto no art. 493 do Código de Processo Civil, visto que se mostra estranha à causa de pedir da presente demanda.

No pertinente ao pedido para que o Ministério Público Eleitoral seja intimado para averiguar a suposta prática do crime tipificado no art. 337 do Código Eleitoral por Glei Cabrera Menezes, embora não tenha sido objeto da sentença, entendo cabível a sua análise em grau recursal, porquanto a medida poderia, eventualmente, ser determinada de ofício pelo órgão julgador, desde que as particularidades do caso concreto recomendassem a adoção dessa providência.

Todavia, este feito foi acompanhado pelo Ministério Público Eleitoral na origem e pela Procuradoria Regional Eleitoral nesta instância recursal, os quais podem, a partir dos elementos informativos existentes nestes autos, proceder à investigação do delito em comento, se assim entenderem pertinente.

Além disso, a interveniência deste Regional para que fosse adotada a medida em comento esbarraria na diretiva firmada pelo Tribunal Superior Eleitoral ao declarar a inconstitucionalidade da norma penal incriminadora inserta no art. 337 do Código Eleitoral, por não guardar sintonia com o art. 5º, incs. IV, VI e VIII, e art. 220 da Constituição Federal, que garantem a liberdade de expressão do pensamento e de consciência a todos os indivíduos, ainda que os interesses tutelados por tais normas possam sofrer ponderação quando colidam com outros direitos de índole igualmente fundamental (REspe n. 773.568.867/GO, julgado em 14.10.2014, DJe de 5.10.2015, pp. 140-141), também perfilhada por este Regional no julgamento do MS n. 1612-91 (Relator Des. El. PAIM FERNANDES, julgado em 11.11.2014).

Ao finalizar, tenho por indeferir o pedido de aplicação da pena de multa por litigância de má-fé contido nas contrarrazões recursais, sob o argumento de que o RECORRENTE teria falseado a verdade dos fatos quanto ao cerceamento do seu direito de participar da convenção partidária do PDT de Rosário do Sul, uma vez que a sua pré-candidatura a prefeito nas eleições vindouras foi anunciada pela imprensa local.

E isso porque, apesar de este órgão colegiado estar autorizado a aplicar de ofício tal penalidade, com respaldo no art. 81, caput, do Código de Processo Civil – com o que a ausência de debate desse ponto na sentença não implica supressão de instância ou ofensa ao princípio tantum devollutum quantum appellatum –, a controvérsia a respeito da aduzida obstaculização à participação do RECORRENTE em eventos intrapartidários sequer integra o mérito da causa, em virtude da inadequação da via processual por ele eleita, restando inviabilizada a incidência do art. 80, inc. II, do Diploma Processual Civil, que incluiu, dentre as hipóteses de litigância de má-fé, a alteração da verdade fática tendente a induzir o julgador em erro sobre fato juridicamente relevante à solução da lide para a obtenção de vantagem processual (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. 3ª ed., Editora Jus Podium, 2018, p. 141).

DIANTE DO EXPOSTO, voto pela extinção do processo sem julgamento de mérito, relativamente aos pedidos de cassação da pré-candidatura de VILMAR OLIVEIRA DE OLIVEIRA e de garantia do direito de CARLOS ROBERTO DIAS ROQUE participar, na qualidade de pré-candidato, da convenção do PDT de Rosário do Sul para a escolha dos candidatos ao pleito de 2020, em virtude da inadequação da via processual eleita (art. 485, inc. IV, do Código de Processo Civil) e, no mérito, pelo desprovimento do recurso, mantendo a sentença de improcedência da presente representação, indeferindo, ainda, os pedidos de intimação do Ministério Público Eleitoral para fins de investigação do delito descrito no art. 337 do Código Eleitoral e de aplicação da penalidade de multa por litigância de má-fé ao RECORRENTE, nos termos da fundamentação.